EDUCAÇÃO

Entre São Francisco e o capitalismo

Da Redação / Publicado em 26 de março de 2008

No município de Getúlio Vargas, a venda da escola franciscana Santa Clara para o Instituto de Desenvolvimento Educacional do Alto Uruguai (Ideau) tem provocado polêmica desde o final do ano passado. Os alunos da Escola já iniciaram o semestre sob forte clima de mudanças, com a migração do estilo educacional franciscano para o empresarial. Um movimento de pais tentou questionar a venda, sem êxito, gerou grande debate no município, envolvendo Câmara de Vereadores, Prefeitura, Imprensa e até o Ministério Público.

A faculdade Ideau pretende instalar no local um centro tecnológico, consolidando assim o monopólio de ensino no município. Como resultado dessas manifestações, as freiras franciscanas, – que junto com comunidade ergueram e mantiveram a escola durante 85 anos – passaram de proprietárias a inquilinas, por conta de um contrato que permite que elas utilizem ainda algumas salas para o Ensino Fundamental durante mais seis anos. O Ensino Médio noturno Frei Galvão, que também funcionava no prédio e pertencia a outro grupo privado (Cobra) também foi negociado.

“Não sei se vamos muito longe. Duvido que fiquemos aqui todo esse tempo. A filosofia dos novos donos é muito diferente da nossa. É totalmente empresarial e a nossa cristã, mais humana. Vivíamos como uma grande família e tudo era resolvido em uma atmosfera de diálogo. Agora o clima é bastante tenso pela maneira que as coisas são tratadas, de forma impositiva, principalmente com os professores. Além disso, há outras coisas que não posso comentar”, desabafa a irmã Maria Anna Dalmagro, que dirigiu o Santa Clara nos últimos 26 anos. “O sentimento do povo é correto. Os pais se sentem enganados com razão”, diz. (Nota do Editor: Segundo fontes que não quiseram se identificar, com medo de represálias, no ano passado houve um movimento na cidade motivando os pais a não matricularem seus filhos na escola franciscana). “Havia a intenção da Ideau de comprar, e nós de vender. A escola não tinha mais como sobreviver. É só o que podemos dizer. Prefiro não falar mais sobre esse assunto”, diz a irmã Estelita Tonial, madre provincial, que dirige Associação Educacional e Caritativa (Assec), a mantenedora, com sede em Passo Fundo.

“Agora não tem mais jeito. Esperamos que os novos gestores ofereçam educação de qualidade para nossos filhos”, argumenta Eusébio José Rodigheiro, presidente do CPM, que também se preocupa com a questão do monopólio e com a alta rotatividade de professores na Ideau, segundo ele, devido aos baixos salários*. O presidente da CPM queixa-se também que nesse estilo empresarial os espaços para a comunidade participar da vida da escola diminuíram. O ensino médio noturno Frei Galvão, que também funcionava no prédio e pertencia a outro grupo privado (Cobra) também foi negociado.

(*Nota do editor: No dia 5 de agosto de 2008, em contato posterior à publicação desta matéria, o ex-presidente da CPM da escola, Eusébio José Rodigheiro, solicitou uma retificação às informações prestadas à nossa reportagem. Ele afirma não ter conhecimento sobre a rotatividade de professores assim como sobre a questão salarial dos mesmos.)

Já Flávio Barros, o empresário à frente da Faculdade Ideau, garante que os princípios franciscanos serão mantidos e que já está investindo em melhorias tanto na parte pedagógica como física. “Mantivemos praticamente todo o quadro docente, exceto direção e coordenação, mas poderá haver mudanças”, adianta. “Nosso objetivo é ampliar a oferta de ensino em todos os níveis, com isso as vagas para professores devem crescer. Também queremos dar alternativa aos alunos que viajam para os outros municípios para que possam freqüentar as aulas em sua própria cidade, sem deslocamento”.

Para Alcione Roani, da direção do Sinpro/RS, existe a preocupação de que os direitos dos professores sejam respeitados, mesmo havendo demissões e o desejo de que não diminuam os postos de trabalho. “Existe uma certa angústia dos docentes a respeito de possíveis demissões por ser este um período do ano muito complicado para voltar ao mercado”, argumenta.

PLURALIDADE – “O Sindicato tem acompanhado a dinâmica do setor privado de ensino e tem chamado a atenção da sociedade sobre a alteração do perfil de um grande número de instituições: as escolas confessionais têm dado lugar às de cunho empresarial. O problema é que nessa mudança, muitas vezes, saem perdendo os professores, uma vez que passam a ser considerados dentro de uma lógica mercadológica. Outro fato a ser destacado é a apropriação de escolas de diferentes mantenedoras por grupos empresariais, restringindo a pluralidade de concepções educacionais tão necessária em uma sociedade democrática”, pondera Cecília Farias, diretora do Sinpro/RS.

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