ECONOMIA

Banco Central não tem motivos para manter taxa Selic a 13,75%

Sinpro/RS Debate promoveu encontro de economistas para avaliar os impactos dos juros altos na economia e na vida dos brasileiros
Por Gilson Camargo / Publicado em 1 de julho de 2023

Foto: Sinpro/RS/Divulgação

Realizado de forma presencial e virtual, Sinpro/RS Debate abordou impactos da taxa Selic na economia e na vida dos brasileiros

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A taxa básica de juros, mantida desde agosto de 2022 em 13,75% pelo Comitê de Política Monetária (Copom), já deveria ter sido reduzida para um percentual entre 10,25% e 9,5%, considerando a queda dos níveis inflacionários e a retomada do crescimento da economia.

Esse foi um dos consensos estabelecidos entre os painelistas do Sinpro/RS Debate A atual política de juros do Banco Central e seus efeitos na vida dos brasileiros realizado na manhã deste sábado, 1º, pelo Sindicato dos Professores do RS (Sinpro/RS).

Participaram do encontro, mediado pela diretora do Sindicato, Margot Andras, o sociólogo Victor Gnecco Pagani, supervisor técnico do Dieese São Paulo; e os economistas Gustavo de Moraes, da PUCRS, e André Campedelli, professor da Universidade Paulista.

Para os painelistas, a decisão da última reunião do Copom, no dia 23 de junho, de manter os juros em quase 14%, deprime a atividade econômica e os investimentos e só interessa ao mercado financeiro.

Foram destacados problemas como a alta concentração e a falta de concorrência no sistema bancário, a pouca transparência nos espaços de decisão da política monetária, a exclusão das organizações da sociedade pelo Copom e o fato de os gestores do Banco Central (BC), com uma única exceção (o gaúcho Alexandre Tombini) serem oriundos do mercado financeiro. “Há uma relação um tanto quanto promíscua entre os diretores e presidentes e do BC com o sistema financeiro”, destacou Victor Pagani.

Fundamentos

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Victor Gnecco Pagani, supervisor técnico do Dieese São Paulo

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No painel de abertura, o supervisor técnico do Dieese, discorreu sobre o funcionamento do BC e as mudanças na política monetária. “Em 1999 se instituiu a política do tripé macroeconômico, baseado nas metas de inflação, nas metas fiscais de superávit primário e que agora foram atualizadas com o fim do teto de gastos e com a instituição do novo arcabouço fiscal”, resumiu.

O CMN se reuniu em junho e estabeleceu as metas de inflação para os próximos três anos. Foi mantida a meta para 2023 em 3,25% e definida para 2024, 2025 e 2026 uma meta de 3%. “É bastante conservadora, se considerarmos o histórico de inflação brasileira, principalmente do Plano Real pra cá”, avalia.

Na reunião do CMN de quinta-feira, 27, foi estabelecida uma alteração na temporalidade da meta de inflação no país. “A meta tem um horizonte de um ano-calendário, de janeiro a dezembro, e o CMN definiu que a partir de 2025 essa vai ser uma meta contínua. Então, ele alterou a temporalidade da meta e ela vai ter um prazo mais elástico para que seja atingida essa meta. Além disso, a meta de inflação tem um intervalo de tolerância que ficou mantido em 1,5% para mais ou para menos, ou seja, a partir do ano que vem, como a meta vai passar a ser de 3%, estamos falando de 1,5% a 4,5% de margem de tolerância para a meta de inflação”, detalhou Pagani.

O sociólogo lembrou que nem sempre essa meta é cumprida. “Nós temos desde a instituição do regime de metas sete anos em que a meta foi descumprida, inclusive os dois últimos anos já sob o BC sendo presidido pelo Roberto Campos Neto, após a aprovação da autonomia do BC”.

Maior juro real do mundo

A taxa Selic, ressaltou, “é uma das maiores taxas de juros nominais do mundo, pelo menos dos países da OMC, e a maior taxa de juros reais do mundo. Taxa de juros nominal são os 13,75% e taxa real é esse percentual menos a inflação medida pelo IPCA. Se pegar o IPCA 15 recém divulgado pelo IBGE, com uma inflação próxima já dos 3%, chega a uma taxa de juros reais beirando os 10%. Isso é algo extraordinário, não se encontra em outros países do mundo.

“O juro elevado tende a restringir consumo, porque aumenta o endividamento das famílias, as pessoas têm mais dificuldades de acessar crédito e fazer compras parceladas, principalmente bens de consumo duráveis a prazo, mas não é só isso. Hoje as pessoas usam o crédito inclusive para pagar as despesas do dia a dia, mercado, conta de luz, telefone, água”, alertou.

Os juros também afetam o investimento produtivo, são um desestímulo aos investimentos e à poupança. “O trabalhador que ao ser demitido sai com seu FGTS e pensa em abrir um comércio de bairro e contratar funcionários, ele vai avaliar o risco disso e comparar com a possibilidade de simplesmente aplicar esse recurso no mercado financeiro e ter uma rentabilidade praticamente sem risco e com bastante liquidez”, ilustra. Por ser a taxa básica de juros, a Selic incide sobre todas as formas de crédito para empresas e consumidores com taxas acima de 300% ao ano.

BC pautado pelo mercado financeiro

Pagani observa que o BC vem se pautando pelas expectativas e tentado interferir através da taxa Selic. “O que a gente observa nesse período recente é que o BC vem abrindo mão desse poder de formar o preço futuro do crédito e se pautando pelas expectativas. Então ele está reagindo ao mercado financeiro. Como se o mercado financeiro tivesse capturado o BC. E aí a gente sabe que as expectativas que são consideradas pelo BC são as expectativas dos agentes de mercado, sobretudo os departamentos de economia de grandes, bancos, fundos de investimento e de pensão, que são ouvidos para elaboração do famoso boletim focus, onde são publicadas as expectativas do mercado. Mas ali não está expectativa do sindicato, do professor, do trabalhador nem de setores produtivos da economia”, aponta.

O que é a Selic, afinal?

A Selic (sigla de Sistema Especial de Liquidação de Custódia) é uma infraestrutura do mercado financeiro administrada pelo BC onde são transacionados os títulos públicos federais (dívida pública), discorreu o painelista em uma verdadeira aula de economia.

“A taxa média ajustada dos financiamentos diários apurada nesse sistema corresponde à taxa Selic. Quando a Selic sobe o custo de oportunidade de fazer investimento produtivo é afetado diretamente, quem tem recurso prefere investir no mercado financeiro e receber os juros sem risco com grande liquidez ao invés de abrir um novo empreendimento produtivo. A taxa Selic também é referência dos juros cobrados em todas as modalidades de empréstimos bancários e quando ela sobe faz o Real se valorizar em relação ao dólar, o que pode estimular as exportações, facilita as importações e também acaba afetando o nível interno de atividade econômica. E afeta muito o mercado de trabalho”.

O BC deveria atuar para estabilizar a atividade econômica e promover o pleno emprego, mas tem atuado apenas para levar a inflação para o centro da meta, custe o que custar, critica. “E esse custe o que custar é desacelerar a atividade econômica. Isso tem impacto no mercado de trabalho, leva ao desestímulo à geração de empregos e a partir do aumento do desemprego faz a redução da demanda e o controle da inflação.

Esse é o mecanismo como funciona hoje”, revela. Nas atas do Copom o BC tem apontado que haveria um excesso de demanda na economia brasileira, o que é refutado pelos economistas. “Como se a causa da nossa inflação atual fosse um excesso de demanda, ou seja, um mercado de consumo muito aquecido, uma economia muito aquecida. E aí fica o questionamento: a gente pode falar em excesso de demanda tendo mais de 8% dos trabalhadores no desemprego aberto, tendo mais de 18% da população economicamente ativa compondo a subutilização da força de trabalho, ou seja, desempregado ou empregado com jornada de trabalho insuficiente para o próprio sustento ou buscando um novo trabalho ou até desalentado?”, indaga.

Pagani explica que a inflação é causada por múltiplos fenômenos e critica as políticas do BC sob Campos Neto. “Choque de preços estratégicos que a gente viveu com a pandemia, com a desorganização das cadeias de fornecimento de insumos globais, com a guerra que também gerou o aumento de preços de energia, combustíveis e alimentos, trigo principalmente. Os números altos eles funcionam quando bem calibrados. Durante um período curto de tempo, são o remédio para uma inflação de demanda. Agora se você usa um remédio com um diagnóstico nem tão preciso numa dose muito elevada por um tempo muito prolongado esse remédio pode se tornar um veneno”, compara.

Outras metas

A instituição, aponta, deveria estabelecer outras metas baseadas em núcleos da inflação para excluir desse cálculo os preços mais voláteis, que não reagem à taxa de juros. “Usar o clima e a crise de alimentos e subir juros para controlar a inflação, isso não me parece a melhor forma”. Também sugeriu a inclusão do crescimento econômico e do fomento ao pleno emprego para fazer o controle da inflação.

“A política monetária tem que estar coordenada com a política cambial, com a fiscal e a social. Essa coordenação é necessária para gerar um ganho de eficiência nas políticas, mas a decisão de tornar o BC autônomo não contribui para isso, porque cria um distanciamento entre a política monetária e a política fiscal e social.

Questionado sobre a autonomia do Banco Central, Pagani indaga: “autonomia em relação a quem?”. Se há autonomia, quem ocupa a presidência do BC deveria se comportar de forma mais condizente com a liturgia do cargo, aconselha.

“O fato de o Roberto Campos Neto frequentar os grupos de whattsapp dos ministros do governo Bolsonaro, fazer questão de no dia da eleição ir votar vestindo a camiseta com as cores da campanha do candidato Bolsonaro não ajudaram a ter uma maior harmonização entre política monetária, política fiscal, banco central e governo federal. Espero que isso sirva de aprendizado e que o próximo presidente do BC tenha esse cuidado, porque com a autonomia vem maior responsabilidade. É preciso se comportar de modo a fazer jus a essa responsabilidade”, alfinetou.

Política de juros agressiva

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O economista Gustavo de Moraes, da PUCRS, e a diretora do Sinpro/RS, Margot Andras, que coordenou o debate

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O economista Gustavo de Moraes destacou a agressividade do Banco Central em relação aos juros nos últimos anos. “Nessa conjuntura recente, em maio de 2021 o BC adotou uma das políticas mais agressivas no mundo. Foi o primeiro a investir numa política de aumento de juros e o fez também num ritmo mais agressivo que os bancos centrais de outras partes do mundo. Na Inglaterra, que nesse momento está com uma inflação de 10%, mais do que o dobro da inflação do Brasil, o banco central foi bastante cuidadoso no aumento de juros nesse mesmo período”.

Os juros que os bancos praticam nem sempre seguem a trajetória da Selic, pois são influenciados, por exemplo, pela ausência de concorrência bancária. “Hoje, 85% dos depósitos estão concentrados em cinco grandes bancos: CEF, BB, Santander, Itaú e Bradesco. E isso prejudica o consumidor. Por mais que a Selic oscile, essas outras taxas, de cheque especial, cartão de crédito, etc. dificilmente vão cair devido à ausência de concorrência. Um empréstimo para pessoa física está em torno de 35% ao ano. São taxas significativas e isso tem pouco a ver com a política monetária. Está mais ligado ao fato de que – e isso é uma função do BC, regular o sistema financeiro – há poucas instituições concorrendo no mercado financeiro e aquelas que tem algum crescimento como o sistema cooperado também são pressionadas pelos grandes bancos.

Essas dificuldades a principal razão pela qual os juros são altos no Brasil. Não importa se a taxa Selic for 2%, como foi em março de 2021, ou de 13,75% como na atualidade, o consumidor lá na ponta iria continuar encontrando essa condição de juros mais altos por outros fatores que também estão sob regulação do BC, essencialmente a ausência de concorrência bancária e falta de estímulo e fomento aos bancos regionais ou cooperados que permitiria que os juros pudessem cair não apenas em termos de Selic mas também nas diversas modalidades de crédito.

Juros a 13,75% me parece exagerado. O próprio Campos Neto disse em 2021 que a taxa de juros no Brasil deveria ser algo em torno de 4% ou 5% acima da inflação. A nossa inflação hoje está em 4%. Mesmo que vá a 5%, isso levaria a uma taxa Selic de 10%”, projeta.

Os bancos são o dono da dívida pública

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O economista André Campedelli, professor da Universidade Paulista

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Para André Campedelli, a dívida pública é um dos fatores da taxa Selic elevada. O economista apresentou uma explanação sobre os fatores que influenciam a inflação brasileira, que ele relaciona com a composição de custos, a baixa oferta de crédito influenciada pela baixa capacidade de poupança no país, impactos da Selic na economia, entre outros temas. E destacou que o detentor da dívida pública é o setor bancário, que ganha com os juros elevados.

“O setor bancário não quer uma parte de longo prazo deste negócio, só investe nas chamadas operações compromissadas que vencem em 45 dias. Ele trabalha com uma lógica de curto prazo. É o grande dono dessa dívida pública e é muito feliz com isso”, ironizou.

Segundo Campedelli, até o El Niño foi relacionado em uma ata do Copom para justificar a manutenção da taxa de juros básicas nesse patamar. “A taxa de juros não é o cacique cobra-coral que vai conseguir mexer no clima, mas até isso aparece. Eles falam que têm que manter a taxa de juros porque vai vir o problema climático que pode afetar a taxa de alimentos. Mas se a taxa de juros não afeta a inflação de alimentos, por que manter isso?”, questiona.

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