EDUCAÇÃO

Saúde física e mental dos professores no limite

Mais da metade dos professores do ensino superior questionados sobre como se sentem no retorno à presencialidade relataram uma piora nas suas condições de saúde no primeiro semestre deste ano
Por Gilson Camargo / Publicado em 10 de maio de 2022

Foto: Tania Rego/ ABr

Mais de 50% dos pesquisados consideram que houve acúmulo de atividades e de funções sem o respectivo acréscimo na sua carga horária semanal remunerada

Foto: Tania Rego/ ABr

Pesquisas realizadas com os professores do ensino privado gaúcho revelam dados alarmantes de adoecimento físico e mental, agravado pela pandemia e seus desafios em manter o processo ensino-aprendizagem, com efeito cascata na retomada da presencialidade. A sobrecarga de trabalho, em muitos casos não remunerada, e o policiamento e as cobranças constantes têm sido fatores de estresse, adoecimento e perda de interesse pela docência

Que a pandemia somou mais estresse à rotina dos professores do ensino privado, já não é novidade. O isolamento social e as novas exigências e desafios gerados pela súbita migração das salas de aula para o ambiente virtual precarizaram as condições de saúde desses profissionais, com dados alarmantes de adoecimento físico e psíquico. Cresceu a demanda dos alunos na web em um período de exceção da rotina escolar, as tarefas se multiplicaram, a carga horária encolheu, as pressões aumentaram.

Porém, como um efeito cascata, a sobrecarga, que levou a saúde dos educadores ao limite no auge da crise sanitária, só piorou quando da retomada das atividades presenciais a partir de agosto do ano passado.

Mais da metade dos professores do ensino superior questionados sobre como se sentem no retorno à presencialidade relataram uma piora nas suas condições de saúde no primeiro semestre deste ano.

A pesquisa Realidade Docente 2022, realizada pela consultoria FlamingoEDU para os sindicatos de professores (Sinpro/RS, Sinpro/Noroeste e Sinpro/Caxias), entre os dias 18 e 25 de março, por meio de 18 questões objetivas e subjetivas, teve a participação de 857 docentes da educação superior do ensino privado e comunitário gaúcho. Ela revelou que, para 54% dos professores, as suas condições física e mental pioraram ainda mais no primeiro semestre de 2022, em comparação a 2021.

SEM REMUNERAÇÃO – A sobrecarga de trabalho vinculada à sala de aula e trabalhos sem remuneração são evidenciados nas respostas. Mais de 50% dos pesquisados consideram que houve acúmulo de atividades e de funções sem o respectivo acréscimo na sua carga horária semanal remunerada. Entre os que produziram conteúdo para disciplinas EaD, 52% não receberam qualquer remuneração pelo material.

A realidade na educação básica não é diferente. “As queixas e dúvidas que antes eram, em sua maioria, de ordem trabalhista, com a pandemia passaram a se igualar aos relatos de cansaço e estresse”, relata Erlon Schüler, diretor do Sinpro/RS e integrante do Núcleo de Apoio ao Professor Contra a Violência (NAP). “É comum ouvirmos dos profissionais que estão a ponto de pedir demissão, que relutam diariamente a voltar para a escola, pois a pressão das tarefas em aula é cada vez maior. O policiamento constante ao trabalho soma-se à carga de afazeres que é contínua e segue em casa.”

De acordo com o dirigente, as instituições abordadas pelo NAP declaram que estão sempre de portas abertas para receber os professores com dificuldades. “Mas, na prática, vemos docentes amedrontados, com pouco reconhecimento de sua dedicação e muita cobrança com prazos, muitas vezes, exíguos”, ilustra.

DISTÚRBIOS MENTAIS – A pesquisadora e professora de Psicologia da Feevale, Carmem Giongo, que, em outubro de 2021, coordenou a pesquisa As transformações provocadas pela pandemia do novo coronavírus no trabalho e na saúde mental dos docentes, assegura que a sobrecarga de trabalho e a precarização dos contratos de trabalho têm gerado sérios sintomas de distúrbios na saúde mental dos educadores.

“Os professores declaram estar dormindo menos, comendo mais, se sentindo mais preocupados, com dificuldades de planejar o futuro e de oferecer suporte às pessoas”, explica.

Esse cenário representa, segundo ela, um importante risco para o desenvolvimento do burnout, um tipo de doença mental caracterizada pelo estresse crônico. “Um dado bastante alarmante é que 40% dos professores participantes da nossa pesquisa declararam que passaram a repensar a escolha profissional em função da sobrecarga vivida”, aponta.

Carmem, que tem doutorado em Psicologia Social e Institucional pela Ufrgs, diz que o dado sobre o elevado índice de professores que passaram a repensar a escolha profissional representa muito bem esse processo.

“Aspectos relacionados ao assédio moral organizacional, à precarização dos contratos de trabalho, à sobrecarga laboral, aos impactos psicológicos gerados pela crise pandêmica e à crise vivenciada na educação como um todo no Brasil contribuem para o sentimento de desesperança e desamparo desses profissionais”, argumenta.

Burnout, exaustão emocional na docência

A psicóloga e consultora em Gestão de Pessoas Melina Berthier Bandeira Pankush afirma que a pandemia gerou um estado de angústia coletiva, cujos principais sintomas podem ser apontados como apatia, irritabilidade, distúrbio de apetite, insônia, sensação de cansaço. Um estado emocional que atingiu em cheio os professores devido às peculiaridades da profissão, segundo ela.

A substituição da modalidade de aulas presenciais pela on-line ocasionou uma diminuição da carga horária com um aumento da carga de trabalho, que também gerou aumento da ansiedade e do estresse.

“Os professores tiveram que desenvolver novas habilidades em um curto espaço de tempo. O trabalho, muitas vezes, num ambiente improvisado que precisava ser conciliado com as rotinas domésticas e com as necessidades da família e, na sua grande maioria, sem receber o suporte adequado por parte da instituição”, lamenta.

Graduada em Psicologia pela Universidade de Passo Fundo (UPF), com pós-graduação em Gestão de Equipes de Alto Desempenho pelo Senai/SC e especialização em Gestão de Pessoas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Melina lembra que, com a pandemia, enquanto as atenções de algumas pessoas se voltaram para os impactos da economia, outras se focaram na saúde mental que foi tão impactada quanto a economia no mundo inteiro, em todos os setores.

Fatores como as cobranças administrativas, a falta de preparação para essas transformações, a tecnologia, geraram graves problemas para a saúde física e mental desses educadores. “Diante da necessidade de se reinventar, os professores tiveram a sua saúde abalada por esses desafios que foram impostos dentro de um determinado cenário, mantendo, obviamente, o mesmo resultado”, constata Melina.

NO LIMITE – Em todas essas alterações e adaptações, esclarece a psicóloga, surgiu o que a Organização Mundial da Saúde, a partir deste ano, classificou como doença ocupacional, que foi a síndrome de burnout. “O termo burnout significa aquilo que deixou de funcionar por completa falta de energia e, simbolicamente, é aquilo ou aquele que chegou ao seu limite, com grande comprometimento físico ou mental.”

O processo se inicia com prolongados e excessivos níveis de estresse, uma tensão muito grande no trabalho. “Os principais fatores para desenvolver o burnout são o excesso de burocracias, a falta de autonomia, a falta de confiança, a impossibilidade de crescimento e de uma melhora na sua remuneração e o acúmulo de tarefas por uma mesma pessoa”, resultando em sintomas como desesperança, solidão, depressão, raiva, irritabilidade, tensão, dores de cabeça, tensão muscular, distúrbios do sono.

“É o afeto convertido em dor física, ou seja, quando a gente tem alguma questão vinculada aos nossos pensamentos, aos nossos sentimentos que são reprimidos, a gente tende a manifestar isso em uma dor física.”

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