EDUCAÇÃO

Indígenas querem ampliação do acesso à universidade

Por Clarinha Glock / Publicado em 12 de março de 2015

Cerca de 8 mil indígenas cursam o Ensino Superior no Brasil, conforme dados da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi), do Ministério da Educação (MEC). Em 2010, havia praticamente a metade desse número nas faculdades. Poran Potiguara, estudante de Engenharia Florestal na Universidade de Brasília (UNB), acredita que o crescimento se deve à Lei 12.711, a chamada Lei de Cotas, instituída pelo Governo Federal em 2012, e às ações afirmativas de algumas universidades que, mesmo antes da Lei, abriram vagas em seus cursos para os indígenas.

Poran Portiguara

Poran Portiguara, um dos coordenadores da Rede de Juventude Indígena (Rejuind)

Foto: Arquivo pessoal

Poran Potiguara, que tem no sobrenome a identificação de seu povo, é um dos coordenadores da Rede de Juventude Indígena (Rejuind), criada em 2009 para facilitar o diálogo entre a diversidade de juventudes indígenas na defesa de seus direitos. A Rejuind  mantém uma página na  rede social Facebook, grupos de discussão fechados no WhatsApp e já programa para 28 de setembro a 2 de outubro de 2015, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o 3º Encontro Nacional de Acadêmicos Indígenas (Enei).

Os potiguaras habitam o Ceará e a Paraíba, e somam cerca de 20 mil pessoas. “É o único povo do litoral que não mudou de lugar desde a colonização”, assegura Poran. Essa determinação se mantém em seu representante quando o assunto é educação. Os acadêmicos reunidos na Rejuind temem que haja uma queda no número de vagas no Ensino Superior porque muitas universidades estão adotando apenas a Lei de Cotas, que deve atender também a população negra e parda e aos critérios de renda. Um cálculo feito por estudantes da UNB mostrou que, dividindo o número de vagas das Cotas pela população indígena, e o resultado é de 0,05 vagas por indígena. É muito pouco. Poran vive na Aldeia Tambar, em Baia da Traição, município com 8,6 mil habitantes com 90% do seu território situado dentro de reserva indígena no litoral da Paraíba, conforme dados do IBGE.

“Estamos discutindo alternativas para que, além das cotas, seja garantido o ingresso nas universidades de forma diferenciada por um vestibular específico”, informa Poran. Outra preocupação é com a permanência dos estudantes indígenas nos cursos, já que muitos saem de seus locais de origem, geralmente em zonas rurais, para morar nas cidades. “O Programa de Bolsa Permanência do MEC ajudou muito, mas é apenas para universidades federais. Quem está cursando as estaduais e particulares não têm direito”, observa. A Bolsa Permanência prevê a concessão de auxílio financeiro a estudantes matriculados em instituições federais de ensino superior em situação de vulnerabilidade socioeconômica e para estudantes indígenas e quilombolas. No caso dos indígenas, o valor é de R$ 900,00.

Esses benefícios servem de estímulo a quem quer estudar, reconhece Poran. “Na minha própria aldeia não se buscava o Ensino Superior pela falta de apoio e dificuldades de se manter, mas hoje se vê o contrário. No dia da prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) notei que havia mais gente fazendo”, descreve. Poran lembra ainda que algumas universidades criaram Programas de Licenciatura Indígena. “São cursos criados por indígenas para indígenas. É um avanço, porque os professores indígenas não têm reconhecimento como um segmento diferenciado no Brasil, apesar de tantos anos trabalhando nas comunidades”.  As discussões dos jovens da Rejuind passam também pela falta de material didático específico em nível escolar para a educação das crianças indígenas. Com mais de 200 povos, e tantas línguas, é difícil publicar algo que sirva para todos, admite Poran.

Um dos desafios é romper com a invisibilidade dos acadêmicos e a discriminação. “Falo que nossa vida é muito louca, no mínimo três vezes mais que dos estudantes convencionais, porque precisamos estudar, resistir ao preconceito dos alunos e professores, e fazer política para quebrar paradigmas.  Sem falar na adaptação, porque se sai da vida na comunidade, que é muito diferente da vida na universidade, onde todo mundo está por si e quer derrubar o outro. Na comunidade é o inverso, tudo parte do coletivo. Há um choque cultural”, critica Poran.

Os indígenas ainda têm uma longa jornada até conseguir efetivamente ocupar seus espaços na Graduação e Pós-Graduação, onde começam a seguir carreira como pesquisadores.  Mas Poran tem uma certeza: “Temos a obrigação de não esquecer de onde viemos, para que a gente possa voltar às comunidades ou ficar na cidade ajudando o povo, onde quer que esteja”.

SANTO ÂNGELO
O que se pode aprender com os indígenas?
Na fotos da exposição intitulada “Filhos da Terra, Povo de Deus”, algumas das quais estão reproduzidas nesta matéria (galeria), o professor da Faculdade de Direito de Santo Ângelo, Paulo Joel Bender Leal, buscou registrar a profunda admiração que aprendeu a ter pelos guaranis da região das Missões Jesuíticas. “Sua inteligência é mais orientada pelas sensações do que pelas ideias, talvez por isso jamais alteram a voz um com o outro, e predomina o afeto na constituição do indivíduo e dos grupos”, acredita.

Sua proximidade e respeito pelos guaranis permitiram que fosse conhecendo melhor a cultura desse povo que, como diz, “a Igreja Católica não conseguiu converter nas Reduções Jesuíticas”. Leal também fez registros em vídeos do coral de crianças guaranis e de conversas com indígenas. Ele observa que, ainda que o contato recente com a televisão tenha interferido um pouco no comportamento dentro das aldeias, persistem rituais e a crença em um Deus que está em tudo e todos: no ser humano, nas plantas, nos animais, mas não para vigiar e cobrar nada das pessoas. “Para eles, a Terra é a grande mãe. Por isso, ter terra no corpo não é sinal de sujeira, mas uma homenagem a Deus”.

“Os guaranis podem ajudar a entender as razões do fracasso do nosso projeto civilizatório”, resume Leal, que integra o Grupo de Estudos sobre Inteligência Sebo Café, de Santo Ângelo e já foi vereador na cidade. “Aprendi muito mais com os guaranis do que com qualquer livro na biblioteca”, garante.

Informações complementares:
Índios online
Povos Indígenas do Brasil (Instituto Socioambiental)
Página da Rede de Juventude Indígena (REJUIND)
Serviço de Proteção aos Índios (SPI)
Saberes Indígenas –  Portaria do MEC nº 1.061

Vídeos:
Apresentação do coral Mbyá guarani   Regente Cacique Floriano Romeu

Cacique Mbyá-guarani pede ajuda a Zeze di Camargo e Luciano

Guarani: História de um Povo

 

 

Comentários