EDUCAÇÃO

Falta de articulação entre as leis trabalhistas e educacionais prejudica o professor

Publicado em 15 de setembro de 2015

A terceira edição do Seminário Nacional Profissão Professor, realizado no dia 28 de agosto em Porto Alegre, reuniu mais de 200 professores, estudantes de Direito, advogados e sindicalistas de várias regiões do país para discutir as contradições, lacunas e a necessária articulação entre as leis trabalhista e educacional. “A articulação entre as normativas educacionais e o ordenamento trabalhista beneficiará não apenas os professores, mas também a sociedade com a melhoria da qualidade da educação brasileira”, afirmou Marcos Fuhr, diretor do Sinpro/RS, na abertura do evento.

Distanciamento entre CLT e normatizações da educação foi destacado por Marcos Fuhr, diretor do Sinpro/RS

Foto: Leonardo Savaris

Distanciamento entre CLT e normatizações da educação foi destacado por Marcos Fuhr, diretor do Sinpro/RS

Foto: Leonardo Savaris

O trabalho do professor do ensino privado do país é regulamentado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que conta, inclusive, com uma seção própria. “O problema é que esta seção remonta aos anos 1940”, destacou Fuhr. “Em que pese o inquestionável reconhecimento da importância da CLT, especialmente em tempos de ofensivas pela terceirização da atividade-fim das empresas, o fato é que, na atividade educacional, os marcos normativos e especialmente a atividade docente em si mudaram muito e várias vezes nestes 70 anos”.

Segundo o dirigente sindical, os responsáveis pela organização da educação no país têm revelado uma histórica aversão aos aspectos trabalhistas dos profissionais da educação no ensino privado, bem como os operadores do Direito na Justiça do Trabalho, muitas vezes, ignoram a legislação educacional. “Na educação superior, por exemplo, passou-se a exigir plano de carreira para o credenciamento das instituições, sem qualquer indicativo ou referência que normatize carreira docente no âmbito do ensino privado”, exemplifica.

O Seminário contou com a parceria do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Associação Nacional dos Magistrados (Anamatra), Associação dos Magistrados do Rio Grande do Sul (Amatra 4), Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas (Abrat), Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas (Agetra), Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ensino (Contee) e Federação dos Trabalhadores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Fetee/Sul).

O desafio de concretizar a valorização
As exigências de formação e os desvirtuamentos contratuais dos professores centralizaram as discussões do primeiro painel do Seminário, que tratou também das iniciativas patronais de fraudar a contratação do professor, utilizando nomenclaturas distintas como recreacionistas, técnicos em desenvolvimento infantil, auxiliares de ensino, instrutores e tutores. Luiz Fernandes Dourado, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), apresentou um panorama do Plano Nacional de Educação, destacando, entre outros pontos, uma frente de trabalho contra a regulamentação da educação privada que tramitou nos quatro anos. “A grande lacuna é a regulamentação do ensino privado, que é uma concessão do Estado, e então deve ser regulado”, afirmou.

Formação docente e realidade contratual foram temas do primeiro painel

Foto: Leonardo Savaris

Formação docente e realidade contratual foram temas
do primeiro painel

Foto: Leonardo Savaris

Outro grande desafio é a valorização docente. “O discurso da valorização tem encontrado na prática a lógica da precarização, com intensificação do trabalho. Isso tem levado à flexibilização do trabalho docente e à inserção de novos atores”. Inovar na questão da formação de professores é uma necessidade apontada pelos painelistas. Dados do MEC dão conta de que cerca de 20% dos docentes em atividade estão em vias de se aposentar, além de outros 500 mil que atuam sem formação superior. Apenas isso gera a necessidade de formar pelo menos mais 1 milhão de professores. “A valorização do professor é uma questão tão séria que esvazia a sala de aula”, disse Simão Pedro Pinto Marinho, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

Contradições na carga horária
O segundo painel do Seminário apresentou a discussão sobre as limitações do artigo 318 da CLT, que tramita na Comissão de Trabalho, Administração e Serviços Públicos da Câmara dos Deputados. Conforme Luciane Toss, assessora jurídica do Sinpro/RS, no Rio Grande do Sul há 11 anos a Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) determina que o professor possa trabalhar 40 horas semanais, diferente do que diz o artigo 318, porém alinhada aos interesses e necessidades dos professores. “Defendemos isso com base na

Negociações sempre visam melhorias das condições de trabalho, destacou a advogada Luciane Toss (D)

Foto: Leonardo Savaris

Negociações sempre visam melhorias das condições de
trabalho, destacou a advogada Luciane Toss (D)

Foto: Leonardo Savaris

Constituição Federal e porque as negociações sempre têm como objetivo a melhoria das condições de vida e trabalho do professor”, ressaltou. Pelo artigo 318, o professor só pode ser contratado por 4 horas consecutivas ou 6 horas intercaladas, dificultando a concentração de carga horária em apenas uma instituição. A deputada federal Maria do Rosário também se posicionou contra as limitações do 318 e alertou para sua possível aprovação nas comissões. “A decisão no âmbito das comissões é conclusiva, e não será analisado em Plenário. Irá ao Senado e a partir disso poderá tornar-se lei”, disse.

Educação a Distância
A educação mediada pela tecnologia traz novos desafios aos profissionais e instituições. Analisar as competências do professor do ensino a distância, sua condição contratual e a introdução da figura do tutor em Educação a Distância (EaD) foram os assuntos abordados pelo terceiro painel. O rebaixamento de direitos trabalhistas dos tutores foi o foco dos debates, diante da expansão deste formato de ensino na educação superior.

Marcel de Avila, Sani Cardon, Manuel Estrada e Fleischmann

Foto: Leonardo Savaris

Marcel de Avila, Sani Cardon, Manuel Estrada e Fleischmann

Foto: Leonardo Savaris

Para Marcel de Avila Soares Marques, juiz do Trabalho da 15ª região, a educação nos últimos dez anos saiu de dentro da sala de aula. “O contato que o aluno tem hoje é com o tutor. Esse tutor é professor. Mas acho errado que se pague o piso mínimo, pois é ele que tem contato com o aluno”, afirmou. Já para o procurador-chefe adjunto do Ministério Público do Trabalho da 4ª região (MPT4), Rogério Uzun Fleischmann, é preciso tratar esse tema no âmbito de negociação coletiva e não diretamente com o MPT. “Acredito que é preciso tentar regulamentar a figura do tutor para que não se caia no problema de comparação do que é cada um deles e, eventualmente, chegar em algo que prejudique a figura do professor”, avaliou.

ENTREVISTA | Manuel Martin Pino Estrada
Tutor é professor, tem os mesmos direitos

Apesar de não existirem números consolidados, o teletrabalho vem crescendo muito no Brasil segundo Manuel Martin Pino Estrada, professor de Direito e pesquisador em Teletrabalho, que participou do III Seminário Profissão Professor. Pino Estrada é autor de dois livros na área, Análise Juslaboral do Teletrabalho e Teletrabalho & Direito, além de 70 artigos sobre o tema. Em sua palestra no Seminário apresentou um panorama das decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no Brasil, entre 2010 e 2015, em relação a casos de ensino a distância (EaD), em especial tutores da educação superior. Nesta entrevista exclusiva, ele relata sua pesquisa e experiência na área.

Tutor é professor, tem os mesmos direitos

Foto: Leonardo Savaris

Foto: Leonardo Savaris

Extra Classe – Como se caracteriza o teletrabalho e quais os direitos desse trabalhador?
Manuel Martin Pino Estrada – O teletrabalho ocorre através de qualquer tecnologia, seja a antiga, como o telefone, ou a mais nova e comum, a internet. Os direitos dos trabalhadores são os mesmos do trabalhador in loco, porque não existe uma legislação específica no Brasil. Houve tentativas, mas elas não vingaram, o que, na minha opinião, foi muito bom, porque em uma legislação específica ocorreria a retirada de direitos trabalhistas. Várias profissões têm prejuízos na questão trabalhista, porque se cria legislação específica. Hoje, quando uma empresa implanta o teletrabalho ela não pode se isentar de pagar todos os direitos trabalhistas existentes, inclusive hora extra. As empresas que trabalham com informática, por exemplo, abrem o sistema às 9h e encerram às 18h, para evitar hora extra. Um celular também pode gerar hora extra, mas depende do tipo de mensagem. Se o empregador te envia uma mensagem convidando para um churrasco, isso não é trabalho, mas se ele manda uma mensagem de noite pedindo um relatório para o dia seguinte, já é hora extra. No caso de empresas que trabalham com metas que provocam hora extra, tem de pagar hora extra.

Extra Classe – E no caso dos professores de educação a distância, qual o entendimento do TST?
Pino Estrada – Eu fiz uma análise dos acórdãos do TST sobre educação a distância, que também é considerada teletrabalho. De 2010 a 2015, o TST possui 38 acordãos envolvendo EaD, tutor e professor, e destes, em 33 o tutor ganhou o processo. O entendimento do TST é de que tutor é professor, isso está consolidado. Não existe uma lei denominando o que é tutor, mas existe o que é professor, e se o tutor executa atividades docentes, tem que ser equiparado a professor. A empresa que mais tem processos nesse sentido é a Anhanguera. Em alguns poucos casos, os tutores que tentaram equiparação perderam. E o grande erro das instituições que perderam, na minha opinião, é que elas não conseguiram demonstrar na prática que os tutores não exerciam uma atividade docente. Inclusive, em muitos casos, o tutor trabalhava mais que o professor. Existem até decisões dizendo que o tutor deveria ganhar mais pelo volume de tarefas que executa. Outro grande erro das faculdades particulares é junto ao MEC, elas consideram o tutor como docente do quadro, mas na hora de pagar, querem fazer diferença e acabam se entregando sozinhas.

Extra Classe – Como o senhor vê as questões relativas aos direitos autorais e direito de imagem do professor no EaD?
Pino Estrada – Eu encontrei no TST quatro acordãos sobre videoaulas ou aulas televisivas. Nesse caso, existe uma lei de direito autoral específica. O professor cria a aula, grava os vídeos e faz um contrato de cessão de direito de imagem por um determinado tempo. A hora-aula é paga conforme as aulas que são transmitidas. O que acontece é que quando termina esse contrato a maioria das faculdades continua transmitindo as aulas. Teve um caso em que uma instituição foi condenada a pagar mais de R$ 400 mil para uma professora por dano patrimonial e moral, porque eles fizeram um contrato para utilizar a videoaula por dois anos e meio, mas a aula foi transmitida por mais oito anos fora do contrato. O valor foi estipulado pela quebra de contrato e por dano moral, também porque uma aula fica desatualizada em oito anos e isso prejudica a imagem do professor.

Extra Classe – Há alguma experiência positiva em outros países em relação ao teletrabalho?
Pino Estrada – Eu cito muito a Colômbia, que foi o primeiro país a regulamentar o teletrabalho nas Américas, em 2010. É a melhor lei, na minha opinião, e foi a mãe das demais como a do Peru, Argentina e Chile. Na Europa, a Itália foi o primeiro país a regulamentar, antes de 2010, mas apenas no âmbito da legislação pública. O Canadá também tem lei específica, e nos EUA existem leis estaduais. Na Europa, ainda existe um marco de teletrabalho, um acordo que orienta os teletrabalhadores no âmbito da União Europeia, seguido pelos tribunais e bem respeitado.

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