ECONOMIA

Apagão no fornecimento de energia elétrica no RS coloca em xeque privatização da CEEE

Falta de energia chegou a atingir 80% dos usuários atendidos pelas duas maiores distribuidoras do estado. Passadas 48 horas do temporal, apagão ainda dificulta vida dos gaúchos
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 18 de janeiro de 2024
Apagão no fornecimento de energia elétrica no RS coloca em xeque privatização da CEEE

Foto: Agergs/ Divulgação

Equatorial, que arrematou a CEEE-D por R$ 100 mil em 2021, já foi multada pela Agergs por baixa qualidade dos serviços de energia

Foto: Agergs/ Divulgação

Os mais de 450 mil consumidores que continuam sem energia elétrica no Rio Grande do Sul após o temporal de terça-feira, 16, e os problemas decorrentes do apagão das últimas 48 horas incendiaram o debate sobre a privatização da empresa de energia do estado, a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE).

A estatal de energia foi um dos setores mais estratégicos a entrar na agenda de privatizações dos sucessivos governos gaúchos e acabou vendida totalmente em 2021 pelo governador Eduardo Leite (PSDB).

Na madrugada de terça para quarta-feira, 17, mais de 1 milhão de unidades consumidoras ficaram sem energia das cerca de 4,2 milhões que integram as duas distribuidoras que dominam o setor no estado.

De acordo com a Equatorial, os problemas no abastecimento devem se estender até sábado, 20.

O grupo Equatorial Energia tem 1,2 milhão de clientes.

Controladora do setor em Alagoas, Amapá, Goiás, Maranhão, Pará e Piauí, arrematou a CEEE-D pelo valor simbólico de R$ 100 mil em leilão realizado pelo governo gaúcho em março de 2001.

A companhia assumiu um passivo de R$ 4,4 bilhões em ICMS reduzido para R$ 1,7 bilhão para pagamento em 15 anos.

A Equatorial assumiu a distribuição de energia em 102 municípios há cerca de dois anos, já foi multada diversas vezes pela agência reguladora devido à baixa qualidade dos serviços.

A RGE tem mais de 3 milhões de clientes e atende 381 municípios.

Até Melo e Leite reclamaram

Em uma realidade de caos na qual o próprio prefeito da capital, Sebastião Melo (MDB), se queixou nas redes sociais por não conseguir fazer contato com a distribuidora de energia e até o governador Eduardo Leite (PSDB) chegou a falar na possibilidade de retirar a concessão das mãos da Equatorial Energia, sobram de todos os lados cobranças e defesas.

Leite foi o articulador do processo que vendeu para a iniciativa privada as CEEE GT (Geração e Transmissão) e a CEEE-D (Distribuição) e Melo, quando deputado estadual, foi um dos votos decisivos para a privatização da estatal.

Passando pano

Críticos da privatização como o do jornalista Celso Schröder apontam para formas diferentes de tratamento da atual distribuidora no principal jornal do estado, o Zero Hora (ZH).

Rosane de Oliveira, colunista de Economia do jornal do Grupo RBS, lembrou que na época da estatal houve casos similares e que contou com a compreensão da população.

Cedo ou tarde, mas pagando a conta

Enquanto Rosane de Oliveira em sua coluna nesta quinta-feira, 18, diz que ainda é “cedo” para dizer que a estatal faria diferente, Schröder, que lecionou por 36 anos na PUCRS matérias que foram da Teoria do Jornalismo à Ética e Legislação lembra que, quando a pauta é positiva, o nome Equatorial figura nas manchetes.

Já, “quando o serviço vira uma m…., o jornal a chama de CEEE”, dispara o jornalista ao mostrar as manchetes da ZH nesse sentido.

“Calma lá, CEEE era aquela empresa estatal criada pelo Brizola a partir de outra empresa privada falida”, completa o jornalista e professor ao registrar ainda que os gaúchos tiveram “por muitas décadas, energia de qualidade e por preços razoáveis”.

Vicente José Rauber, que presidiu a CEEE logo após a privatização de dois terços de sua distribuição pelo governo Antônio Britto (ex-PMDB) no final dos anos 1990, recorda que “a privatização do Britto, de fato, deixou marcas profundas que nós não recuperamos em seu todo”.

Rauber fala do fato da CEEE ter renunciado a dois terços de sua distribuição para dar origem às então RGE e AES Sul.

Para isso, se saneou o que foi para as privadas e, ao mesmo tempo que a parte estatal abriu mão de dois terços de sua receita, teve que ficar com cerca de 80% do passivo.

“Mas, nós colocamos a empresa nos trilhos para ela andar, apesar disso e com muita qualidade”, defende Rauber.

Os passos da destruição

Para o ex-presidente da estatal, o trabalho acabou não tendo continuidade nas gestões do governo estadual que sucederam o então governador Olívio Dutra (PT) e culminou com as bases reais para a privatização do que restava da companhia (Geração, Transmissão e um terço da distribuição no estado) no governo de José Ivo Sartori (MDB).

Sobre a opinião da colunista, Rauber é categórico: “Ela voltou a fazer o mesmo jogo que fazia antes. A Zero Hora ajudou a privatizar a empresa com a Rosane de Oliveira à frente”, aponta.

Outra fonte da alta administração da CEEE quando a empresa ainda era uma estatal falou ao Extra Classe na condição de anonimato.

“O Sartori foi o grande destruidor da CEEE. E a Zero Hora nunca noticiou nada sobre isso. Ele fez uma intervenção branca. A diretoria tinha que se reunir para decidir qualquer coisa na Casa Civil. O representante da Eletrobras lá na diretoria de Geração se negou a se reunir lá”, pontua a fonte que continua atuando no setor elétrico como consultor.

O golpe de misericórdia que acabou alimentando o discurso pró-privatização total da CEEE, diz, foi determinação para que a companhia não repassasse o ICMS aos cofres do estado. “Isso gerou um passivo que ultrapassou R$ 4 bilhões”.

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