EDUCAÇÃO

Graduação deve priorizar medicina pública

Autorização do MEC para novos cursos de Medicina é condicionada a projetos pedagógicos voltados para a formação de médicos para atender ao Sistema Único de Saúde (SUS)
Por Gilson Camargo / Publicado em 5 de dezembro de 2013
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Fabiana Beltrami/Ascom UPF

Credenciado como hospital-escola, GHC está entre as instituições federais que aguardam autorização
para abertura da graduação em Medicina

Fabiana Beltrami/Ascom UPF

O pacto de melhoria no atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), com investimentos em infraestrutura hospitalar e unidades de saúde e ampliação do número de médicos em municípios do interior e na periferia das capitais, proposto pelo governo federal com a implantação do programa Mais Médicos, prevê a criação de 11.447 vagas na graduação em Medicina em todo o país até 2017 e mais 12 mil vagas para formação de especialistas até 2020. A abertura de novos cursos representa mais 3.615 vagas em instituições públicas e 7.632 IES privadas. A meta do governo é atingir em 2022 a média de 2,7 médicos por mil habitantes. A relação atual é de 1,8 médico por mil. No RS, Unisinos, Feevale, Urcamp, Univates, Unijuí, Cesuca (Cachoeirinha) e Unifra, de Santa Maria, são algumas IES privadas com cursos de Medicina em avaliação pelo MEC, assim como propostas de graduação de instituições públicas, a exemplo do Grupo Hospitalar Conceição e da Unipampa. De julho a novembro, foram criadas 2.415 vagas de graduação em instituições públicas que serão implantadas até o final de 2014, com foco nas áreas que mais precisam de profissionais e têm estrutura adequada para a formação médica.

Para viabilizar a expansão, o governo alterou a lógica de abertura dos cursos de Medicina nas IES privadas com uma emenda na MP 621. “Antes, as instituições apresentavam um projeto de curso para avaliação do MEC. Agora, o governo faz um chamamento público com foco nas regiões prioritárias do SUS e, em resposta, as universidades apresentam suas propostas”, explica o diretor- -superintendente do GHC, Carlos Eduardo Nery Paes. Certificado como hospital-escola, com atendimento exclusivo pelo SUS, o grupo conta com a frequência de 1,5 mil alunos de Medicina nos seus serviços de saúde, além de 174 mestres e 57 doutores no quadro de funcionários. Deve implantar a graduação em Medicina a partir de 2015.

Mais de 200 cidades fizeram a inscrição no edital de pré-seleção do MEC, que irá formar um cadastro de municípios considerados habilitados. O resultado será divulgado em dezembro, seguido da seleção das IES habilitadas.

De acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas Anísio Teixeira (Ipea) há 1,44 vaga no mercado de trabalho para cada egresso do curso de Medicina. Em 2011, 18.722 médicos entraram no primeiro emprego e 14.634 saíram da faculdade. Na última década, foram criadas 147 mil vagas de emprego e somente 93.156 médicos se formaram, o que gerou um déficit de 54 mil postos de trabalho. Até 2014, o Ministério da Saúde abrirá mais 35.073 vagas para médicos no SUS e até 2020 serão 43.707, com expansão do atendimento básico e preventivo, câncer, crack e domiciliar.

CRITÉRIOS – No caso das IES privadas, as propostas das prefeituras dos municípios interessados na implantação de novos cursos de graduação foram inscritas por meio de edital, aberto pelo MEC de 29 de outubro a 8 de novembro. “O objetivo é formar mais profissionais competentes e com visão humanista”, explica o ministro da Educação, Aloizio Mercadante. As propostas estão em avaliação pela Secretaria de Regulação e Supervisão (Seres) do MEC, com base no projeto pedagógico do curso, perfil do corpo docente e projeto de infraestrutura. O atendimento ao SUS deve ser o elemento central do projeto pedagógico. Outro critério para autorização é o mínimo de cinco leitos do SUS, pelo menos três alunos por equipe de atenção básica, estrutura de urgência e emergência e pelo menos três residências médicas em clínica médica, cirurgia geral, ginecologia-obstetrícia, pediatria e medicina de família e comunidade, áreas fundamentais, que apresentam a maior carência de médicos. Será contemplada a instituição de ensino que oferecer a menor mensalidade e o maior investimento no SUS. “A universidade particular usa o SUS na formação. Nada mais justo que devolver para a sociedade com melhorias no serviço”, ressaltou o ministro da Educação, Aloízio Mercadante.

O diretor do Sinpro/RS, Marcos Fuhr, manifesta preocupação da entidade com os altos custos de implantação dessa oferta de ensino, especialmente considerando as reiteradas manifestações dos gestores em relação à sustentabilidade das instituições. “Com relação a algumas IES historicamente em crise temos um posicionamento contrário à implantação de um curso com custos de manutenção tão elevados”, ressalta o dirigente. Fernando Weber Matos, presidente do Cremers, defende investimentos na qualificação das faculdades de Medicina já existentes e na ampliação da oferta de vagas, ao invés de criação de novos cursos. “Há médicos suficientes, o problema é a má distribuição. Defendemos o plano de carreira e melhorias nas condições de trabalho e de salários para incentivar os médicos a atuar nos pequenos municípios”, argumenta.

No final de outubro, o conselho universitário da Unisinos aprovou o projeto do curso de Medicina, em parceria com o grupo Mãe de Deus, para abrir 60 vagas na segunda chamada do vestibular de 2015 e início das aulas em 2016. O projeto prevê intercâmbios nacional e internacional e a construção de um hospital universitário. A instituição exalta “a formação de profissionais com perfil humanista, com ênfase nas competências e nas habilidades interpessoais, na valorização da relação médico-paciente e na inclusão das dimensões filosófica, social e psicológica da formação e do trabalho do médico”.

A Feevale também encaminhou ao MEC proposta de graduação em Medicina em parceria com o Hospital Geral e a prefeitura. “Nosso hospital é referência em atendimentos de urgência e emergência, cardiologia de alta complexidade, partos de alto risco e UTI neonatal em um município que é um polo regional. Temos um enorme desejo de formar um curso de Medicina, por isso ampliamos a estrutura física, o número de profissionais e de consultas, procedimentos, exames e cirurgias”, argumenta o secretário de Saúde de Novo Hamburgo, Luís Carlos Bolzan.

A exemplo da Unisc e da UPF, que já oferecem Medicina, instituições de ensino privado do interior do estado enxergam nas novas diretrizes do MEC a oportunidade para ampliar suas ofertas de ensino e responder à falta de médicos nas respectivas comunidades. É o caso da Univates, de Lajeado, e da Urcamp, de Bagé e região. “Há uma grande carência de médicos voltados para a saúde coletiva, que não costuma entusiasmar muitos profissionais. Nosso curso vai inserir o aluno no desempenho profissional junto às unidades básicas numa proporção de 1,4 mil horas do total de 9,3 mil horas da graduação para que o aluno conviva intensamente com os grupos familiares das pequenas comunidades, aprendendo a ouvi-las e a compreender a dinâmica saúde/doença para atuar com maior segurança no processo de cura e atuar na prevenção”, projeta Luiz Kehl, coordenador do curso de Medicina proposto ao MEC pela univates.

Comunidades, assentamentos e aldeias

Aula prática na UPF, única IES privada do interior que já dispõe dessa oferta de ensino, além da Unisc

Fabiana Beltrami/Ascom UPF

Aula prática na UPF, única IES privada do interior
que já dispõe dessa oferta de ensino, além da Unisc

Fabiana Beltrami/Ascom UPF

A Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) é a primeira do país a obter a autorização para a abertura da Medicina entre as federais. De acordo com o diretor do campus Passo Fundo, Vanderlei de Oliveira Farias, a instituição pretende formar médicos com perfil generalista, voltados para a prevenção, atenção e assistência básica de saúde durante toda a graduação. Antes o aluno fazia estágios no SUS e a formação era dentro de hospitais. Em Passo Fundo, o aluno não fará visitas. Sua formação será dentro do SUS. “A vida real da medicina não é o consultório”, aponta Farias. Em Sertão, município de 6,2 mil habitantes, os alunos irão conhecer a saúde em duas comunidades quilombolas e, em Pontão (3,8 mil habitantes), em dois assentamentos da reforma agrária; em Água Santa, que tem 3,7 mil habitantes, uma aldeia indígena
kaingang; em Ernestina, 3 mil habitantes, conhecerão a vida de agricultores familiares. Em Passo Fundo, que tem 200 mil habitantes, sede do campus, moradores de dois bairros urbanos serão acompanhados. O curso conta com convênios com dois hospitais- -escola, o São Vicente de Paulo e o Hospital da Cidade. O hospital municipal Doutor César Santos também será local de aprendizagem e de aulas práticas a partir do quinto semestre.Já a Universidade Federal do Pampa (Unipampa), que integra um acordo de cooperação técnica financiado pelo MEC, UFSM e UFPel para a ampliação da oferta de ensino superior na Metade Sul, projeta o início da Medicina para 2015, no campus de Uruguaiana, onde estão centralizadas 14 graduações da área da Saúde e pós-graduações em Farmácia e Bioquímica. A região de fronteira enfrenta a falta de médicos e dificuldades na retenção de profissionais, com fraco desempenho nas estratégias de saúde, explica a coordenadora, Odete Torres. “Não se trata apenas de humanizar a saúde, mas sim de valorizar a atenção básica, ampliar e qualificar esses serviços que são as portas de entrada ao sistema de saúde, aumentando a sua resolutividade e qualificando a atuação dos profissionais na atenção básica. Ganha a população, ganham os profissionais, ganha a saúde e o SUS”.

NOTA DO EDITOR (ATUALIZAÇÃO) – Quatro municípios gaúchos foram pré-selecionados pelo MEC para receber cursos de medicina (leia mais)

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