EDUCAÇÃO

Quais as competências para operar em ciclos de aprendizagem plurianuais?

Os defensores dos ciclos apostam que esse modo de organização da escola contribui para assegurar um melhor resultado de todos os alunos
Por Monica Gather Thurler / Publicado em 28 de agosto de 2001

Ciclos educacionais

Arte: Ricardo Machado

Arte: Ricardo Machado

O ciclo de aprendizagem é visto em geral como uma etapa da escolaridade de pelo menos dois anos escolares, idealmente de três ou quatro.

Os alunos que ingressam no ciclo o percorrem juntos, sob a responsabilidade dos mesmos professores. Os percursos de formação são individualizados, mas não há repetência nem qualquer seleção ou certificado durante o ciclo.

A avaliação é formativa; ela permite comandar as aprendizagens e os percursos de formação de modo que todos os alunos atinjam os objetivos de final de ciclo, conhecimentos e competências.

Vamos considerar aqui a hipótese mais interessante do ponto de vista da luta contra o fracasso escolar, mas também a mais exigente: ciclos longos (3-4 anos) confiados a verdadeiras equipes pedagógicas, sendo os professores co-responsáveis pelo conjunto do percurso. É então que lhes faltam novas competências.

Os desafios

À medida que se confiam os ciclos de aprendizagem a equipes pedagógicas, é importante permitir-lhes uma grande autonomia em matéria de organização do trabalho e de escolha de métodos pedagógicos.

Sua única obrigação é levar os alunos a atingirem os objetivos de final de ciclo visados. Essa autonomia, símbolo de profissionalismo, tem um custo: ela obriga os professores a responder coletivamente pela eficácia de sua ação.

Os defensores dos ciclos assim definidos apostam que esse modo de organização da escola contribui a médio ou a longo prazos para assegurar um melhor resultado de todos os alunos.

Contudo, essa evolução não é uma garantia, pois é plenamente possível que os professores participantes dessas equipes adaptem-se aos ciclos de aprendizagem como se adaptaram no passado às inúmeras renovações, respeitando as características mais formais, porém sem transformar verdadeiramente suas práticas.

As experiências de países pioneiros mostram-nos, de fato, como é fácil reduzir os ciclos a simples medidas estruturais, que consistem em prolongar a duração da aprendizagem em um ou dois, ou mesmo três anos, em fazer alguns retoques nos planos de estudos e em modernizar um pouco os métodos de avaliação para lhes dar uma aparência mais formativa.

É possível também operar como uma pseudo-equipe, cada um tratando se encontrar rapidamente “seus” alunos, seu espaço de trabalho pessoal e protegido.

É fácil apontar as razões pelas quais as inovações abortam quando não são animadas pelos atores. Mais difícil é evitar esse desvio. O mais grave seria subestimar a amplitude das mudanças.

Os ciclos de aprendizagem colocam novos desafios aos professores que aí trabalham: reinventar sua escola enquanto local de trabalho, mas também reinventar a si mesmos enquanto pessoas e membros de uma profissão.

Em face de novas condições profissionais conceituais, práticas e psicossociológicas, eles devem progressivamente construir(se) uma nova identidade, fundada no desenvolvimento de um conjunto de novas posturas e competências profissionais.

Uma das mudanças que suscita mais resistência nesse ofício individualista é não ser mais o único responsável por um grupo de alunos, como é o caso na divisão tradicional de tarefas e de responsabilidades nos estabelecimentos escolares.

Em sua maioria, os professores, instintivamente, preferem ser os responsáveis individuais por uma pequena parte do percurso de formação, um ano escolar, eventualmente em uma única disciplina. Eles temem assumir coletivamente, durante muitos anos, o acompanhamento dos alunos que lhe são confiados no quadro do ciclo e compartilhar com seus colegas de equipe a responsabilidade de empreender todos os esforços para ajudá-los a obter êxito.

Contudo, a responsabilidade coletiva não se limita a esta obrigação “de resultados” de final de percurso. Ela é exercida no cotidiano por meio do conjunto de decisões tomadas pela equipe, das ações que ela empreende, dos meios que mobiliza ao longo da duração do ciclo para oferecer a seus alunos condições de aprendizagem ótimas.

Isto será alcançado de forma mais eficaz à medida que ela for capaz de empregar e, em caso de necessidade, de construir competências que, sem ser radicalmente novas, tornem-se indispensáveis para comandar a progressão dos alunos:

– cooperar dentro de uma equipe;

– traduzir os objetivos de final de ciclo em dispositivos de aprendizagem;

– observar e gerir a progressão dos alunos;

– desenvolver uma organização do trabalho ágil e flexível;

– dosar os desafios em função das competências;

– envolver-se em uma exploração cooperativa.

Cooperar dentro de uma equipe

Os professores que trabalham nos ciclos não podem limitar-se a empregar métodos, estruturas e procedimentos impostos por instâncias externas (autoridades, formadores, etc.).

Para trabalhar em ciclos, eles deverão permanentemente pôr em questão e reinventar não apenas suas práticas pedagógicas, mas também a organização do trabalho dentro de sua escola.

Trata-se de criar dentro dos ciclos uma nova cultura que reorganize as relações de poder no sentido anglo-saxão de empowerment, isto é, uma cultura que represente a antítese da burocracia e da visão hierárquica, que afirme o valor do acordo, da participação, da abertura e da flexibilidade.

O Traduzir os objetivos de final de ciclos em dispositivos de aprendizagem

Um ciclo de aprendizagem é definido em primeiro lugar pelas aprendizagens a que visa, como uma etapa da escolaridade associada a conteúdos de ensino e a níveis de domínio das competências de base visadas pelo conjunto do curso. Nesse sentido, os ciclos têm a função que tinham antes as séries anuais: constituir marchas, progressões.

A diferença é que essas etapas são plurianuais. Seria uma lástima se, por medo da complexidade, nós as fracionássemos como etapas anuais. Com isto, nada de essencial teria mudado!

Uma concentração explícita nos objetivos de final de ciclo, uma verificação sistemática instaurada expressamente desde o início do percurso e a dilatação dos prazos de certificação são três elementos complementares que deveriam permitir dar prioridade às aprendizagens essenciais.

Nessa perspectiva, a maior parte dos sistemas escolares tratou de reescrever seus programas a fim de definir as expectativas de final de ciclo.

Se a intenção é estimular as equipes de ciclo a demonstrar flexibilidade e continuidade na organização do trabalho, bem como facilitar a construção de saberes a longo prazo, evitando uma divisão de horário muito fragmentada, a instituição deve resistir à tentação de fracionar o percurso em pequenas etapas, dissuadindo, assim, os professores de aprender a comandar percursos de formação de três ou quatro anos.

Os professores vêem-se obrigados, então, a traduzir objetivos de final de ciclo em uma sucessão de dispositivos de seqüência e de situações de aprendizagem. O planejamento plurianual cabe a ele, mesmo que o sistema educativo lhe proponha balizas, critérios e ferramentas de avaliação formativa.

O essencial é que este planejamento seja suficientemente amplo para assegurar o desenvolvimento progressivo e controlado de competências de alto nível (saber resolver problemas complexos, redigir textos de tipos diversos, comunicar em função da pessoa à qual a mensagem é destinada). Esse desenvolvimento será mais controlado quanto a progressão for constantemente analisada e der lugar a regulações.

Para garantir esse comando, os professores devem antes de mais nada desenvolver dentro da escola e, sobretudo, de sua equipe de ciclo uma visão comum dos objetivos. Com base nisso, eles decidirão as condutas didáticas e as ferramentas pedagógicas com as quais julgam poder ajudar os alunos a atingir os objetivos visados.

A experiência mostra que os alunos só aprendem desde que sejam regularmente confrontados com sequências e situações didáticas durante as quais deparam com obstáculos que os obrigam a construir novos saberes ou a reestruturar e consolidar aquisições.

Para ser capazes de desenvolver essas estratégias didáticas, os professores devem não apenas conhecer bem os objetivos de aprendizagem e os planos de estudo, como também se orientar a partir de um referencial rico e diversificado de situações-problema, que eles combinarão ou adaptarão conforme as necessidades e as circunstâncias.

Finalmente, devem dispor de um bom conhecimento dos processos pelos quais os alunos constroem seus saberes, de modo a ser capazes de oferecer-lhes o apoio necessário.

Observar e gerir a progressão dos alunos

As equipes de ciclos devem desenvolver uma visão comum, não apenas dos objetivos de aprendizagem quanto também da evolução de seus alunos e das dificuldades encontradas por eles.

Em vista disso, observarão seus alunos regular e sistematicamente e confrontarão suas observações a fim de chegar a uma compreensão de suas progressões tão completa e objetiva quanto possível.

Para poder mensurar o caminho percorrido, para serem capazes de determinar as etapas de aprendizagem seguintes e mesmo as regulações individuais ou coletivas, devem ser capazes de distinguir as etapas decisivas de progressão que permitirão aos alunos, ao concluí-las e atingir os objetivos de final de curso, bem como inventar dispositivos de aprendizagem que respondam, de um modo ou de outro, às necessidades individuais de seus alunos.

O desafio consiste em criar o equilíbrio necessário entre abordagens coletivas e condutas individualizadas, em recorrer tanto às ferramentas tradicionais que se mostraram valiosas quanto às abordagens mais insólitas que, talvez, para um determinado aluno em um determinado momento pudessem resolver um problema particular, ou ajudá-lo a dar sentido às aprendizagens e aos esforços que são exigidos dele.

Desenvolver uma organização do trabalho ágil e flexível

Os ciclos de aprendizagem somente podem funcionar se inventarem modalidades organizacionais mais ágeis e flexíveis para que os professores possam introduzir mais facilmente as diferentes medidas pedagógicas que lhe permitirão levar em conta as necessidades e os ritmos mais diversos de seus alunos.

Por outro lado, essas medidas devem ser adaptadas às realidade locais mais diversas (número de alunos por ciclo, estabilidade dos grupos, competências e disponibilidade dos professores, história da equipe, parcerias diversas, natureza do bairro, entre outras). Portanto, cabe às equipes conceber, fazer evoluir e combinar entre si uma gama de funcionamentos e de modalidades organizacionais.

Assim, algumas escolas avançarão bastante em sua concepção de uma abordagem modular, que exige maior cooperação profissional, enquanto outras preferirão ater-se a uma organização mais tradicional (agrupando em classes permanentes os alunos da mesma idade) e menos exigente no plano da organização das práticas.

Em qualquer hipótese, os novos programas estimulam a ampliação dos repertórios didáticos e pedagógicos. Alguns objetivos podem ser trabalhados no contexto habitual da classe, enquanto outros são melhor trabalhados no quadro de um projeto coletivo compacto, ou em um dispositivo que alterne momentos de trabalho individual de aprofundamento e momentos de síntese em grupos, e outros finalmente graças a “simples” exercícios no computador…

Alguns objetivos exigem uma forte cooperação entre alunos, outros somente podem ser atingidos ao final de um longo trabalho individual.

Os ciclos de aprendizagem oferecem a oportunidade de transformar a organização individual do trabalho, acrescentando-lhe dispositivos inéditos que a grade de horário tradicional e o confinamento dos professores em suas salas de aula não permitem sequer imaginar.

Eles obrigam os professores a abandonar a “ordem escolar estabelecida”, confrontando-os com a necessidade de planejar e de reinventar a organização do trabalho em função das necessidades e das prioridades não apenas dos alunos, mas também de seus colegas de equipe. Para fazer valer seu ponto de vista diante de seus colegas, o professor deve desenvolver competências de comunicação e de negociação das quais não necessitava para gerir sua classe como “único professor a bordo”.

Dosar os desafios em função das competências

As equipes que chegam a desenvolver ciclos de aprendizagem sem se desintegrar nem retomar os hábitos e as compartimentações anteriores encontraram um ponto de equilíbrio: elas chegam a se colocar desafios suficientemente ambiciosos para ser mobilizadores e, ao mesmo tempo, bastante realistas para que seja possível ir até o fim da conduta.

Existe uma forte interdependência entre o nível de exigência que os professores colocam-se, as competências profissionais que eles se dispõem a desenvolver e a dinâmica de mudança que se instaurará a partir de decisões tomadas. É importante encontrar um bom equilíbrio entre um projeto ambicioso e os recursos humanos e materiais disponíveis, para que o fluxo de energia indispensável permita assegurar um desenvolvimento duradouro.

Se o projeto é muito ambicioso em relação aos recursos, às energias e às competências disponíveis, esse descolamento produzirá temores e frustrações, os quais são fontes de conflito e de desmobilização.

Se os líderes mais ativos estabelecerem objetivos muito irrealistas, os outros membros da equipe não conseguirão identificar-se com o projeto. Eles se sentirão incompetentes ou ameaçados, sem nunca ousar dizer isso.

Tal falta de convicção engendrará uma forma de apatia em relação ao projeto e será um freio a qualquer mudança. Ao contrário, envolver-se com muita prudência em uma política “de pequenos passos” oferece o risco de não mobilizar o suficiente as competências existentes. A insatisfação se instalará e, na falta de uma verdadeira ruptura com as rotinas, todos se verão isolados.

A hipótese “ideal” é quando uma equipe consegue desenvolver um projeto cujos objetivos têm uma correspondência muito próxima com as competências dos atores e permanecem acessíveis: o equilíbrio entre as aspirações e o sentimento de domínio abre caminho à mudança. De resto, isto é o que ocorre com toda aprendizagem!

Envolver-se em uma exploração cooperativa

O fato de ter um projeto, de definir objetivos de curto, médio e longo prazos não garante necessariamente os meios para pô-los em prática. As escolas têm necessidade de um programa comum suficientemente claro e explícito para permitir-lhe envolver-se em uma ação coletiva que se desenvolverá durante vários anos.

Esse programa de trabalho assegurará a continuidade entre as ações isoladas e definirá claramente os níveis de responsabilidade, condição de uma cooperação eficaz e criativa dentro da equipe.

De fato, a experiência mostra de fato que o simples enunciado de um projeto não produz automaticamente a motivação requerida para assegurar sua aplicação.

Para querer e saber agir, é importante que os diversos atores construam juntos a respostas às seguintes questões: “Onde queremos ir? Quem vem conosco? O que desejamos realizar mais rápido, o que se pode esperar? Que meios devemos empregar? Que competências devemos desenvolver antes de nos mobilizarmos? Como podemos observar nossa progressão? Como e quando saber que atingimos nossos objetivos? Que mecanismos de acordo instaurar para decidir as regulações a serem feitas? Finalmente, o projeto visado é aceitável e aceito não apenas por aqueles que o conceberam, mas também por aqueles que se supõe colaboradores para sua aplicação (alunos, pais, autoridades escolares)?”

Uma vez respondidas essas questões, a equipe poderá estabelecer uma agenda, definir os prazos e dividir as tarefas, sabendo que será obrigada a renegociá-las ao sabor dos acontecimentos. Realmente, um planejamento rigoroso permite adotar uma atitude flexível para fazer frente aos imprevistos.

Para concluir: agir para aprender

Alguns considerarão que, por insistir na necessidade de uma elaboração coletiva e de uma apropriação pelos atores envolvidos, deixamos de lado o imobilismo e o individualismo tradicionais dos professores, estimulando uma minoria motivada a mudar e dando à maioria mil pretextos para deixar tudo como está.

Diante dessa crítica, continuamos acreditando que a mudança apenas adquire sentido para os professores a partir do momento em que juntos eles se projetam no futuro e juntos decidem qual a dose certa entre suas ambições e as competência com as quais podem contar, ou as quais podem desenvolver em tempo hábil.

Artigo cedido pela editora Artmed, originalmente publicado na revista Pátio

Monica Gather Thurler é professora de ensino e pesquisa na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Genebra, Suíça. Ela estará em Porto Alegre nos dias 17 e 18 de agosto para o Seminário Internacional As Competências para Ensinar no Século 21, na PUC/RS, com apoio do Sinpro/RS.
E-mail: monica.gather-thurler@pse.unige.ch

Comentários