EDUCAÇÃO

Da sala de aula para o mundo

Tecnologia desenvolvida por estudantes gaúchos é reconhecida por ajudar a resolver problemas do dia a dia, salvar vidas e preservar o ambiente
Por Adriana de Barros Machado / Publicado em 11 de agosto de 2015
Equipe do Marista Pio XII, que conquistou o prêmio principal da First Robotics Competition, durante debate no Fórum Internacional Software Livre

Foto: Reinaldo Fontes/Ascom Rede Marista

Equipe do Marista Pio XII, que conquistou o prêmio principal da First Robotics Competition, durante debate no Fórum Internacional Software Livre

Foto: Reinaldo Fontes/Ascom Rede Marista

Para além do uso massivo dos dispositivos móveis e da iniciação em robótica, a tecnologia está cada vez mais presente em sala de aula e produz soluções práticas para problemas do cotidiano. Em algumas instituições de ensino do Rio Grande do Sul são desenvolvidos projetos de natureza criativa e promissora em diversas áreas. Em comum, objetivam a solução de algum problema ou demanda de mercado específico, auxiliam a busca do conhecimento e algumas invenções promovem a inclusão, ajudam a salvar vidas e preservar o meio ambiente. A maioria das iniciativas tem potencial para se transformar em empreendimento e conta com o incentivo dos professores e apoio das instituições de ensino.

No estado, existem 187 empresas gestadas a partir de projetos criados no ambiente escolar e quase 40% dos novos empreendedores têm entre 18 e 34 anos. Estudantes da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha, de Novo Hamburgo, Lucas Joner da Silva e Gabriel Elias Fernandes, ambos de 18 anos, criaram um Dispositivo de registro sequencial para veículos. A proposta é instalar câmeras nos parachoques dianteiros e traseiros do automóvel, nos espelhos laterais, retrovisor e também na parte  interior. O professor Jocemar Felício Bueno explica que a intenção é registrar toda a movimentação que ocorrer junto ao veículo, cobrindo os pontos cegos com câmeras. “Você estaciona o carro no supermercado, por exemplo, e alguém bate, risca ou tenta furtá-lo. O sensor detecta a presença do estranho e tira fotos em 360º”, explica. Essa é a primeira etapa. A próxima, ainda em desenvolvimento pela dupla, consiste em enviar as imagens do incidente, em tempo real e tiradas de 3 a 4 segundos, para o celular do proprietário.

Lucas e Gabriel, do Liberato, criaram sistema de câmeras que blinda automóveis contra danos ou furtos

Foto: Leonardo Savaris

Lucas e Gabriel, do Liberato, criaram sistema de câmeras que blinda automóveis contra danos ou furtos

Foto: Leonardo Savaris

Com o projeto, Lucas e Gabriel conquistaram o primeiro lugar na edição do ano passado da Mostratec. A feira de ciência e tecnologia realizada anualmente pela Liberato está completando 30 anos e, em 2015 será realizada de 26 a 30 de outubro no Centro de Eventos da Fenac. Composta pela Mostra Brasileira e Internacional de Ciência e Tecnologia, Seminário Internacional de Educação Tecnológica, Jogos Mostratec, Robótica Educacional e Mostratec Júnior, o evento conta com a participação de 500 projetos de pesquisa brasileiros e de mais 20 países, de autoria de alunos do ensino fundamental, médio e da educação profissional de nível técnico, de 14 a 20 anos. Os autores do projeto que zela pela integridade de veículos estacionados em locais públicos fazem parte de um grupo de jovens para o qual o êxito em competições nacionais e internacionais de iniciação científica e tecnológica deixou de ser novidade. “Já ganhamos centenas, quase milhares de prêmios”, afirma com orgulho o diretor executivo da Liberato, Leo Weber.

Ele enfatiza que a instituição adota o método científico como ferramenta pedagógica, o que normalmente só ocorre no ensino superior. Todos os anos, os alunos viajam para os Estados Unidos para participar de uma das maiores feiras de ciências do mundo, a Intel ISEF, que abrange 14 áreas do conhecimento. “O número de troféus conquistados em eventos tecnológicos, sociais e culturais aumenta a cada ano”, resume.

ROBÓTICA – A equipe de robótica Under Control 1156, do Colégio Marista Pio XII, de Novo Hamburgo, conquistou um feito inédito nos Estados Unidos este ano. Os estudantes participaram de duas etapas regionais da First Robotics Competition, considerada o maior desafio de robótica educacional para ensino médio do mundo, e voltaram com o Chairman’s Award, o prêmio mais prestigiado da competição, conquistado na etapa de Long Island, entre os dias 26 e 28 de março. Todos os aspectos do projeto são colocados à prova pelos jurados: criação, participação do robô e aspectos sociais, levando em consideração o envolvimento com a comunidade. Segundo Filipe Ghesla, instrutor do time, este foi o maior resultado alcançado pela equipe em 13 anos de atuação. Ele explica que a robótica educacional integra o currículo de 14 unidades da rede Marista, a partir da educação infantil.

O projeto Recondicionar – Ecopontos Maristas, do Polo de Formação Tecnológica da instituição, em Porto Alegre, incentiva a preservação do meio ambiente a partir do reaproveitamento criativo de materiais eletrônicos descartados. Os resíduos são utilizados pelos próprios educandos como suplementos e para algumas atividades educativas. Engrenagens e pequenos motores são destinados à Robótica Livre, enquanto peças menores servem para a construção artística, como mosaicos, expostos na Semana Meta Arte.

“A tecnologia favorece que estudantes melhorem sua aprendizagem por meio de videoaulas, ambientes virtuais ou grupos de estudo utilizando aplicativos como WhatsApp ou similares. Nesse cenário é necessário que professores exerçam o papel de mediadores na construção do conhecimento”, reforça o supervisor de Tecnologias Educacionais, Silvio Langer.

Incubadora de empresas valoriza experiências
Ao chegar ao ambiente acadêmico muitos acabam descobrindo a possibilidade de inserir a tecnologia na futura profissão e ter lucros com isso. Com a proposta de atender essa urgência de quem precisa tirar o projeto do papel e lidar com questões práticas, a PUCRS criou o projeto Startup Garagem, um espaço de acolhimento de projetos de base tecnológica e inovação. O ambiente propicia aos alunos de vários cursos da instituição, comunidade, professores e funcionários, o amadurecimento e o detalhamento das ideias apresentadas, incentivando a concretização de um negócio.

Alunos da PUC contam com incubadora de empresas: espaço para o aperfeiçoamento de projetos de base tecnológica e inovação

Foto: Igor Sperotto

Alunos da PUC contam com incubadora de empresas: espaço para o aperfeiçoamento de projetos de base tecnológica e inovação

Foto: Igor Sperotto

As aulas, ministradas na Raiar, uma incubadora de empresas, nos turnos da manhã e tarde, contam com mentorias de advogados, empresários, psicólogos, professores, investidores. A média de idade dos estudantes é 22 anos e participam 50 pessoas. Na seleção foram escolhidos 20 projetos (dez para o turno da manhã e dez para a tarde). Para participar, é preciso que ao menos um integrante do grupo tenha vínculo com a Universidade. São quatro encontros semanais: nas terças e quintas-feiras, das 9h às 11h30, e nas quartas e sextas-feiras, das 14h às 16h30. A formação é gratuita e dura três meses. A segunda edição do projeto iniciou no dia 17 de maio e termina em 10 de setembro.

O modelo adotado é muito parecido com o praticado no Vale do Silício, polo de ciência e tecnologia do estado norte-americano da Califórnia, no qual o mais importante é a experiência, independente do sucesso do empreendimento. “É possível ver aqui no Brasil as escolas se moldando, querendo ter espaços mais criativos. Isso é muito bom, pois quando o estudante chega ao nível universitário estará mais preparado para o sucesso”, avalia Leandro Pompermaier, coordenador do Programa Startup Garagem.

APLICAÇÕES – Luiz André Mota, de 26 anos, estudante de Física da PUCRS, é autor de um projeto de marca-passo temporário e descartável (com duração de seis dias) para atender os hospitais do interior que não têm condições de adquirir um aparelho convencional. Lucas Almeida, 25 anos, aluno de Design Gráfico, e os amigos Jonathan Andrade, 24, e Caio Rodrigues, 19, ambos da Ciência da Computação e ainda Francisco Ferreira, 24 anos, de Sistemas de Informação, são os responsáveis pelo Wecare, um aplicativo que gerencia, integra e administra a relação do paciente e seus familiares e o médico. “É uma espécie de prontuário único, contendo consultas e remédios”. Os inventores explicam que o software e a plataforma web permitem o acesso a todas as informações sobre o paciente, inclusive o histórico de medicamentos e exames.

Luiza Wapler, 29 anos, formada em Administração de Empresas pela PUCRS, e o irmão dela, Gustavo Wapler, 31, aluno do mesmo curso, são autores de uma locadora de carros adaptados para pessoas com necessidades especiais. “Sofri um acidente e sei das dificuldades que as pessoas com necessidades especiais enfrentam em relação à mobilidade. O mercado automotivo específico é pouco explorado”, explica Gustavo. Rayan Maluf, 23 anos, estudante de Engenharia de Controle e Automação, criou um sistema de rastreamento automotivo para recuperar veículos furtados. “De forma remota faremos a interceptação do veículo. É um dispositivo alternativo para acionamento do motor do carro emitido por sinais de antenas de telecomunicações. As portas e os vidros são bloqueados e a aceleração cancelada”, revela.

Projetos que se transformam em empreendimentos
Dos 3.558 projetos cadastrados pela Associação Brasileira de Startups (ABS), 5%, ou 187 empreendimentos são oriundos do RS e, desses, 118 estão em Porto Alegre. A evolução de projeto para empreendimento, alerta o gerente executivo da ABS, Guilherme Junqueira, deve sistematizar conceitos fundamentais: escalabilidade, repetibilidade, flexibilidade e rapidez, além de equipes enxutas.

“Não basta ter uma boa ideia. É preciso atrair e reter clientes de forma a ganhar espaço de mercado em escala”, aconselha. São cuidados essenciais, já que o índice de mortalidade das startups é alto. De acordo com levantamento da Fundação Dom Cabral, 25% dos novos empreendimentos fracassam no primeiro ano.

Pesquisa da Global Entrepreneurship Monitor, realizada no Brasil pelo Sebrae e pelo Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade (IBQP), de 2014, revela que 38,4% dos empreendedores em estágio inicial estão na faixa etária dos 18 aos 34 anos. O Sebrae-RS desenvolve o Programa Startup com o objetivo de contribuir para o aumento da competitividade por meio da melhoria dos modelos de negócios e captação de investimentos. O programa seleciona 20 ideias tecnológicas por semestre e contempla consultorias, oito workshops de empreendedorismo experimental, perfil empreendedor, modelagem de negócios, testes de mercado, investimentos, marketing digital e vendas.

“Além disso,temos previsto mentorias com profissionais de mercado e apresentação para investidores”, informa Lubianca Neves da Motta, gestora de projetos de educação empreendedora. “O RS, com as relevantes instituições de ensino, com o capital humano qualificado e áreas de expressivo potencial demonstra que com articulação e investimento a consolidação é possível”, complementa Pedro Valério, da Câmara Americana de Comércio (Amcham) em Porto Alegre.

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