Pagamento de mensalidades nas federais saiu da pauta
Foto: Billy Boss/Câmara dos Deputados
Na tarde da quarta-feira, 24, representantes do movimento estudantil se reuniram com deputados na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados para debater a polêmica proposta que permite a universidades públicas cobrarem mensalidades de alunos.
Trata-se da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 206, de autoria do deputado General Pertinelli (PSL-SP).
A proposta é de 2019, mas só agora foi ressuscitada na Câmara pelo relator da matéria, o deputado Kim Kataguiri (União-SP) – membro do Movimento Brasil Livre (MBL).
O MBL é conhecido por defender pautas educacionais conservadoras, que vão na contramão do que pensa a maioria dos especialistas e entidades ligadas à educação.
Entre elas, a regulamentação da educação domiciliar, escola sem partido. O grupo também assume um perfil privatista dos serviços públicos ao defender interesses de mercado.
Não diferente dos outros temas, o pagamento de mensalidade em universidades públicas também se tornou alvo de acalorados debates nas redes sociais.
E isso se deu apenas uma semana depois que o projeto de lei que regulamenta a educação domiciliar foi aprovado na Câmara e seguiu para avaliação do Senado.
Pagamento em universidades federais
A PEC 206/19 determina pagamento de mensalidades nas universidades públicas.
A gratuidade seria mantida apenas para estudantes comprovadamente carentes, definidos por comissão de avaliação da própria universidade, com base em valores mínimo e máximo estabelecidos pelo Ministério da Educação.
Para o deputado General Peternelli (PSL-SP), autor da PEC, em sua justificativa, “a gratuidade atual gera distorções graves na sociedade, pois privilegia os alunos de família de maior renda, que estudam em escolas particulares”.
Para o general deputado, o gasto público nessas universidades é desigual e favorece os mais ricos e não seria correto que toda a sociedade financie o estudo de jovens de classes mais altas.
Ele embasou sua tese num estudo do Banco Mundial, divulgado em 2017, que também endossa as reformas trabalhista e previdenciária – já implementadas. O referido estudo recomenda, entre outras coisas, a cobrança de mensalidade nas universidades públicas “como forma de diminuir as desigualdades sociais no País”.
Banco Mundial considera muito os 0,7% do PIB para universidades
O Banco Mundial alega que as despesas com ensino superior são, ao mesmo tempo, ineficientes e regressivas e que uma “reforma do sistema” poderia economizar 0,5% do PIB do orçamento federal.
O Governo Federal gasta aproximadamente 0,7% do PIB com universidades federais.
No estudo – que é mais uma cartilha de orientações para reformas liberais do que propriamente um estudo –, o BM diz que numa análise de eficiência, aproximadamente um quarto desse dinheiro é desperdiçada.
Porém o documento não diz de que forma ocorre este desperdício nem detalha como foi feito o levantamento.
Outro ponto destacado pelo BM é que os níveis de gastos por aluno nas universidades públicas são de duas a cinco vezes maiores que o gasto por aluno em universidade privadas.
Assim, a limitação do financiamento a cada universidade com base no número de estudantes geraria uma economia de aproximadamente 0,3% do PIB.
A justificativa do BM está no seguinte dado, apesar de todos os estudantes de universidades federais se beneficiarem com a gratuidade, mais de 65% destes estudantes pertencem aos 40% mais ricos da população.
Subsídio regressivo
Na ótica do Banco, as despesas com universidades federais equivalem a um subsídio regressivo à parcela mais rica da população brasileira. Uma vez que diplomas universitários geram altos retornos pessoais “em termos de salários mais altos”.
Outra alegação é que, embora não especifique, a maioria dos países cobra pelo ensino fornecido em universidades públicas e oferece empréstimos públicos que podem ser pagos com os salários futuros dos estudantes.
Ainda, de acordo com a cartilha do BM, “o Brasil já fornece esse tipo de financiamento para que estudantes possam frequentar universidades 14 particulares no âmbito do programa FIES. Não existe um motivo claro que impeça a adoção do mesmo modelo para as universidades públicas”.
Assim, a extensão do FIES às universidades federais poderia ser combinada ao fornecimento de bolsas de estudo gratuitas a estudantes dos 40% mais pobres da população (atualmente, 20% de todos os estudantes das universidades federais e 16% de todos os estudantes universitários no país), por meio da expansão do programa Prouni.
Para o Banco Mundial, todas essas reformas em conjunto “melhorariam a equidade e economizariam pelo menos 0,5% do PIB do orçamento federal”.
Votação sobre pagamento de mensalidades foi retirada da pauta
A proposta estava prevista para votação na terça-feira, 24, mas foi retirada de pauta porque o próprio Kim Kataguiri, relator da PEC, não compareceu.
De acordo com a assessoria da Câmara, após muito debate, os deputados chegaram a um acordo e aprovaram um requerimento para a realização de uma audiência pública sobre o tema.
Com isso, não há previsão deste tema voltar à pauta da CCJ antes da realização de audiência, que ainda não tem data.
O que diz o relator
Em nota oficial, o relator da proposta, Kim Kataguiri, ressaltou que a análise na CCJ se limita à constitucionalidade do texto, o que limita seus poderes como relator de promover melhorias.
Ele também ressaltou que a votação na comissão de justiça é apenas o primeiro passo, uma vez que, se aprovada lá, a PEC segue para a análise de uma comissão especial.
Ainda segundo Kataguiri, hoje a chance de um estudante rico entrar na universidade pública é muito maior que a de um estudante pobre, ou seja, segundo suas palavras, o atual sistema “transfere o imposto do mais pobre para o mais rico”.
Outras formas
Segundo a deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), existem formas mais justas de garantir dinheiro às universidades públicas brasileiras do que recorrer ao pagamento de mensalidades das universidades federais.
“Nós precisamos especializar a tributação no país, taxar as grandes fortunas. Mas não é privatizando a universidade que você a fará melhor. Porque senão a maioria das escolas privadas seriam maravilhosas, teriam esporte, teria pesquisa, e não é a realidade das instituições privadas no Brasil.”
O deputado General Peternelli que o rebate o objetivo é garantir justiça social.
“Se a pessoa pode pagar, o reitor vai ter recursos principalmente para investir em ciência, tecnologia e qualidade daquele ensino. O rico vai estar pagando e o pobre não vai estar pagando, vai usufruir daquela proposta. Quem paga mais imposto é o pobre. É o dinheiro público, que a pessoa humilde pagou de imposto para financiar o curso de medicina do cara que vai estudar com um carro Mercedes”, defendeu o deputado.
Pagamento de mensalidades e SUS pago
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) disse que esse não é um movimento isolado. “Foi fartamente divulgado no último final de semana um documento feito por instituições, que atribuem ser vinculadas a organizações militares, e que apontam a necessidade de cobrança por serviços no Sistema Único de Saúde (SUS). Me parece que essa proposta, me perdoe General Peternelli, foi buscada nas catacumbas da ditadura militar.”
Para o deputado Fábio Trad (PSD-MS), a proposta de pagamento de mensalidades nas federais não faz sentido. “Não há qualquer sentido em tentar enfrentar o subfinanciamento do ensino público superior com a cobrança de mensalidades. Porque, se for essa a lógica, então vamos isentar de pagamento nas universidades particulares todos os alunos pobres também. No fundo estão tentando privatizar a universidade pública brasileira.”
Presidente da CCJ se explica
Diante da repercussão negativa, o presidente da Comissão de constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA) se justificou, dizendo que tem colocado em pauta as propostas sugeridas pelos partidos políticos, de acordo com o número de parlamentares que há na comissão.
“Eu não posso aqui colocar apenas os projetos que a oposição pede em detrimento de outros parlamentares nem vice-versa. Todos os projetos que forem encaminhados pelas bancadas nós temos que pautar. Claro que ninguém tem compromisso para votar, e tem todo o direito de ser contra ou a favor”, defendeu.