EDUCAÇÃO

EaD cresce com pouco controle de qualidade

Por Stela Rosa / Publicado em 14 de dezembro de 2007

O mercado da Educação a distância no Brasil vive momentos de glória. Em três anos, o número de alunos cresceu em 150% e o de novas de instituições, 30%. De 2004 a 2006, o total de matrículas saltou de 309.957 para 778.458, e o de novas escolas, de 166 para 225, de acordo Anuário Brasileiro Estatístico de Educação a Distância (Abraed) de 2007, elaborado pela Associação Brasileira de Educação a Distância (ABED). Porém, a mesma glória não se pode garantir aos alunos que optam por essa modalidade nem aos profissionais que atuam no setor. Sem fiscalização e com regulamentação frágil, a qualidade do ensino e as condições de trabalho ficam à margem das estatísticas de um segmento mercadologicamente promissor para empresários nem sempre comprometidos com a qualidade da Educação. Obviamente, que nesse cenário há boas instituições, que acabam prejudicadas com a precariedade de controle. Na prática, o que vale é a velha concepção do laissez-faire, defendida pelo economista Adam Smith, ou seja, o mercado se auto-regula. Apesar de recentemente o próprio ministro Fernando Haddad ter parafraseado uma campanha da Confederação de Trabalhadores em Educação (Contee) ao bradar em público “ Educação não é mercadoria”.

Os Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a Distância, lançados, em agosto último, pela Secretaria da Educação a Distância (SEED), do Ministério da Educação (MEC), exemplifica o cenário de frouxidão na legislação brasileira para o setor. De acordo com informações publicadas no próprio site do MEC (http://portal.mec.gov.br/seed), o documento propõe ser “um referencial norteador para subsidiar atos legais do poder público no que se referem aos processos específicos de regulação, supervisão e avaliação da modalidade citada”. Se a intenção é boa, ele deixa brechas que podem interferir diretamente na qualidade, como a falta de exigência da presença de docente nas diversas etapas do processo de aprendizagem dos alunos. Para fazer o acompanhamento nos pólos, o documento aponta apenas para a necessidade de ter tutores – presenciais ou a distância – mas não explicita a obrigatoriedade de formação docente. No entanto, o papel que esses profissionais desenvolvem é estratégico para garantir a qualidade. Entre as atribuições pontuadas, estão o esclarecimento das dúvidas dos estudantes, participação na seleção do material didático e no processo de avaliação. Uma das únicas exigências pinceladas, de forma ampla, é o desenvolvimento de planos de capacitação do corpo de tutores, sem, no entanto, especificar de que forma e com que freqüência isso deve ser feito.

Carlos Eduardo Bielschowsky, secretário da SEED, pontua que o documento é importante para apontar diretrizes de padrão de qualidade. “Ele foi discutido por diversos pedagogos e tem uma representação ampla. No que diz respeito ao quadro de docentes, ele acredita que os referenciais, juntamente com a avaliação da Educação Superior que vem sendo feito através Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes), vão garantir que o corpo docente seja qualificado. No entanto, sabese que esse processo de avaliação vem se arrastando. Iniciado em 2004, ainda não conseguiu concluir sequer a primeira etapa, que é a visita às instituições. No caso da EaD, a situação é ainda mais complexa, porque há muita dificuldade de avaliar os pólos, que estão espalhados pelo Brasil inteiro e abrem e fecham rapidamente.

Gaudêncio Frigotto, professor da faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, critica a forma com a Educação a distância está sendo integrada nas políticas públicas e regulamentada para a iniciativa. “Caímos no fetiche de que tecnologia pode resolver todos os problemas da demanda reprimida, é como se para isso só precisássemos apertar um botão. Esse processo está sendo mediado sem a mínima garantia de qualidade”, avalia. Ele ressalta que a presença de docentes é fundamental para garantir uma formação de fato, não só apresentar melhores índices educacionais do país. “Ter professores qualificados é um pré-requisito indispensável. Não podemos pensar que somente a tecnologia pode resolver questões como convivência, integração, dúvidas e debates inerentes ao processo de aprendizagem”, pontua. Segundo Frigotto, a EaD hoje é preconizada por organizações internacionais como uma via importante de crescimento do mercado educacional, onde o que vale é vender a mercadoria, de boa ou má qualidade”. Indicada pela Organização Mundial do Comércio (OMC) como o grande filão da Educação, no Brasil, ele representa o filé mignon do setor, mas está sendo colocado na mão do mercado, com pouca vivência na questão da regulação”, ressalta.

Setor marca presença em todos os níveis educacionais

E não é só no Ensino Superior que a Educação a distância conquista a cada ano uma fatia maior do mercado. Na Educação Básica e nos cursos técnicos, o número de alunos inscritos em instituições autorizadas pelos Conselhos Estaduais de Educação apresentou crescimento de 30% . Em 2006, o total de matrículas era 202.749 contra 150.571 em 2004. Na educação de jovens e adultos e ciclo básico, são ofertados 99 cursos, e nos técnicos, 66. Porém, esse número pode ser ainda maior devido à explosão que tem ocorrido no número de convênios, outro fenômeno registrado no processo de ocupação do mercado.

De 2004 a 2006, os acordos firmados pelas instituições de ensino para ministrar seus cursos, nas suas mais variadas formas, cresceu 264%. Tal possibilidade de expansão torna ainda mais difícil fiscalizar a qualidade da oferta. No Rio Grande do Sul, o Conselho Estadual de Educação (CEED) autorizou o funcionamento de 20 escolas, que através de parcerias se instalam em diversos municípios do estado. Matéria publicada no Extra Classe em 2004 comprova a dificuldade de fiscalizar a situação e a liberdade com que as instituições podem atuar, como era o caso da Rede Cipel que funcionava através de franquia, inclusive sem a autorização do CEED. Leia: Escola atende alunos do Ensino Fundamental sem autorização http://www.sinprors.org.br/extraclasse/out04/educacao2.asp.

Vitalina Gonçalves, membro da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e presidente do Sindicato dos Professores Municipais de Gravataí, denuncia que, principalmente, no que diz respeito à educação de jovens e adultos de nível médio a oferta vem se transformando em um grande mercado de venda de certificados. “Nos municípios, onde não chega nenhum tipo de fiscalização, essa realidade está dada. Como o mercado de trabalho impõe a necessidade do candidato ter pelo menos o Ensino Médio, as pessoas vão concluir o curso somente para receber certificado”, lamenta.

Região Sul contabiliza o maior crescimento do país

De acordo com o relatório da Associação Brasileira da Educação a Distância, o Sul do país assumiu o primeiro lugar no ranking entre as regiões que mais concentram alunos de EaD. Para se ter uma idéia, em 2006, do total de 778.458 estudantes matriculados, 258.623 estavam concentrados na região Sul, o Rio Grande do Sul, o índice de crescimento é estrondoso. O número de matrículas pulou de 2.618 em 2004 para 60.642 em 2006. Cecília Farias, diretora do Sinpro-RS, avalia que o risco de aumentar apenas formalmente os índices de escolaridade é enorme, já que a grande maioria de matrículas são em instituições privadas totalmente desconhecidas, que se instalam em precárias condições de infra-estrutura e sem os recursos humanos necessários. “O Brasil vai aumentar o número de graduados, mas isso não significa que essas pessoas, de fato, sentirão um diferencial em suas vidas, tampouco terão mais chances de conseguir melhores empregos. Os empregadores exigem, além do diploma, competências que cursos a distância desqualificados não conseguem oferecer. O mais lamentável é a frustração de grande parte dos alunos que procura essa modalidade, são trabalhadores que pagam mensalidades com muito sacrifício na expectativa de ascensão social”, ressalta.

Nos últimos anos, o Sinpro-RS vem realizando várias ações para alertar a sociedade e o governo sobre a seriedade dessa situação no que diz respeito à qualidade do ensino ofertado por essas instituições que estão se espalhando rapidamente no país. Em 2006, junto com outras entidades do Rio Grande do Sul, a direção do sindicato participou da elaboração e entrega do Manifesto em Defesa da Qualidade da Educação no RS, para o ministro da Educação, Fernando Haddad, no final de dezembro de 2006. Além do pedido de maior fiscalização nas instituições, o documento solicitou critérios legais mais firmes para a abertura dos pólos, o que foi conteúdo da Portaria Nº 2, de 10 de janeiro de 2007.

SEMINÁRIO – O processo de contração dos professores que atuam nessa modalidade é outra questão que vem sendo debatida pelo Sindicato. No próximo dia 8 de dezembro, o Sinpro/RS promove um Seminário sobre Educação a Distância. Além de debater sobre a explosão da oferta, avaliação e expectativas, os direito dos docentes também estarão na pauta. As propostas elencadas no encontro serão integradas à pauta de negociação de 2008 entre Sinpro/Sinepe. Mais detalhes sobre o evento na
página 16 desta edição.

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