EDUCAÇÃO

Educação infantil em discussão no CNE

Jacira Cabral da Silveira / Publicado em 17 de julho de 2002

A rápida mobilização do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB) fez o Conselho Nacional de Educação sustar, no início do mês de junho, a votação do parecer referente à solicitação da Secretaria de Educação de Guarulhos/SP que defende a idéia de aplicação de recursos da educação em programas alternativos para a criança, em parceria com a sociedade. Em quatro dias o MIEIB conseguiu mobilizar o Brasil inteiro e encheu o Conselho Nacional de telegramas e e-mails. Foi um susto. Eles não esperavam semelhante mobilização. Sensibilizado, o Conselho decidiu abrir uma discussão com especalistas.

Para Carmem Craidy, Doutora em Educação, membro do Departamento de Estudos Especializados da UFRGS e professora do curso de especialização de Educação Infantil (EI) da FACED, a proposta de Guarulhos é um retrocesso histórico de 20 a 30 anos no que se refere à EI no Brasil. Se, por um lado, “é a ressurreição da mãe crecheira dos anos 70 que foi largamente criticada”, por outro, desconsidera-se os avanços legais dos últimos anos nos quais, tanto a criança é reconhecida como um sujeito de direito, como as creches e pré-escolas são reconhecidas como instituições de ensino.

A iniciativa de Guarulhos, se aprovada, abriria um precedente legal para o reconhecimento de instituições irregulares

René Cabrales

A iniciativa de Guarulhos, se aprovada, abriria um precedente legal para o reconhecimento de
instituições irregulares

René Cabrales

E é justamente esta cultura de atendimento pobre para os pobres, como Craidy define os programas de assistência, que vem sendo exportada dos países desenvolvidos, particularmente através da influência do FMI e do Banco Mundial, para países como o Brasil. Enquanto isso, nos países desenvolvidos, nunca se falou, se produziu e desenvolveu tanto a EI, diz a professora. Isso ocorre em função do reconhecimento do desenvolvimento científico contemporâneo que mostra a importância dos primeiros anos de vida, como também em razão das necessidades da vida atual em que homem e mulher trabalham. Ou seja, enquanto em países desenvolvidos como França, Itália, para citar alguns, e, mais recentemente, Inglaterra e Estados Unidos, a escola passa a ocupar um espaço fundamental, tanto para o desenvolvimento da criança, como para a dinâmica da família e da sociedade, em países subdesenvolvidos a EI luta contra a idéia de atendimento à criança como uma questão exclusiva de cuidado e guarda.

Há doze anos Maria cuida de crianças em sua casa em um bairro afastado de Porto Alegre. Num pátio com saída direta para uma rua sem calçada, e com freqüente trânsito de caminhões, o portão tem como tranca um arame removível com pontas salientes. Pobremente, vêem-se alguns brinquedos tanto no chão do pátio como na sala de visitas com cadeiras altas e pesadas de metal, uma pilha de roupas para passar e um moisés onde uma das crianças chora.

Embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96 (LDBen) tenha estabelecido que a EI passa a integrar o sistema de ensino, sendo a primeira etapa da Educação Básica, e que as creches e pré-escolas existentes ou a serem criadas deveriam adaptar-se à nova lei até 1999, isso não ocorreu. Ainda hoje é muito difícil ter um número preciso dos espaços, autorizados ou não, adaptados ou não à LDB, tanto no Estado como no País. Segundo dados do INEP, existem hoje, no País, 92.526 estabelecimentos de EI, dos quais 67% pertencem às redes de Educação municipais. Porém, não existe qualquer levantamento referente aos espaços informais como a casa de dona Maria.

Se, por um lado, a lei procura avançar nas questões de EI, por outro, a lentidão no cumprimento da lei e a necessidade social de famílias, como as que procuram dona Maria, acabam por retardar a educação brasileira. Soraya Franke, pedagoga e responsável pelo setor de Educação Infantil do Sinpro/RS, destaca ainda como fator negativo ao desenvolvimento efetivo da EI a “fragilidade” de exigência das normatizações da Lei.

Mas, afinal de contas, a caminhada para uma lei vir a ser cumprida, além de longa, é cheia de percalços. No caso da LDBen, cabe aos Conselhos Estaduais de Educação a regulamentação e aos municípios optar ou não por ter um sistema próprio. Caso a opção seja positiva, tal município terá também que estabelecer suas normas que deverão ser cumpridas pelas escolas ligadas ao sistema municipal, nascendo nesta instância novos e variados prazos para o cumprimento das normatizações municipais.

Segundo Carmem Dotto, membro das comissões de Ensino Médio, Fundamental e Infantil do Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, o fato de o órgão só ter normatizado a LDBen em 1999, quando os estabelecimentos de ensino já deveriam estar todos adaptados à lei, não significou atraso. Segundo ela, o tempo foi usado para o estudo da lei, no final do qual o Conselho emitiu a norma 246 que regulamenta a EI e diz como todos os estabelecimentos devem se integrar aos sistemas através de pedido de autorização. Os prazos esgotaram em 31 de dezembro de 2001. Porém, o CEE ainda não dispõe de dados referentes ao número de estabelecimentos que já se adaptaram.

Quanto à formação de recursos humanos previstos na lei, é outra novela. Na avaliação de Craidy, aqui reside um grande perigo. Segundo ela, há uma tendência dos municípios de criar figuras paralelas ao professor. São pessoas sem formação que ficam com as crianças, cabendo ao professor momentos específicos aos moldes de outros níveis de ensino. Para Craidy, embora os municípios não assumam, o que os impede de adaptar-se à nova lei é a questão financeira. É muito caro para a escola manter um professor por oito horas junto com a criança. Soraya concorda com Craidy quando avalia a ação dos municípios na hora de destinar verbas à EI. Segundo ela, uma das lutas da comunidade educativa é pela criação de um fundo fundo de financiamento da educação básica em substituição ao FUNDEF que, além de centralizar recursos na esfera federal para depois distribuir minimamente a cada município, não inclui formas de financiamento para a EI. “Assim, os municípios acabam por criar soluções caseiras como forma de enfrentar a situação, ao invés da exigência efetiva dessas verbas junto ao Governo Federal”, critica Soraya.

Ao comentar o caso de Guarulhos, Soraya diz que ele evidencia um fato, mas não busca uma solução progressista, “eles procuram institucionalizar o que já existe, ou seja, as plaquinhas de rua “Cuida-se de crianças”. Para a sindicalista, só através de debates com universidades, instituições filantrópicas e associações e sindicatos será possível criar condições para efetivar o que a lei prevê. “Não é retrocedendo na história que se resolve o problema. Não podemos esquecer que estamos falando de um direito constitucional da Infância”, conclui Soraya, referindo-se o artigo 208, inciso IV da Constituição.

Notas
URI tem nova reitoria
A Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) teve seus novos dirigentes escolhidos no final de junho. Com 90,38% dos votos, foram eleitos a reitora, Mara Regina Rösler; a pró-reitora de Ensino, Cleo Joaquim Ortigara; a pró-reitora de Pesquisa, Extensão e Pós-Graduação, Lionira Giacomuzzi Komosinski; e o pró-reitor de Administração, Bruno Ademar Mentges.
Além da reitoria, foram escolhidos também os diretores gerais de campi, demais administradores e coordenadores. Participaram da eleição, 5.639 votantes, entre professores, funcionários, alunos e membros da comunidade externa. O período de mandato é de quatro anos e a posse da nova reitoria acontece no dia 31 de agosto.
Cpers elege nova diretoria
Nos dias 26 e 27 de junho, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação do RS (Cpers/Sindicato) elegeu sua nova diretoria comvitória da Chapa 1 ( Linha de Frente), encabeçada por Juçara Dutra Vieira, atual presidente da entidade, quevenceu a chapa 2, do Movimento Pó de Giz. As eleições foram movimentadas por decisões judiciais. Depois de alguns trâmites na justiça, o juiz convocado da 2ª Câmara Especial Cível do Tribunal de Justiça do Estado, Luiz Roberto Imperatore Assis Brasil, manteve a decisão de vice-diretores de escolas estaduais poderem integrar chapas da diretoria de núcleos regionais nessas eleições.

Falta de estímulo afeta 30% dos professores
Uma pesquisa apresentada no 6º Educaids, Encontro Nacional de Educadores na Prevenção da Aids, revela que cerca de 30% dos professores de escolas particulares sofrem da síndrome de “burn out”, termo em inglês que designa falta de estímulo no trabalho. Segundo especialistas, “burn out” é um sofrimento psicológico resultante do trabalho que implica relações afetivas e exaustão emocional. Valorização e estrutura de apoio ao professor são alternativas para reverter este quadro. A pesquisa foi realizada com cerca de 14 mil educadores de todo o Brasil.

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