EDUCAÇÃO

O fast food da pós-graduação

César Fraga / Publicado em 16 de setembro de 2002

Vários estados brasileiros, entre eles, Rio Grande do Sul e Santa Catarina estão sendo alvo da oferta de cursos rápidos de pós-graduação Lato Sensu. Os cursos são tão rápidos que acabam não cumprindo as exigências mínimas do CNE/MEC. Instituições provenientes do Paraná e de São Paulo têm oferecido ostensivamente, por preços nem tão baratos, porém com condições atraentes, especializações de qualidade duvidosa que podem ser cursadas em finais de semana e durante alguns dias do período de recesso escolar. O público-alvo dessas instituições é preferencialmente o professor da rede pública estadual que possui apenas licenciatura curta ou que ambiciona mudança no plano de carreira. O que não fica claro para os pretendentes a especialistas é em que condições essas especializações são ministradas, a qualidade dos cursos e a verdadeira carga horária, geralmente inferior ao que é divulgado e conseqüentemente menor do que é exigido por Lei, o que configura fraude.

 

Promotora dos cursos distribui fichas de matrícula para os cerca de 100 professores presentes à reunião realizada em Torres pelas Faculdades Integradas de Amparo

César Fraga

César Fraga

Promotora dos cursos distribui fichas de matrícula para os cerca de 100 professores presentes à reunião realizada em Torres pelas Faculdades Integradas de Amparo

Dia 24 de agosto de 2002, município de Torres. Em torno de 14 horas de uma tarde ensolarada, vários carros e vans estão estacionadas ao redor do hotel A Furninha, provenientes das mais diversas regiões do interior do Estado e, na maioria, pertencentes ou alugados por grupos de professores da rede pública estadual de ensino. O motivo: uma reunião promovida pelas Faculdades Integradas de Amparo, com sede em uma pequena cidade do interior de SP, que oferecem cursos de pós-graduação Lato Sensu, em finais de semana e no período de recesso escolar de janeiro. Trata-se de apenas mais uma das várias realizadas nos dois estados naquelas semanas. Outra está marcada para Porto Alegre no início de setembro. Mais de 100 possíveis futuros alunos ouvem atentamente a promotora dos cursos Maysa Santos Anastasiadis, responsável pela captação de novas matrículas (Maysa trabalha para as Faculdades Integradas de Amparo e para as Faculdades Integradas do Vale da Ribeira, ambas de São Paulo). Ao final do encontro, ela insiste para que as fichas de matrícula sejam preenchidas e acaba convencendo a grande maioria.

Conforme a própria Maysa, no semestre anterior, cerca de 880 pessoas realizaram os cursos somente aqui no Estado, o que representaria uma média de 1900 ao ano. Não casualmente, um número que coincide, conforme informações colhidas no setor de Recursos Humanos da SEC, com a média 1800 e 2000 pedidos de mudança do nível 3 para o 6 no quadro do plano de carreira estadual a cada período. A maioria dos pedidos provém de professores pós-graduados pelas Faculdades Integradas de Amparo, detentora de conceitos nada animadores no exame Nacional de Cursos, de 2001, colecionando conceitos C e D em Letras, Matemática e Pedagogia, justamente as áreas em que mais oferecem especializações. Outra curiosidade é que, conforme o site do MEC, esta instituição paulista não possui credenciamento para cursos fora de sua sede e divulga nas reuniões que os professores (todos doutores e mestres), em sua maioria, seriam da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ. O preço do curso é parcelado em seis vezes é de aproximadamente R$ 1.900, mais R$ 125 para pagar o certificado e R$ 250 para a realização de monografia. Monografia que também será analisada longe dos olhos dos alunos, quando o previsto é orientação presencial e apresentação da mesma com defesa pelo próprio autor.

Mas, como a SEC reconhece os cursos Lato Sensu para progressão de nível, alegando seguir orientação do MEC (alguns estados não reconhecem tais cursos para fins de plano de carreira), esses cursos acabaram se tornando os preferidos no magistério estadual . Assim, os diplomas acabam servindo principalmente para a busca de melhoria nos salários minguados dos professores. O acréscimo nos rendimentos não é muito e pode variar de acordo com cada caso, mas pode representar entre 20% e 25% sobre o básico.

A equipe de reportagem do Extra Classe esteve nesta reunião ocorrida em Torres e ouviu o detalhamento da sistemática dos cursos. Até certo ponto, nada demais, mas, com um pouco de atenção ao texto decorado pela promotora, que por vezes se falava como uma vendedora, foi possível destacar algumas coisas interessantes. Primeiro, ela é enfática em frisar que a SEC reconhece os cursos oferecidos para fins de mudança de nível no plano de carreira, o que seduz ainda mais professores que pretendem unir o útil ao agradável. Depois sugere aos presentes, pelo menos, duas situações questionáveis. A primeira é que já tragam no primeiro dia de aula seus trabalhos de conclusão ou monografia. Isso mesmo. O aluno, antes mesmo de cursar uma aula sequer, deve trazer seu trabalho de final de curso. O motivo logo é explicado: “Como vocês sabem, não teremos bibliotecas disponíveis no local, portanto seria interessante que vocês fossem adiantando esta parte para não terem dificuldades”, afirma Maysa. Logo a seguir, ela sugere o seguinte: “Bem, vocês ficarão vários dias longe das famílias, mas não devem esquecer que todos têm direito a 25% de faltas, só tomem o cuidado de combinar com os professores para não utilizarem essas faltas nos dias de avaliação”.

Os alunos, em tese, teriam de comparecer a três finais de semana em Torres para aulas de sexta a domingo (totalizando quatro turnos – uma noite, duas manhãs e uma tarde) no prédio de uma escola pública locada para tal, e, de 6 a 31 de janeiro (de segunda a sábado) na cidade Caxias do Sul em outra escola com aulas nas manhãs e tardes. As despesas de hotel e alimentação ficam por conta dos alunos. A discriminação dos dias e horários é minuciosa. Ambas as afirmações servem para camuflar duas das principais irregularidades praticadas por esses cursos. A primeira, segundo a resolução nº 01 de 03 de abril de 2001 emitida pelo MEC/CNE, estabelece as normas para o funcionamento dos cursos de pós-graduação. Conforme o artigo 10, os cursos precisam ter no mínimo 360 horas/aula. Os dias e horários divulgados na reunião, mesmo sem contar possíveis intervalos entre períodos, não perfazem 290 horas embora se afirme serem 360. Só que, na ponta do lápis, não fecha. Ainda ficariam faltando pelo menos 70 horas. Além disso, a Resolução nº 3, de 5 de outubro de 1999, que fixa as condições de validade dos certificados dos cursos presenciais de especialização, resolve que os cursos fora de sede devem evidenciar, entre outros requisitos, biblioteca especializada e material de apoio, incluindo os recursos disponíveis na área da informática e laboratórios. Nem um, nem outro.

O formato relâmpago é sedutor para a maioria dos entrevistados, pois encontram dificuldades de adequação de horários fora do período do recesso. É o exemplo da professora Leonilda Layher, do ensino médio estadual. Ela realizou especializações em Matemática e Física, lato sensu pela Faculdade Amparo em aulas intensivas ocorridas em duas etapas. “Foi a única maneira de adequar o meu tempo”, se justifica.

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