EDUCAÇÃO

Eleito para ensinar

Valéria Ochôa / Publicado em 30 de agosto de 1998

Na ausência de um profissional com formação para alfabetizar os filhos, os imigrantes católicos alemães que chegaram ao Rio Grande do Sul, a partir de 1824, escolhiam na própria comunidade quem tivesse mais conhecimento para a tarefa. Queriam garantir aos seus descendentes os conhecimentos básicos para se tornarem cidadãos na nova terra e preservarem sua cultura cristã. Esta foi a origem da rede de escolas comunitárias das colônias alemãs no Estado. O professor e pesquisador Arthur Blásio Rambo, da Universidade do Vale do Rio do Sinos (Unisinos), resgatou esse processo numa pesquisa realizada de 1984 a 1990. O trabalho, publicado na série Estudos Teuto-Brasileiros, da Unisinos, revela a história de 114 anos de uma escola que nasceu improvisada, mas que ganhou forma em todas as regiões de colonização alemã. A pesquisa recupera também a trajetória do professor nesta história, revelando porque, tantas vezes, esta profissão confunde-se com uma atividade sacerdotal.

PRIMEIRA – Os imigrantes alemães desembarcaram no século passado no Rio Grande do Sul com a promessa de terras para trabalhar. Ao chegar, depararam-se com a mata, terras mal demarcadas e, em sua maioria, não receberam nem uma enxada para o cultivo. As comunidades foram sendo formadas mato a dentro e, em cada uma, construída uma escola, instituição considerada indispensável para uma sólida formação cristã e preservação cultural. A primeira foi em Dois Irmãos, em 1835.

Cada comunidade escolhia uma pessoa em seu próprio meio para exercer a função de professor. Os requisitos básicos eram os conhecimentos suficientes para ensinar a ler, escrever e dominar os cálculos elementares da matemática. Mas a conduta pessoal também pesava na escolha, deveria ser exemplar: um bom cristão, sem vícios. Alfabetizados, os pequenos aprenderiam o catecismo. Manter a harmonia na sociedade que estavam construindo era tão importante que no currículo escolar havia uma disciplina específica que tratava de como conviver em grupo, da história do lugar onde moravam e da natureza.

PESQUISA – “As crianças deveriam aprender o essencial para se tornarem cidadãs e saberem viver em comunidade”, relata o professor e pesquisador Arthur Blásio Rambo. Tanto quanto verificar a construção da instituição escolar pelos imigrantes católicos alemães no Estado, a pesquisa suscita outras reflexões. No final de 1930, quando aquele modelo de escola e de educação foi encerrado pela campanha de nacionalização, funcionavam 1.140 destas escolas. Nas comunidades por elas atendidas, o analfabetismo estava praticamente erradicado, enquanto no país a taxa era superior a os 80%. “Eles costumavam apontar com o dedo a criança analfabeta. Não permitiam isso”, observa Rambo.

PROFESSOR – “Escolher alguém para ensinar seus filhos era uma questão emergencial. Pouquíssimos tinham esta formação específica”, depõe Rambo. “Tudo era improvisado e os escolhidos trabalhavam por vocação, porque para agüentar aquela vida não era fácil”. As atividades do professor extrapolavam o estar em sala de aula. “Ele era a figura central da comunidade”, assegura. “Como nem todas contavam com um padre, era ele quem desempenhava o papel de conselheiro das famílias, regente de coral, diretor de teatro, tesoureiro da Igreja, sacristão, o responsável pelo andamento comunitário do local”, explica. Nada destas atividades eram remuneradas. “Ele recebia especificamente pelo ato de ensinar”, diz o pesquisador. “Muitos não agüentavam e acabavam buscando algo mais rentável”.

A comunidade garantia para ele moradia e uma gleba de terra. “Também, recebia uma remuneração por cada aluno que ensinava. Era coisa pequena, mas se ele tinha muitos alunos, ganhava um pouco mais”, observa. Rambo chegou a estudar numa destas escolas. “Lembro que minha mãe mandava mensalmente uma cestinha de ovos para o meu professor. Era comum esse tipo de doação”, recorda.

O desempenho do professor era avaliado nos exames finais de conhecimento, com a participação da comunidade. Os pais iam para a escola e propunham problemas de matemática e testes com os alunos. Se eles se saíssem bem, ótimo. “Caso contrário, o professor recebia um puxão de orelhas. Mas, se as lacunas no aprendizado eram grandes, ele era substituído”.

PROFISSIONALIZAÇÃO – A partir de 1850 a 1900, passaram a vir da Alemanha professores com formação seminarista (correspondente ao curso Normal). Segundo a pesquisa, estes passam a dar forma definitiva à escola. Na década de 80 do século passado e início deste século, este grupo de professores, com o auxílio de padres jesuítas que começaram a chegar ao Rio Grande do Sul, desenvolveram um projeto escolar de quatro anos, com currículo único. Também, elaboraram os materiais didáticos e modelos de aula. No início do século 20, formava-se a rede de escolas comunitárias católicas alemãs no Estado. Em 1898, foi fundada a Associação dos Professores Católicos do Rio Grande do Sul. Considerada um dos marcos na história das escolas particulares católicas, esta Associação acenava para novo horizonte. “Caracterizada, até 1890 pela simplicidade, abnegação, pioneirismo e improvisação, inclusive do pessoal docente, emergia aí a escola estruturada, dotada de unidade de currículo, orientação uniforme e um professor profissionalizado”. A Associação se encarregou do gerenciamento da escola comunitária católica alemã até 1940 (quando o governo pôs fim neste sistema). Entre suas finalidades, estavam o aperfeiçoamento das escolas, a formação do docente, a promoção dos interesses materiais do professor. “O problema salarial foi discutido muitas vezes. Eles penavam. Estavam a serviço de um ideal. Talvez por isso, que se fale em professor por vocação”, observa Rambo.

Para ensinar espanhol

Professores e educadores se reuniram no campus da URI de Erechim para trocar experiências com o objetivo de qualificar o ensino do Espanhol no Brasil e o de Português nos países de fala espanhola.

Dóris Fialcoff

Qué se pasa con la enseñansa del español en el Brasil E as aulas de Língua Portuguesa nos países hispano-hablantes, como estão sendo dadas? O fato é que muito se fala em Mercosul, no que representa para a economia, nas vantagens e desvantagens estratégicas, e outras coisas do gênero. Está certo. Mas, em uma análise mais detalhada, salta aos olhos uma questão, mãe e mestra de todo o resto: a comunicação. Sim, afinal é imprescindível que as comunidades envolvidas se entendam, e muito bem, até para poderem negociar melhor.

Pensando no ensino destes idiomas, a Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões — campus de Erechim — tem viabilizado (a cada dois anos) importante espaço para troca de experiências e reflexões sobre o assunto. De 22 a 24 de julho, cerca de 1.200 educadores participaram do III SENELP – Seminário Nacional sobre o Ensino da Língua Portuguesa e II SINELE – Seminário Internacional sobre o Ensino da Língua Espanhola, naquela cidade.

Para ministrar as palestras e mesas-redondas estiveram presentes profissionais do Brasil e de países de língua espanhola, entre eles João Hilton Sayeg de Siqueira (PUC-SP), Alfredo Miguel de Pablo (Espanha), Maria Inês Lucena (PUCCAMP-SP), Wilmar da Rocha D’Angelis (Unicamp-SP), Aureliano Hernandes (PUC-RS) e Maria Soledad Gonzáles (Espanha).

O Seminário também ofereceu 41 minicursos, voltados às mais diversas áreas. Armgard Lutz (UNIJUÍ-RS), por exemplo, tratou sobre Alfabetização Contemporânea; Goy Komosinski (UFRGS) trabalhou com jogos musicais na correção de deficiências na leitura e na escrita; e a professora Elisabeth Maria Zanin (URI-Erechim) sobre a Leitura do meio ambiente.

A enorme demanda pelo espanhol no Brasil é fácil de ser medida, basta verificar a procura pelos cursos alternativos do idioma. Paulo Marçal Mescka, chefe do Departamento de Letras e Artes da URI, comenta a tendência à institucionalização do Espanhol e diz achar que com isso se estaria prestando um ótimo serviço à comunidade sul-americana. Ele informa que alguns países da Europa já incluíram nos currículos — principalmente nos de 1? grau — três línguas estrangeiras. “Aqui no Brasil nós temos uma e, muitas vezes, atendendo de forma inadequada”, julga.

Mescka revela que foi através de intercâmbios com universidades do Uruguai e Argentina, que detectou-se um problema em comum: a falta de profissionais na área — de Língua Portuguesa naqueles países, e de Espanhol no Brasil — para ensinar e atender às exigências legais nas escolas públicas.

A realidade é que o espanhol já é a segunda língua estrangeira mais falada no mundo, exceto as línguas nativas. Na Comunidade Européia, por exemplo, o espanhol está ao lado do inglês como língua oficial, e qualquer documento é apresentado nos dois idiomas. A Professora Neusa Ernst, responsável pela implantação do curso de Letras na URI – Campus Erechim, em 1996, acredita que o inglês será monopólio ainda por muito tempo, afinal é a linguagem da internet e de boa parte da esfera dos negócios. Porém, ela acrescenta que no caso do Brasil, os alunos estão muito mais próximos do espanhol do que do inglês. E, de fato, é pura Geografia. Afinal, da América Central para baixo, quais os países que não falam espanhol? “Eles têm a predominância do idioma, portanto, nós é que temos de nos adaptar para fazer os negócios”, sentencia Neusa, que também é advogada.

COMPETÊNCIA – As escolas públicas já podem oferecer o espanhol no currículo. Porém, claro, isso não é o suficiente. Aliás, é neste ponto que Mescka vê o maior problema: “existem os profissionais que falam espanhol, mas sem formação, didática, metodologia e os pressupostos teóricos para fazer um ensino de qualidade”, acredita.

Na prática, um professor de Matemática pode dar aula de História? Até pode, mas ele estará preparado o suficiente para isso? Essa é a lógica: o fato de uma pessoa falar espanhol não significa que terá condições de ensiná-lo. Neusa alerta que os parâmetros curriculares do espanhol são diferentes dos do português e, justamente pelas diferenças, ela acredita importante que se saiba da visão do hispano-hablante (Espanha, Argentina, Uruguai, etc). Se acham, por exemplo, que os parâmetros curriculares no Brasil estão de acordo com o que se necessita para ensinar a sua língua.

A professora garante que isso também acontece com eles, tanto que vários alunos da Argentina, por exemplo, estiveram no encontro. Há o interesse em traçar os parâmetros curriculares da Língua Portuguesa em seu país, através do entendimento de quem tem o Português como língua materna.

Notas 

Perdas
Segundo o MEC, o censo escolar de 97 revelou perdas de R$ 5,2 bilhões ao país em um ano. A perda corresponde a 16,3% do que a União, estados e municípios aplicam em educação e refere-se aos 9,1 milhões de alunos que foram reprovados ou abandonaram a escola básica em 96, último ano pesquisado pelo MEC. O gasto médio anual com um aluno no ensino fundamental é de R$ 584,00. No ensino médio (antigo segundo grau), R$ 612,00.

Estadual
Tramita na Assembléia Legislativa do RS projeto de lei, do deputado Beto Albuquerque, que cria a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs). A justificativa do parlamentar prevê um acréscimo de mais de 40 mil vagas gratuitas e ampliação da pesquisa científica e tecnológica.

Manual
Como formar o cidadão do futuro? Quais são as melhores e mais inovadoras aulas? A universidade deve transmitir conhecimentos como sempre fez? Estas são algumas das questões tratadas no livro Universidade Futurante – Produção de Ensino e Inovação. Edição da Papirus assinada por um grupo de professores/pesquisadores, que propõe rupturas na forma de transmissão tradicional do conhecimento, através das sugestões para o investimento certo na qualificação docente para a universidade do futuro.

Conselhos
De 17 a 18 de setembro, 4ª Plenária do Fórum Estadual de Conselhos Municipais de Educação, no auditório Dante Barone, da Assembléia Legislativa e na Escola de Ensino Supletivo Científico (Praça Parobé, 130), em Porto Alegre. Entre os painéis, A municipalização do ensino: confrontação de modelos, Alterações na legislação educacional e as competências das esferas públicas, Plano Nacional de Educação e Sistemas de Ensino, Sistemas municipais de ensino e municipalização.

Evolução geológica do RS
Estão abertas as inscrições para o primeiro módulo do curso História Natural do Rio Grande do Sul, promovido pela Fundação Gaia, uma ONG ambientalista fundada em 1987 pelo ecologista José Lutzenberger. Nos dias 12 e 13 de setembro, o professor e geólogo Henrique Fensterseinfer tratará da Evolução Geológica do estado do Rio Grande do Sul, abordando a formação e dinâmica geológica do estado, além dos aspectos de degradação e conservação ambiental. O curso tem vagas limitadas e será realizado no Rincão Gaia (sede rural da Fundação Gaia), em Pantano Grande, distante 126 quilômetros de Porto Alegre. O valor da inscrição é de R$ 80,00, incluindo os custos de alimentação e hospedagem. Inscrições e outras informações podem ser obtidas pelos telefones (051) 330.3567 e 331-3105, diretamente na sede da Fundação Gaia em Porto Alegre (Jacinto Gomes, 39, bairro Santana) ou pelo e-mail fundgaia@zaz.com.br.

Jogos, brinquedos e educação
Estão abertas as inscrições para o 2ª Encontro Estadual sobre Jogos, Brinquedos e Educação, de 23 a 24 de outubro, no Colégio Cruzeiro do Sul (Av. Arnaldo Böher, 253), em Porto Alegre. Com a participação dos países do Mercosul, o encontro objetiva refletir sobre a importância do brinquedo na formação cultural, emocional, educacional e social da criança, através de palestras e oficinas. Outras informações pelo telefone (051) 336.2877, com Elin e Djalma.

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