EDUCAÇÃO

Questões de gênero são suprimidas da adequação dos planos

Três meses após o fim do prazo, estados e municípios ainda estão concluindo seus projetos – aqueles que já foram votados sofreram retrocessos
Por Edimar Blazina / Publicado em 10 de setembro de 2015

Questões de gênero são suprimidas da adequação dos planos

Foto: André Bueno/CMSP/Divulgação

Foto: André Bueno/CMSP/Divulgação

Quase três meses após o encerramento do prazo, 40% dos estados e 7% dos municípios ainda não sancionaram suas leis que estabelecem os planos locais de educação. Dos 26 estados, um total de 15, mais o Distrito Federal, já tiveram a lei sancionada. A última etapa da elaboração dos documentos deveria estar finalizada até o dia 24 de junho deste ano, conforme prevê o texto do Plano Estadual de Educação (PNE).

Além do atraso, a adequação dos planos enfrenta a resistência de setores conservadores locais em relação a diversos temas. Uma das conquistas celebradas pelos movimentos sociais e trabalhadores da educação, a promoção da igualdade de gênero, raça e orientação sexual nas escolas, por exemplo, foi suprimida do texto do PNE, o que vem acontecendo também nas votações dos planos estaduais e municipais de Educação.

O destaque aprovado no PNE em 2014 modifica o trecho do plano que diz: “São diretrizes do PNE a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”, retomando o texto do Senado, que fala apenas em “erradicação de todas as formas de discriminação”. Em nota pública, a iniciativa De Olho nos Planos repudiou as “manifestações de intolerância e proselitismo religioso” nos processos públicos de elaboração e revisão dos planos. A iniciativa é formada pela Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, União dos Conselhos Municipais de Educação (UNCME), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), Associação Nacional de Política e Administração Educacional (Anpae) e o Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação (FNCE), com o apoio do Instituto C&A e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Os entes federados tiveram um ano para cumprir os diferentes estágios de elaboração dos planos estaduais (PEE) e municipais (PME). Após a sanção do PNE pela presidente Dilma Rousseff, em 2014, cada um deles deveria nomear sua comissão para coordenar os trabalhos, realizar diagnóstico sobre a educação local e, a partir disso, produzir um documento que serviria de base para a criação da lei, após ser submetido à consulta pública. O projeto de lei é encaminhado ao governo local que, por sua vez, submete a proposta à votação do poder Legislativo. Se aprovado, o processo é concluído com a sanção do plano pelo governador ou prefeito, conforme o caso.

O Ministério da Educação (MEC) divulga on-line o andamento dos planos locais, permitindo que qualquer cidadão faça a consulta sobre cada localidade do país, através de um site exclusivo do PNE, com informações detalhadas dos documentos. De acordo com os dados da página, dois estados estão com seus processos bem atrasados. O Rio de Janeiro tem apenas o documento-base elaborado, o que equivale a pouco mais da metade do processo total. O Ceará está concluindo a consulta pública do seu PEE. A maioria dos estados que ainda não concluíram estão na fase final, com projeto de lei elaborado ou já encaminhado, apesar do prazo expirado.

Nos municípios, a situação avançou muito desde o último levantamento feito pelo Extra Classe, no início de junho deste ano, há poucos dias do encerramento. Na época, apenas 2,6% (149) dos 5.570 tinham concluído seus planos municipais. Atualmente, a maioria (5.157) já tem o PME aprovado e sancionado. O restante está em curso adiantado, porém, existem casos como os municípios de Potiragua e Ruy Barbosa, ambos na Bahia, que recém concluíram o diagnóstico local, fase bem inicial. No Rio Grande do Sul, a maioria dos 497 municípios tem o plano finalizado. Outras 12 localidades, como Bagé, São José do Norte e São Lourenço do Sul, encaminharam o projeto de lei para votação nas respectivas Câmaras de vereadores. O estado aprovou o PEE um dia antes do prazo previsto, após o processo ficar arquivado por quatro meses na Assembleia Legislativa.

RETROCESSOS – Um dos pontos que mais provocou discussões no país foram as questões de gênero. O PNE trazia a proposta de que as escolas deveriam “promover a igualdade de gênero, raça e orientação sexual”, porém, durante a tramitação, o texto foi suprimido, o que gerou a expectativa de que nos âmbitos estaduais e municipais ocorresse um avanço neste sentido. No RS, por exemplo, o plano elaborado na gestão de Tarso Genro (PT) previa políticas pedagógicas de valorização e respeito aos grupos identificados como LGBTs nas escolas, incluindo conteúdos curriculares sobre o tema e ações afirmativas, como espaços compartilhados para os estudantes. Ao ser submetido ao Legislativo, no atual governo, de José Ivo Sartori (PMDB), houve retrocesso. Com a presença do próprio secretário de Educação, Vieira da Cunha (PDT), o texto foi alterado, em votação tensa no plenário da Assembleia Legislativa do Estado (AL) no dia 23 de junho.

Foram aprovadas 36 emendas e suprimidos os textos que envolviam gênero. “As emendas aprovadas alinharam nosso documento ao Plano Nacional de Educação, que não faz menção à questão de gênero. A escola não precisa e não deve ensinar a uma criança de quatro ou cinco anos o que é isso. Somos a favor da liberdade, mas com cada um cuidando de si”, argumentou o líder do governo na Assembleia, Alexandre Postal (PMDB).

INSTRUMENTALIZADO – No caso do PEE gaúcho, a avaliação é de que houve retrocesso em vários aspectos e de que setores conservadores trataram de instrumentalizar a proposta. Para o deputado Adão Villaverde (PT), o plano foi aprovado no Legislativo de maneira desfocada em relação ao conteúdo e bastante diminuído perante a sua elaboração realizada em debates aprofundados com a sociedade e em conferências que envolveram mais de 10 mil pessoas, no ano passado. “O PEE, em sua forma original, representava o acúmulo da história de construção da educação no RS. Mas, da forma como foi sancionado, concretizou retrocessos em relação ao piso, ao plano de carreira do magistério e ao tema de gênero, que foi instrumentalizado por setores assumidamente conservadores para vulgarizar o foco da discussão”, lamentou.

Para Villaverde (E), o plano estadual do RS foi diminuído e concretizou retrocessos

Foto: Stephanie Gomes/Agência ALRS

Para Villaverde (E), o plano estadual do RS foi diminuído e concretizou retrocessos

Foto: Stephanie Gomes/Agência ALRS

O Ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, lamentou a retirada do tema da diversidade dos PEEs e PMEs. “É uma pena que a discussão tenha se desviado desse aspecto de liberdade das pessoas, que faz parte da educação. Educação é liberdade, é acolhimento, é democracia”, afirma Janine. Ele acrescentou ainda que a principal dificuldade, agora, é recuperar o grande atraso que o Brasil tem na educação.

SEM PUNIÇÃO – “Não cabe ao MEC fiscalizar ou punir os estados e municípios que atrasaram seus Planos. O PNE é uma lei federal, cabe a cada parte cumprir o que determina a lei”, afirma a assessoria do Ministério. Segundo eles, esta é uma função da sociedade e do Ministério Público, por exemplo. De fato, não está prevista nenhuma sanção no texto no PNE para quem descumpriu a data, porém, a partir de agora, os entes deverão ter seus planos aprovados para receberem verba do governo federal. “O repasse de verbas voluntárias do MEC, desde julho, já exige que os estados e municípios tenham seus Planos aprovados para confirmação dos valores”, explica a assessoria.

Desde o início da elaboração, o Ministério disponibiliza, através da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase), uma rede de técnicos para assessorar as equipes responsáveis em cada localidade. De acordo com o MEC, a equipe ainda está à disposição e tem atendido todos os que demandam seu auxílio para conclusão dos planos. Tanto o documento nacional quanto os locais, estabelecem metas para educação nos próximos dez anos.

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