ECONOMIA

Privatizada, Light distribuiu milhões a acionistas e pede recuperação judicial

Uma das primeiras distribuidoras de energia privatizada expõe dívida bilionária e tem recuperação judicial questionada; empresa tem investidor envolvido no caso Americanas e na privatização da Eletrobras
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 17 de maio de 2023

Privatizada, Light distribuiu milhões a acionistas e pediu recuperação judicial

Foto: Light/Redes Sociais

Foto: Light/Redes Sociais

O pedido de Recuperação Judicial da Light aceito na segunda-feira, 15, pela Justiça do estado do Rio de Janeiro coloca em xeque o ditado liberal usado muitas vezes contra o estado: nunca se deve gastar mais do que ganha. Já apresentando problemas em seu caixa, a empresa pagou cerca de R$ 94,5 milhões no final de 2022 para seus acionistas. A Light foi um das primeiras empresas estatais do setor elétrico a ser privatizada em 1996.

Com menos de um mês para formalizar a solicitação de renovação da concessão da distribuidora de energia elétrica, que se encerra em junho de 2026, o pedido de recuperação do conglomerado gerou uma série de especulações no mercado e em especial no setor elétrico.

Por um lado, a dívida declarada de R$ 11 bilhões é mais um golpe em Beto Sicupira que tem 10% de participação na Light.

Sucupira é um dos maiores acionistas da Americanas, ao lado de Jorge Paulo Lemann e Marcel Telles no 3G Capital. O investidor vê sua imagem relacionada agora a calotes que chegam a R$ 54 bilhões em passivos trabalhistas e para credores que vão desde pequenos negócios a acionistas minoritários e debenturistas das duas empresas.

Hoje a 3G, do trio Lemann, Telle e Sicupira, detêm 10,32% da Eletrobras que foi privatizada pelo governo Bolsonaro em junho de 2022.

Sicupira pagou em outubro de 2020 R$ 550 milhões por 30 milhões de ações da Light. Hoje, com a revelação da dívida, os papéis valem R$ 110 milhões.

Manobra jurídica

Assim como no caso das Americanas no varejo, também há questionamentos sobre os impactos do caso da Light no setor de infraestrutura.

Uma das críticas se dá por conta da ação jurídica feita para contornar a lei que diz que concessionárias de serviços públicos de energia elétrica não podem adotar o regime de recuperação judicial.

Se os advogados da Light dizem que quem está em recuperação judicial é a holding, não a distribuidora que tem uma concessão pública, um experiente integrante do setor elétrico nacional diz que a holding não teria motivação para pedir recuperação porque não é a detentora das dívidas.

Edvaldo Santana é ex-diretor geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e ex-presidente da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace).

Para ele, foi uma forma de contornar a lei e socorrer a distribuidora do grupo. O objetivo da legislação, diz, “era estabelecer diretrizes para eventuais intervenções em concessionárias de energia elétrica”.

Na manobra que Santana registra ter sido pensada pelos “ótimos advogados da Light”, foi substituído o regulador pelo judiciário e, a ao mesmo tempo serve para “legalizar o calote, o que eleva os riscos e custos para o setor elétrico”.

Na manhã dessa quarta-feira, 17, o Ministério Público do Rio de Janeiro (PMRJ) apresentou recurso contra a decisão que autorizou o pedido da recuperação judicial da Light.

O promotor Anco Valle vê irregularidade na extensão dos efeitos dela a duas empresas da holding Light: a Light Energia e a Light SESA.

Ciclo

Consultor do setor elétrico com passagens em distribuidoras e grandes geradoras acredita em um movimento cíclico.

Pedindo anonimato ele lembra a marchinha de Carnaval dos anos 1950: “Rio de Janeiro, Cidade que nos seduz; De dia falta água, de noite falta luz”.

A ideia é ilustrar que, se as duras reclamações fizeram com que a Light fosse estatizada nos anos 1970, as bases que tornaram a empresa a primeira grande distribuidora de energia privatizada na era Fernando Henrique Cardoso, em 1996, agora abrem portas para uma nova intervenção do estado.

A lógica, segundo ele, com a entrada do estado, é a recuperação das redes e a ação social que no caso da Light tem a haver com os famosos gatos que a empresa diz impactar em sua receita.

“É um ciclo que deve se movimentar de 30 em 30 anos. Se privatiza. Daí mamam, mamam, mamam, distribuem os lucros e resultados, deixam a empresa se sucatear, colocam a bomba nos fornecedores, se reduz a qualidade e estatiza de novo”, conclui.

Comentários