EDUCAÇÃO

BNCC esvazia e precariza o ensino médio

Por Gilson Camargo / Publicado em 10 de dezembro de 2018
"É uma proposta curricular vazia e que permite tudo, flexibiliza tudo e obriga apenas Português e Matemática"

Foto: Beto Rodrigues/ Escola de Governo/ Divulgação

Gabriel: É uma proposta curricular vazia e que permite tudo, flexibiliza tudo e obriga apenas Português e Matemática”

Foto: Beto Rodrigues/ Escola de Governo/ Divulgação

A proposta de educação contida na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) abandona a estrutura do ensino nas disciplinas, conceito considerado essencial por especialistas, o que tem gerado críticas à reforma. Com isso, a proposta não contempla os itinerários formativos, que agora passam a ser escolhidos pelos estudantes. Aprovada no início de dezembro pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), a proposta deverá ser homologada pelo MEC na próxima sexta-feira. Os estados, que detêm a maior parte das matrículas do ensino médio, terão um ano para fazer o cronograma da implementação da BNCC e um ano para implementá-la, ou seja, o documento deverá chegar na prática, nas escolas, até 2021. Após a implementação, o documento será revisto em três anos, em 2023. Na prática, a BNCC define o conteúdo mínimo que será ensinado nessa etapa da educação básica em todas as escolas públicas e privadas do país. “Há um forte risco de que o ensino médio seja desqualificado ainda mais devido à extinção de disciplinas nesta fase de formação dos jovens, que precisam, sim, de disciplinas científicas como Física, Química, Biologia, Sociologia, História e outras para desenvolver uma base científica na sociedade brasileira”, critica o filósofo, doutor em Educação, professor e pesquisador da Feevale, Gabriel Grabowski, na entrevista a seguir.

Extra Classe – Qual a sua avaliação sobre o BNCC do ensino médio, aprovado no início deste mês pelo Conselho Nacional de Educação?
Gabriel Grabowski – Em primeiro lugar o CNE rompeu com sua própria história e tradição aprovando duas medidas – atualização da Diretrizes do Ensino Médio e a proposta de BNCC – de forma açodada, aligeirada, sem publicizar previamente os pareceres aprovados e sem construir um consenso com a sociedade e as entidades educacionais e científicas. Pior ainda, quando tais aprovações se dão no apagar das luzes de um governo impopular e sem legitimidade. Em segundo lugar, as audiências públicas que o CNE tentou discutir com a sociedade foram suspensas ou recheadas de críticas à proposta do MEC que foi referendada pelo conselho. Muitas entidades educacionais e científicas, como a SBPC, fizeram sugestões, críticas, que foram ignoradas.

EC – A reforma desqualifica o ensino médio?
Grabowski – Há um forte risco de que o ensino médio seja desqualificado ainda mais devido à extinção de disciplinas nesta fase de formação dos jovens, que precisam, sim, de disciplinas científicas como Física, Química, Biologia, Sociologia, História e outras para desenvolver uma base científica na sociedade brasileira. Os cinco itinerários são vagos, sem detalhamentos sobre os elementos curriculares necessários para orientar as escolas e sistemas de ensino. É uma proposta curricular vazia e que permite tudo, flexibiliza tudo e obriga apenas Português e Matemática. É muito pouco.

EC – A quem interessa essas mudanças?
Grabowski – Este tipo de reforma interessa submeter e alinhar ainda mais a educação a processos de desenvolvimento econômico, ao mercado e ao sucesso e desenvolvimento pessoal de poucos cidadãos que buscaram uma formação mais qualificada em instituições que permanecerão com uma educação básica qualificada e integral. Teremos vários “ensinos médio”, conforme renda, classe e condição socioeconômica dos estudantes. Desde o começo da BNCC, as Fundações empresariais – Lemann, Itaú, Bradesco, Airton Sena e outras – defendem justamente a diminuição do currículo, portanto, suas reivindicações foram chanceladas pelo CNE.

EC – Quais as consequências para o ensino privado?
Grabowski – As consequências precisam ser melhor estudadas e analisadas. Mas as Diretrizes e a BNCC induzem fortemente a parcerias entre público e privado, com financiamento de fundo público (Fundeb). Portanto, a precarização do currículo na escola pública, ataques a professores e a escolas, poderá beneficiar a oferta privada a médio e longo prazo.

"Desde o começo da BNCC, as Fundações empresariais – Lemann, Itaú, Bradesco, Airton Sena e outras – defendem justamente a diminuição do currículo, portanto, suas reivindicações foram chanceladas pelo CNE"

Foto: Ana Knevitz/Universidade Feevale

“Desde o começo da BNCC, as Fundações empresariais – Lemann, Itaú, Bradesco, Airton Sena e outras – defendem justamente a diminuição do currículo, portanto, suas reivindicações foram chanceladas pelo CNE”

Foto: Ana Knevitz/Universidade Feevale

EC – De que forma irá impactar na qualidade do ensino?
Grabowski – Toda reforma, especialmente curricular, tem reflexos. Neste caso, os reflexos deverão ser mais negativos que positivos. Espero estar equivocado. Mas quando especialistas das ciências da educação não são ouvidos, universidades são ignoradas, entidades científicas criticam, professores são alijados do processo e estudantes não são incorporados na elaboração, tudo indica ausência de confiança e legitimidade. Porém, o pior reflexo é a fragilização do currículo e da formação dos jovens, profissionalização precoce e desobrigação de imprescindíveis bases técnicas, científicas e humanas na educação básica.

EC – O CNE justifica que a BNCC permite que o ensino médio trabalhe melhor as diferenças regionais e individuais dos alunos…
Grabowski – Isto já era permitido, cada escola tem autonomia no Projeto Pedagógico e os professores das diversas áreas do conhecimento já fazem as relações entre local, regional e global. Não podemos esquecer e ignorar que os professores são formados em diversas ciências e as conexões fazem parte do estudo e da análise dos objetos de estudo na sua totalidade e nas suas interpelações. O que o CNE está permitindo é que estados, em crise financeira e fiscal, diminuam despesas com a educação, reduzindo currículos e precarizando a oferta de educação básica de qualidade, utilizando de todas as parcerias privadas possíveis. Educação básica deixa de ser direito para transformar-se promessa.

 

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