EDUCAÇÃO

Ensino a distância é terceirizado

Modelo de oferta de EaD é colocado em xeque a partir de descredenciamento do MEC
Por Por César Fraga / Publicado em 10 de maio de 2010
1,2,3,4 – Cenas de comercial de TV 5 – Polo da Eadcon 6 – Publicidade para captação de parceiros

Foto: Divulgação

1,2,3,4 – Cenas de comercial de TV
5 – Polo da Eadcon
6 – Publicidade para captação de parceiros

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Venha ser empresário de um dos mercados que mais crescem no mundo”, é o que diz o comercial no siteda Eadcon, empresa que há dez anos oferece plataformas de EaD para instituições de Ensino Superior. Conforme a propaganda da empresa, o objetivo é conseguir novos parceiros, que são chamados de centros associados. Esses centros nada mais são do que estruturas locais (salas comerciais, escolas, cursinhos) que, para atuar de forma regular, deveriam contar com bibliotecas, laboratórios de informática e tutoria. Enquanto isso, a Eadcon entra com a tecnologia e os “padrões de atuação”. O forte da oferta são os cursos de graduação e pós-graduação para professores, que rapidamente conseguem colocação nas prefeituras de cidades do interior.

A remuneração dos parceiros fica por contade uma fatia do valor das mensalidades dos alunos. O proprietário da empresa e idealizador do negócio é o controverso empresário colombiano Carlos Amatsha, investigado em 2007 pela Polícia Federal na operação Moeda Verde, na qual foram indiciadas 22 pessoas, em Florianópolis (SC), por fraudes para liberação de obras com impacto ambiental. Segundo a PF, o esquema fraudava ou criava novas leis e licenças ambientais para legalizar a construção de empreendimentos imobiliários em áreas de preservação permanente. Os indiciados na operação Moeda Verde ainda não foram a julgamento.

Em 2008, Amatsha apareceria em publicações de âmbito nacional como o “Czar da EaD no Brasil”. A ofensiva comercial se deve, aparentemente, ao descredenciamento da Unitins, em 2008, seu maior parceiro. A Unitins tinha 14 polos irregulares no Rio Grande do Sul. As irregularidades foram apontadas pelo Ministério da Educação, que concedeu prazo até o final do ano passado para que elas fossem sanadas, mas a Unitins nada fez e perdeu o credenciamento.

De acordo com a assessoria do MEC, havia irregularidades na forma em que eram ofertados os cursos em parceria da Unitins com a Eadcon. Por ser uma empresa e não uma instituição de ensino, a Eadcon não pode oferecer cursos. Por isso, ela depende de uma instituição credenciada para ofertá-lo e elaborar os conteúdos. Apesar de fechados os polos da Unitins, a Eadcon ainda exibe em seu site as parcerias com essa Universidade, já descredenciada, e também com a Fael, que teria sido sanada, segundo o MEC.

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MEC fecha o cerco

Em 2008 o MEC iniciou a supervisão da oferta de Educação a Distância, a princípio nas instituições de grande porte. Foram submetidas a esse processo 38 instituições, o que corresponde ao atendimento de 696 mil alunos, cerca de 81% do total de estudantes dessa modalidade no Brasil, conforme dados do Ministério. Até fevereiro deste ano foram assinados 12 termos nos quais as instituições se comprometem em sanar irregularidades constatadas pelo MEC. Três instituições que apresentavam problemas, segundo o Ministério, já regularizaram suas pendências (Unopar, Uniasselvi e Fael) e três foram descredenciadas: Unitins, Universidade Castelo Branco e Fapi.

Também em fevereiro outras cinco medidas cautelares foram publicadas apontando irregularidades a serem sanadas na Universidade Paulista (Unip), Centro Universitário Maringá (Cesumar), Faculdade do Noroeste de Minas Gerais (Finom), Universidade Estácio de Sá (Unesa) e Universidade de Santo Amaro (Unisa).

As medidas cautelares impedem o ingresso de estudantes nos polos irregulares dessas instituições e foram publicadas no Diário Oficial da União (Seção 1, página 17) no dia 10 de fevereiro. As cinco instituições desobedeceram à legislação que regula a EaD e abriram cursos em pelo menos 108 polos, que correspondem a cerca de 10 mil vagas, sem credenciamento no MEC.

A Universidade Estácio de Sá foi credenciada em maio de 2009 para ofertar cursos a distância em 54 polos. “Em menos de um ano, essa instituição abriu indevidamente outros nove polos e inscrições para vestibular nessas unidades, desrespeitando totalmente a legislação”, justifica o secretário de Educação a Distância do MEC, Carlos Eduardo Bielschowsky. Segundo ele, é investigada a existência de mais polos irregulares mantidos pela Estácio de Sá e outras instituições.

A Universidade Paulista também abriu 76 polos em diversas regiões do país sem o credenciamento. Ela oferece EaD desde 2004, quando recebeu credenciamento para cursos de Educação Superior em 598 polos.

O Centro Universitário de Maringá (Cesumar) está credenciado desde 2005 para a oferta de cursos a distância em 59 polos de apoio presencial. A instituição abriu quatro centros de atendimentos ao aluno, também ilegais, em Brasília, e um em Salvador.

Com 3.955 estudantes, a Finom está credenciada desde 2005 para a oferta de cursos a distância em apenas um polo regular, em Paracatu, mas abriu outros dois, não-credenciados, em Feira de Santana (BA) e São Paulo. A Unisa, credenciada no mesmo ano, tem 42 polos credenciados e 16 nãocredenciados.

As irregularidades foram identificadas pela equipe de supervisão e regulação da Secretaria de Educação a Distância (SEED) do MEC. A medida cautelar está prevista no Decreto 5.773, de 9 de maio de 2006, como meio de evitar prejuízos aos novos estudantes.

As instituições, depois da publicação, tiveram prazo de dez dias para esclarecer as medidas tomadas e para a correção das irregularidades. Os alunos que fizeram inscrição para esse primeiro semestre e participaram do processo seletivo não poderão fazer os cursos.

O MEC conta com um sistema de consulta de instituições credenciadas. “É importante que o estudante faça essa consulta para evitar a matrícula em locais irregulares”, alerta Bielschowsky.

Curso de Enfermagem é questionado

Mas não é só no Ensino Superior que a EaD possui problemas. Desde o ano passado, existe processo no Conselho Estadual de Educação do RS para investigação de oferta irregular de cursos de Enfermagem em várias cidades gaúchas. De acordo com o vice-presidente do Conselho, Domingos Buffon, existem denúncias de várias regiões do estado sobre possíveis irregularidades de cursos ofertados por uma escola com sedes em Guaíba e Pelotas. Segundo Buffon, a instituição teria autorização do CEED/RS apenas para atuar com polos nessas cidades e estaria atuando em diversos outros municípios irregularmente.

Outro agravante: trata-se de um curso ligado à área da saúde, e que necessita, pela legislação atual, 40% de aulas presenciais, sendo que os polos não-credenciados não teriam condições técnicas nem logísticas para as aulas. De acordo com o Conselho Regional de Enfermagem (Coren), seriam 1.200 horas teóricas, 300 horas presenciais e 600 práticas (estágio). “O que se questiona é se esses cursos são válidos ou não”, diz o vice-presidente.

A Presidente do Coren, Maria da Graça Piva, admite que a entidade fez denúncia junto ao CEED/RS, mas prefere não identificar a escola em questão enquanto não estiver concluído o processo. Um dos pontos principais diz respeito justamente à presencialidade. “A escola não está cumprindo a carga horária presencial. Além disso, está considerando como estágio as visitas técnicas, o que não é a mesma coisa. Conhecer, visitar um hospital não é o mesmo que trabalhar nele”, explica Maria da Graça. Ela alerta também que, conforme a legislação, o que é chamado de polo precisa de uma estrutura básica com sala de aula, computadores, disponibilidade tecnológica. “Os polos que visitamos não possuem nada nem parecido com o que diz a legislação. Um que visitamos no município de Taquara funciona em uma escola de informática com dois computadores insuficientes para todos e sem enfermeiras de formação para a monitoria”, afirma a presidente do Coren.

Segundo a diretora do Sinpro/RS, Cecília Farias, algumas instituições aproveitam brechas na legislação para desqualificar a oferta. “Somos sistematicamente informados de que instituições de ensino oferecem cursos, cujo atendimento presencial acontece em locais não autorizados. Por isso, é fundamental que o MEC, na Educação Superior, e o CEED/RS, na Educação Básica, estejam atentos e se movimentem para impedir os prejuízos que essas ofertas que podem causar aos alunos.”

 

 

 

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