No final de outubro de 2001, Stephen Stoer esteve em Porto Alegre participando como conferencista do Fórum Mundial de Educação, no eixo temático “Educação como Direito: o papel estratégico da educação pública na construção da igualdade e justiça social”. Foi nesses dias que Stoer concedeu entrevista exclusiva ao EC, falando sobre questões da sociologia da educação, o sistema educativo português, a educação como fonte de injustiça e exclusão social, as semelhanças entre o ensino português e o brasileiro.
A consolidação da escola de massas tem sido uma das lutas dos educadores no mundo todo. Para o professor Stephen Stoer, a concretização desse objetivo num país como Portugal, por exemplo, através de uma via restritamente meritocrática (ver box), corre o risco de colocar em perigo o próprio princípio sobre o qual a escola meritocrática sempre baseou a sua legitimidade moral e política: a igualdade de oportunidades educativas. “O caminho para a consolidação do princípio de igualdade de oportunidades educativas envolve, por um lado, investimento na consolidação da escola pública (investimento financeiro, profissional e social), isto é, investimento nesse modelo, e, ao mesmo tempo, em novas formas de desenvolver a educação escolar. Isso envolveria a descentralização da escola pública e o desenvolvimento de parcerias da escola com outras instituições e entidades da comunidade envolvente. Isto implica que a escola pública sempre terá de ser uma escola que promove a excelência acadêmica, ou seja, um ensino de qualidade”, observa o professor.
Mas, ao contrário do que se possa pensar, para ele, está fora de instância a possibilidade da Escola Democrática incorporar a Escola Meritocrática. “Não se trata de incorporação, mas de um processo de oscilação entre os dois pólos. Isto é, a escola pública terá que ser simultaneamente uma escola monocultural baseada na democracia representativa e tendo como preocupação principal a igualdade de oportunidades de acesso e uma escola multicultural baseada na democracia participativa e tendo como preocupação principal a igualdade de oportunidades de sucesso”.
Estudos e pesquisas, em especial na área da Sociologia da Educação, têm demonstrado que, nas últimas décadas, a educação escolar pública tem sido uma potencial fonte de injustiça social e fonte de tensão no sistema educativo. Segundo Stoer, as razões principais para essa realidade é que a escola não conseguiu resolver adequadamente a sua tendência de reproduzir a desigualdade sócioeconômica. “Basta ver as críticas feitas por sociólogos de educação durante os anos 70 e 80”, lembra ele e destaca, também, que a relação entre a escola pública e o mercado de trabalho alterou-se durante os últimos 20 anos “devido, sobretudo, à reconfiguração do mercado de trabalho que tornou esse mercado mais flexível, isto é, mais precário, mais instável, mais fluido (a flexibilidade é igual à empregabilidade)”. Assim, prossegue Steve, “a escola teve que assumir responsabilidades acrescentadas: assegurar que os seus alunos não saíssem da escola sem estarem armados perante esta nova situação”.
Uma das formas de evitar a injustiça e a tensão no sistema educativo é através de um desenvolvimento da comunidade educativa, lembra o professor. Essa comunidade, entretanto, “não pode ser reduzida aos agentes do mercado e das empresas, num sentido que possa aproveitar um profissional de ensino que é cada vez mais relocalizado e globalizado. Isto é, as alianças e as redes de cooperação e desenvolvimento integrado já não passam sobretudo pelo nível nacional, passam pelos níveis local, regional e global”, frisa. E de que forma o Estado poderia atuar nessa questão? “Por meio da defesa dos agentes educativos perante o poder empresarial e do mercado ajudando criar os espaços necessários para o desenvolvimento de tais redes e alianças. O Estado também está a reconfigurar-se no que diz respeito à cidadania, passando de uma concepção de cidadania pensada a partir daquilo que é comum (mesma língua, mesmo território, mesma religião), para uma concepção de cidadania pensada a partir das diferenças (locais, pertenças étnicas, sexuais, etc.)”.