EDUCAÇÃO

A questão é: quem pagará a conta?

César Fraga / Publicado em 16 de março de 2004

O ministro Tarso Genro assumiu o Ministério da Educação por conta da reforma ministerial em janeiro. Mesmo se ambientando à nova pasta, não se fez de rogado durante sua passagem por Porto Alegre, em uma reunião com sindicalistas que contou com a presença de dirigentes do Sinpro/RS, Cpers/RS e demais entidades filiadas à CUT, poucos dias depois de ser nomeado ministro. No encontro, assumiu posições polêmicas sobre diversas questões que ganharam espaço na grande imprensa nos dias que se seguiram sobre temas que envolvem o projeto de Educação para o país. Mas o ministro, muito embora demonstre um plano de intenções, ainda não deixa claro como será financiado o projeto do MEC.

Um dos pontos defendidos pelo ministro da Educação Tarso Genro é justamente a defesa de vagas públicas em universidades privadas, embora se apresse em afirmar também que a privatização “não é o caminho” para corrigir as diferenças e as distorções geradas pelo sistema de acesso ao Educação Superior no Brasil, que historicamente privilegia as classes mais abastadas, principalmente nas universidades federais. Um dado, por sinal contestado pelo ministro, mas defendido pelo Ministério da Fazenda – divulgado no final do ano passado -, confirma que 46% dos recursos do governo com Educação Superior beneficiariam os 10% mais ricos (os dados foram fornecidos pelo Banco Mundial). Na outra ponta estão as universidades privadas que são responsáveis por 75% das vagas do total da educação superior brasileira, e têm, conforme o próprio ministro, 37% de suas vagas ociosas. Outro ponto polêmico diz respeito à expansão desenfreada de faculdades e de universidades “caça-níqueis”, para ficar no jargão do próprio ministro. Segundo ele, é preciso moralizar o setor privado e estudar medidas para que a Educação não sofra um processo de deterioração ainda maior do que já vem sofrendo. O desafio do ministro é grande e deixa entreler em seu discurso, que se iniciou ousado nos primeiros dias no cargo e tornou-se mais cauteloso nas semanas seguintes, que é a questão da qualidade, que não pode ser subjugada pela questão da quantidade. Para se ter idéia, conforme dados do próprio MEC, o número de instituições particulares de ensino superior cresceu mais de 100% entre 1980 e 2002. De 682 estabelecimentos, o número saltou para 1.442, sendo que a maior parte das novas ofertas de ensino surgiu entre 1998 e 2002 (678 novas instituições em apenas 4 anos).

Porém uma coisa é clara, são as cifras que vão definir a viabilidade de qualquer política para o setor, e o novo ministro sabe disso. Ele tem consciência de que o governo anterior priorizou a quantidade, deixando uma parca regulamentação que permitiu o surgimento de um grande número de instituições de Educação Superior com base nos poucos critérios e na ingerência do MEC sobre o assunto. O resultado foi a entrada no mercado de muitas instituições de viés puramente empresarial, oferecendo serviço de “baixa qualidade”. Ele inclui no bolo, além das chamadas universidades “caça-níqueis”, muitas instituições que se dizem filantrópicas e comunitárias, mas que, na verdade, são empresas disfarçadas.

O ministro Tarso Genro também introduz um termo novo para definir as universidades privadas, seriam as “não-públicas”, pois possuem diferenças entre si, argumenta . Segundo ele não há razão para ser contrário a estudantes de famílias de baixa renda estudarem sem pagar nada em universidades privadas. Tanto a cobrança e a privatização de vagas públicas como a negativa em utilizar infra-estrutura disponível “não-pública”, em sua opinião, significam um brutal contra-senso e elitismo. Fala também em desoneração fiscal para que os estabelecimentos venham a ser conveniados com o MEC no Programa Universidade Para Todos (http://www.mec.gov.br/acs/banner/superior_arquivos/frame.htm), que pretende dar conta do assunto. Outro ponto que o ministro faz questão de salientar é que a “publicização” de vagas não deve ser confundida com a reforma universitária; mas como uma medida imediata de interesse público. Um de seus argumentos surge em forma de pergunta que ele tem manifestado em suas falas: “Os produtos da cesta básica têm alíquotas diferenciadas para baratéa-los. Será que a Educação Superior não merece ser atendida também como produto de tratamento fiscal especial?”, instigando e dando uma pista sobre pelo menos uma das fontes de financiamento do seu projeto, mas que depende da concordância de ministros de outras pastas, como Planejamento e Fazenda. O impacto imediato do projeto Universidade para Todos prevê um impacto inicial de 100 a 150 mil vagas, podendo atingir 1 milhão em 5 anos, conforme estimativas apontadas no site do MEC. Atualmente, menos de 20% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos têm acesso à universidade Confira a seguir entrevista exclusiva concedida pelo ministro ao EC.

Extra Classe – No bojo das ações do MEC e da reforma universitária, existe alguma previsão de criação de mecanismos e critérios para frear a criação das universidades e instituições caça-níqueis? Como o senhor mesmo menciona, elas acabam deteriorando a qualidade do ensino como um todo. Existe a intenção efetiva de seu ministério na criação de uma política para regular o mercado da educação?
Tarso Genro
– Sim, isso vai ser uma política importante, não só relacionada à reforma, mas também às ações do governo. Nós vamos, em breve, entre 30 e 60 dias, com um trabalho do governo, independentemente de reforma da universidade, definir uma posição em relação a essas universidades caça-níqueis. Não devemos confundir essas universidades privadas com universidades que prestam grandes serviços para a comunidade, como, por exemplo, a Unisinos e a PUC, aqui no RS, que são excelentes universidades. A idéia central do governo é aproximar o máximo possível as classes populares do ingresso à universidade pública, classificar o ensino, não degradar a universidade para que ela fique ao alcance do povo. Queremos elevar os níveis cultural e social da população para que ela tenha acesso a uma universidade de qualidade e pública, o que não significa não reconhecer a importância nem das universidades privadas e nem das comunitárias, assim como não significa uma política contra elas.

Extra Classe – Na última década, os critérios para a abertura de novas universidades e instituições de ensino foram mínimos. Como o senhor avalia isso? Dentro dessa perspectiva do governo dessas reformas que o seu ministério pretende implementar, cabe também a absorção das classes populares pela universidade privada por meio de alguma política que possa vir a ser criada?
Tarso Genro
– Pode ocorrer isso, sim, como política de inclusão social, de inclusão de camadas populares na órbita de ensino superior. Pretendemos usar as vagas ociosas das universidades não-públicas para dar acesso gratuito aos estudantes de baixa renda a um ensino superior de qualidade. Mas é preciso salientar que a União não se sentirá obrigada a firmar convênios para abertura de vagas, só o fará com instituições de qualidade comprovada. Agora, a questão fundamental que está na base das duas perguntas é o seguinte: como é que se refinancia, não só o sistema público, mas todo o sistema de ensino superior de todo o Brasil? Intenções, propostas, objetivos nós já temos de forma muito clara. Esse acordo existe; todo o problema que se coloca para nós agora é como combinar esse acúmulo conceitual enorme sobre a universidade pública, sobre a reforma universitária com financiamento disso? Sem isso, toda a proposta se torna apenas um rolo de intenções e não, em verdade, num programa de trabalho.

Extra Classe – Com relação a desenvolvimento econômico e Educação Superior, como o governo pensa essa questão, como pretende adequar investimentos e qual o papel da parceria público/privado no setor? Por um lado, há pouca oferta de vagas no ensino público e, de outro, um número grande de vagas ociosas na rede privada. Como melhorar o acesso das camadas menos favorecidas à universidade?
Tarso Genro
– O ideal é que façamos uma reforma da universidade em que, lá no início do processo as pessoas possam escolher entre a universidade pública e a privada, e não como como ocorre hoje: em que as pessoas se vêem obrigadas a ingressarem nas privadas. Não devemos trabalhar isso como está sendo feito por determinados setores. Há os que dizem: na universidade pública estão as classes média e média-superior. Isso é um fundamento da privatização do ensino público e não podemos aceitá-lo. Não podemos olhar para universidade pública com um preconceito classista. O acesso a ela é resultado das deformações sociais causadas pela estrutura de classes em que vivemos e que obviamente reflete na universidade. O que devemos fazer é criar condições para que todas as pessoas possam chegar à universidade pública ou privada. O que ocorre é justamente o contrário: as classes populares são deslocadas para a universidade privada, muitas delas de baixa qualidade, feitas justamente para aproveitar esse mercado disponível e que, além de oferecer um serviço desqualificado, vão para a periferia para colher tostões das classes trabalhadoras que podem pagar pouco. Por outro lado, como já disse, há universidades privadas com excelência de qualidade e vagas ociosas.

Filantrópicas querem regras claras
Representantes das universidades privadas gaúchas já se manifestaram isoladamente sobre o programa Universidade para Todos, mas ainda não têm consenso sobre o assunto, embora todos concordem num ponto: ter um maior detalhamento do programa. Mas uma coisa é certa: como a maioria das universidades gaúchas é filantrópica, já são beneficiadas pela isenção fiscal. Portanto, a principal reivindicação do setor passa pela definição de regras diferenciadas para instituições de caráter filantrópico que absorvem quase 80% dos 285 mil universitários gaúchos.

Reitores e pró-reitores alegam já possuir o abatimento nos impostos e necessitariam de outro tipo de incentivo para compensar a destinação de 25% de suas vagas para alunos que inicialmente, conforme anúncio do MEC, seriam pobres, com deficiência, oriundos de seleção de cota racial, e, posteriormente, o próprio ministério mudaria o foco para professores e alunos da rede pública. Instituições como a PUCRS e Unisinos, por exemplo, não poderiam ingressar no programa, pois possuem apenas 10% de vagas ociosas. “Todo e qualquer projeto para reduzir a exclusão de alunos no ensino superior é bem-vindo, mas ainda não temos um detalhamento do programa que nos permita uma avaliação mais profunda. Em princípio, já cumprimos com todas as exigências referentes à filantropia, beneficiando 12 mil alunos com algum tipo de gratuidade e projetos com a comunidade. Para aderir ao programa, é preciso saber o que o MEC nos oferece de contrapartida, além das que já temos e como podemos contribuir além do que já fazemos. A compra de vagas seria uma saída”, sintetiza o pró-reitor acadêmico da Unisinos, Pedro Gilberto Gomes. Já o pró-reitor de Pesquisa e Graduação da PUCRS se diz disposto a colaborar; embora considere a causa oportuna, acha a proposta do MEC um tanto vaga. “Espero que a partir de março o debate esmiuce melhor de que forma as instituições e o governo possam interagir para reduzir a exclusão de alunos”. Para ele, é fundamental que em um país com uma história de universidade, como o Brasil, com menos de um século, se tenha um projeto nacional de educação para todos os níveis. “A base do problema ao acesso também passa pela formação precária dos alunos na rede pública nos níveis fundamental e médio”, argumenta.

A reitora da URI, Mara Regina Rösler, que também é vice-presidente do Comung, acrescenta que, além de maior detalhamento, é preciso criar regras específicas paras as comunitárias, que já prestam um serviço público não-estatal de forma distinta das demais instituições de capital privado. “A adesão interessa a todos, mas precisamos entender melhor o projeto e esperamos poder participar da construção da proposta”, enfatiza. O Comung, após extrair uma posição conjunta de todos os reitores em reunião no dia 2 de março, encaminhará seu posicionamento ao MEC para tentar uma interlocução direta com o ministro.

DEBATE
O Sinpro/RS e o acesso à Educação Superior

Sobre a questão da ampliação de acesso à Educação Superior, a direção do Sinpro/RS resgata o debate ocorrido no VII Congresso Estadual dos Professores do Ensino Privado do RS (Cepep), ocorrido em outubro passado, em que foi aprovado pela categoria uma resolução que trata justamente da questão da ampliação de acesso à educação no Brasil, mencionada acima pelo ministro da Educação. No texto que pode ser lido na íntegra em http://www.sinpro-rs.org.br/cepep/index.asp, os professores e o Sinpro/RS defendem que o problema só pode ser resolvido com a efetiva presença do Estado. No documento, a Educação Superior, mais do que um serviço, deve ser considerada elemento estratégico para o desenvolvimento social e para a construção de um projeto social. Na ocasião, o Sinpro/RS também aprovou em Assembléia Geral a abertura do debate sobre o tema junto à categoria e suas entidades representativas (federação e confederação) sobre o financiamento público aos estudantes, de pesquisa e cursos de extensão para além do setor estatal.

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