EDUCAÇÃO

Ex-vice-reitor da Ulbra administra camelódromo

Empresa gestora do CPC tinha sede na Universidade e é alvo de denúncia dos camelôs no Ministério Público
Por Naira Hofmeister / Publicado em 24 de março de 2010
Leandro Becker (D), ex-vice-reitor da Ulbra, durante depoimento na Justiça Federal

Foto: René Cabrales

Leandro Becker (D), ex-vice-reitor da Ulbra, durante depoimento na Justiça Federal

Foto: René Cabrales

Leandro Becker, ex-vice-reitor da Ulbra, dá expediente em Porto Alegre nos escritórios da Verdicon, empresa responsável pela construção do Centro Popular de Compras (CPC) e que hoje administra o empreendimento conhecido popularmente como Camelódromo. Durante oito anos, a empresa funcionou no campus Canoas da Universidade, período em que multiplicou seu capital em mais de 20 vezes.

Em fevereiro de 2010 completou-se o primeiro ano de operações do CPC sem que as polêmicas em torno do negócio cessassem. Depois de ter sido alvo de investigação do Ministério Público (MP) por construir um estacionamento sem autorização do município – hoje administrado pela EPTC –, na última semana de fevereiro os camelôs ingressaram com uma nova ação no MP. Desta vez eles tentam barrar a iniciativa dos administradores de despejar os inadimplentes, condição de mais da metade dos comerciantes do local, segundo lideranças dos lojistas.

“Eles não pensam no espaço e na maneira de ganharmos dinheiro. Não se preocupam com a nossa condição, apenas com a deles”, lamenta Juliano Fripp, representante dos ambulantes do CPC. Por “eles”, Fripp se refere às pessoas que ligam a empresa Verdicon à Ulbra – relação que o líder dos camelôs descobriu em setembro de 2009 e que também chamou a atenção do juiz federal Guilherme Pinho Machado em outubro do ano passado, durante os depoimentos dos ex-gestores da Universidade e responsáveis pela dívida de R$ 3,5 bilhões da Ulbra, cobrada através das execuções fiscais em andamento na Vara Federal de Canoas.

Na ocasião, o juiz questionou o interesse do Centro de Desenvolvimento Tecnológico (CDT) na construção do empreendimento – a empresa vinculada à Ulbra retirou o edital de licitação. O ex-reitor, Ruben Becker, afirmou não ter conhecimento da participação.

“O senhor também não sabe se o atual administrador do Camelódromo tem qualquer relação com a Ulbra?”, prosseguiu o juiz.

“Não, não”, limitou-se a responder Becker, logo interrompido pelo seu advogado. Quem dá entrevistas à imprensa e representa o CPC é o administrador Noedi Casagrande, irmão do ex-consultor financeiro da Ulbra, Nelson Casagrande – a quem o “corretor” Paulo Reis, um dos investigados pela PF na Operação Kollektor, atribui sua ligação com a Universidade.

Acionado por Nelson Casagrande, Paulo Reis pedia empréstimos em bancos paulistas em nome da Ulbra e usava as empresas New Time, Brasil Sul e Correa e Camargo para cobrar comissão. “Noedi está aqui há tempo, ele era gerente da obra”, confirma o camelô Juliano Fripp.

Outra pessoa chave do CPC é o filho do ex-reitor e seu vice na administração da Ulbra, Leandro Becker, que também dá expediente no terceiro andar do empreendimento. É lá que atualmente fica o escritório da Verdicon, vencedora da licitação em 2007 que deu inicio à construção do Camelódromo. Leandro é responsável judicialmente pela dívida da Universidade e investigado pela PF na Operação Kollektor.

Talvez por isso mantenha a discrição, ainda que ocupe o estratégico cargo de gerente-administrativo da Verdi. “É uma figura muito importante, todas as decisões passam por ele”, revela o líder dos camelôs, Juliano Fripp.

Admitido em agosto de 2009, três meses depois de sair da Ulbra, Leandro deixou de ser assíduo ao trabalho a partir de dezembro. Depois que confirmou sua atividade à reportagem do jornal Extra Classe, em dezembro. “Trabalho aqui há quatro meses, com carteira assinada”, afirma Leandro Becker que parece ter tirado longas férias. Seu contrato é regido pela CLT: trabalha 44 horas semanais, com salário bruto de R$ 5 mil.

Em janeiro voltou a ser visto no local, esporadicamente. Ele continuava utilizando o Polo preto (placas IPU 4698) que dirigia quando o abordamos: o carro está no nome de um dos filhos gêmeos, Giovani Giacomazi Becker, e não consta na lista dos bens da terceira geração de Ruben Becker bloqueados pela Justiça Federal. “A Ulbra não tem nada a ver com o Camelódromo nem com a Verdicon”, defende-se.

Empresa multiplicou seu patrimônio dentro da Ulbra

Criada em 21 de junho de 2000, a Verdicon é uma empresa familiar cujos únicos sócios eram o casal Cleusa e Vilmor Verdi, naturais de Erechim. Quando foi criada, seu capital social era de R$ 150 mil. Nove anos depois, quando alterou seu contrato social, trocando o endereço da sede de dentro da Ulbra para o Camelódromo, a empresa possuía um patrimônio de R$ 3,5 milhões. Transformou-se em uma sociedade anônima e ganhou um diretor-presidente, Volnei Roberto Oliveira.

Para a Universidade, a construtora ergueu os prédios dos cursos de Esporte e Odontologia, o edifício-garagem, uma estação de tratamento e dois anéis de arquibancada para o estádio, além de colaborar como patrocinadora do extinto Sport Club Ulbra por um ano. Menos de um ano depois de criada, a Verdicon instalou uma central de produção na Ulbra que com o tempo se transformou no seu endereço mais importante. Primeiro, um contrato de comodato de um terreno de 20 mil m² na rua Miguel Tostes (hoje avenida Farroupilha), em Canoas, “entre a Rede de Alta Tensão e a entrada do estacionamento nº 2”, propriedade da Universidade.

Três anos depois, o instrumento foi substituído por um de locação da mesma área, acrescida de 23 mil m². O pagamento pelo aluguel seria feito através da construção de um galpão e melhorias na infraestrutura do local. Nesse período, as pesquisas tecnológicas e a produção de um tipo especial de concreto levaram à alteração definitiva do endereço da empresa para dentro do campus. A alteração do contrato social aconteceu em setembro de 2008 por um ofício encaminhado à Junta Comercial.

O documento foi redigido em um papel timbrado da Merconsult Consultoria Empresarial, a empresa dos ex-contadores investigados pela Polícia Federal e responsáveis juridicamente pela dívida da Ulbra, Aérnio Dilkin Penteado, Aérnio Dilkin Penteado Junior e Graziela Gracolli de Lima Maria, que assina o ofício como advogada.

Documentação está confusa

Um dos principais serviços prestados pela Verdicon à Ulbra foi a construção do prédio da Odontologia, selada em um contrato de agosto de 2001. O documento está em total desacordo com as notas fiscais emitidas pela Verdi e com a declaração fornecida pela Ulbra à prefeitura de Porto Alegre confirmando a construção do imóvel.

O contrato estabelece dezembro de 2001 como prazo para a conclusão da obra. Mas os laudos em papel timbrado da Ulbra assinados pelo engenheiro Daison Roberto Lisboa Silveira, chefe da Divisão de Engenharia e Arquitetura da Universidade, apontam que o prédio da Odontologia foi construído entre junho e outubro de 2003, quase simultaneamente ao prédio 55, chamado “Prédio de Esportes”. Em entrevista ao Extra Classe, Daison confunde ainda mais as datas afirmando que “o prédio da Odonto foi construído muito tempo depois do 55”.

Já o pagamento dos R$ 2.011.257,00 previstos em contrato, deveria ser feito até maio de 2002, segundo acordaram as partes, mas as notas fiscais demonstram que a maioria dos pagamentos (R$ 850 mil) foi realizada entre agosto e dezembro de 2003. E passados quatro anos da data de assinatura, a Verdicon emitiu duas notas fiscais – que somam R$ 685 mil – em referência a um reajustamento do valor da obra.

Juliano Fripp, líder dos camelôs: todas as decisões no CPC passam por Leandro Becker

Foto: Thais Brandão

Juliano Fripp, líder dos camelôs: todas as decisões no CPC passam por Leandro Becker

Foto: Thais Brandão

Contabilidade aponta adiantamentos diários de R$ 50 mil

A partir de 2002 o sistema informatizado de contabilidade da Ulbra aponta adiantamentos frequentes destinados à Verdicon. Em 2004, essa modalidade de pagamento está registrada em nada menos do que 131 dias do ano e seus valores somam R$ 6,4 milhões. Até julho, a maior parte dos adiantamentos era de R$ 20 mil, mas há um, no dia 6 de fevereiro, de R$ 1 milhão. A partir de agosto, passaram a ser de pelo menos R$ 50 mil ao dia.

O sistema contábil da Ulbra também aponta a quitação de notas fiscais com numeração muito distinta do talonário corrente do ano. Em 2005, por exemplo, dá conta do pagamento das notas de número 61, 63, 67 e 74, em dezembro de 2004, as notas emitidas já beiravam os 400. Não há como saber se esses valores de fato foram repassados à empresa ou se foram apenas lançados no sistema contábil sem corresponder a saques ou repasses do caixa.

As cópias de notas fiscais que a reportagem do Extra Classe analisou estão em ordem coerente, em alguns casos seriadas e apresentam pelo menos uma irregularidade. As notas de nº 409 e 410, ambas emitidas em 10 de maio de 2005, são duplicadas. Cada versão traz um carimbo diferente do setor de pagamentos, indicando que podem ter sido quitadas duas vezes, o que significaria R$ 2 milhões.

Família Deboni comanda empresas

Oficialmente a Verdicon deixou o endereço da Ulbra nos primeiros dias de 2009, quando o Camelódromo foi inaugurado. Apesar disso, numa placa na fachada do antigo endereço ainda é possível ler o nome da empresa. Quem ocupa o prédio oficialmente é a empresa de engenharia Siscobras. Ao menos é o que demonstra um documento, sem data, intitulado “Notificação de Cessão e Transferência de Contrato”, firmado por Vilmor Verdi.

Através do instrumento ele solicita transferência do contrato firmado com a Verdi para a Siscobras. O papel cita anexos que não foram encontrados pelo departamento jurídico, o “Contrato de Cessão e Transferência” e o “Estatuto da Empresa Cessionária”. Uma rubrica de Ruben Becker e um “de acordo” escrito de próprio punho demonstram o consentimento do ex-reitor. No Camelódromo, a informação é que é possível obter dados da empresa tanto na filial de Erechim como na de Canoas.

Na Ulbra os funcionários também não fazem distinção. A Siscobras foi registrada na Junta Comercial no mesmo dia em que a Verdicon informou ao órgão sua mudança para o CPC, em 2 de janeiro de 2009. O sobrenome de seus sócios é o mesmo do procurador da Verdicon: Deboni. É ele quem assina o contrato com a prefeitura de Porto Alegre para a construção do Camelódromo. Deboni Engenharia também era o nome de uma firma de Erechim, cujo processo falimentar corre na Justiça Estadual. O síndico da massa falida é Vilmor Verdi, proprietário da Verdicon, que agendou entrevista com o Extra Classe, mas não compareceu.

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