GERAL

E agora, Fernando?

Da redação / Publicado em 24 de setembro de 1999

Multidão nas ruas de Brasília protesta contra a política econômica do governo e pede a renúncia de FHC

Foi uma multidão, que variou das 60 mil (na avaliação da Polícia Militar de Brasília) a 130 mil pessoas (na avaliação dos organizadores). O número não importa. O fato é que milhares de pessoas se reuniram em Brasília no ensolarado dia 26 de agosto para pedir o fim da política econômica recessiva e a renúncia do presidente Fernando Henrique Cardoso. Foi a maior manifestação contra o atual presidente em cinco anos de mandato, justamente quando ele chega a seu mais baixo índice de popularidade (menos de 50%). No auge do processo de impeachment contra o ex-presidente Fernando Collor, 25 mil estudantes ocuparam a Esplanada dos Ministérios para apoiar os trabalhos da CPI do Orçamento.

Como manifestação, não há dúvida que esta foi uma das maiores que a capital do país já viu. “Que FHC e sua corja jamais ousem duvidar da capacidade de organização da sociedade”, vociferou um animado Luis Inácio Lula da Silva em meio à multidão. O sucesso da Marcha dos Cem Mil, organizada durante quatro meses pelaCentral Única dos Trabalhadores (CUT) com apoio de partidos de oposição, provocou uma onda de novas manifestações contra o governo. “Temos de fazer milhares de atos como estes até tirar essa gente do poder”, disse Lula. O calendário firmado na Marcha prevê a proposta de uma greve nacional marcada para 8 de outubro. “Eu estou solidário com tudo o que se fizer contra este governo. O que o Brasil precise e reclama é a renúncia do presidente”, disse Leonel Brizola, presente ao ato.

Não foi a única manifestação do dia pedindo o afastamento do presidente. O senador Roberto Requião (PMDB) disse que FH não manda mais no país. “Somos governados pelo Banco Central e pelo Armínio Fraga (presidente do BC)”, atacou o senador. A Marcha custou cerca de R$ 2 milhões aos organizadores, incluindo aí transporte, alimentação, propaganda e estrutura de som e palanque. Foram alugados 1.833 ônibus para transportar os manifestantes até Brasília. O governador gaúcho Olívio Dutra foi o único a comparecer no ato de oposição ao governo. Ele disse que estava na Marcha representando o povo gaúcho. Nas duas eleições presidenciais em que foi eleito, FH perdeu no Rio Grande do Sul. O governador Itamar Franco, de Minas Gerais, disse de Belo Horizonte que o ato deve servir de lição ao governo. “A partir dessa marcha, espero que o governo possa atentar que hoje está indo contra os interesses da maioria, que ele está desnacionalizando o país, levando a uma política recessiva”, disse.

O presidente não falou sobre o protesto. Deixou a missão de minimizar o ato para o presidente do Congresso, senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). “Foi um fracasso. Não tinha 30 mil pessoas aí”, decretou ACM. Segundo ele, os organizadores da marcha erraram ao pedir a renúncia ou o afastamento do presidente Fernando Henrique Cardoso. “Aposto que a popularidade do presidente vai crescer em função desse insucesso”, previu. Dez dias depois do ato, no entanto, os descontentes com os rumos do governo continuavam sendo maioria entre os brasileiros: segundo o Ibope, 52% da população considera a gestão de FH ruim ou péssima.

Artigo*

Teus filhos não fogem à luta…

Ao submeter o país à política neoliberal, FHC encurralou o Brasil numa brutal crise econômica. Promoveu a desestruturação produtiva e um endividamento sem igual. A recessão se aprofunda, enquanto o desemprego atinge o seu recorde histórico. Somente na grande Porto Alegre são mais de 300 mil. O país está prisioneiro do capital especulativo globalizado. Os banqueiros auxiliados pelo governo federal (US$ 20 bilhões) declaram lucros históricos.

O governo FHC liquidou 76% do patrimônio público em nome de investimentos na área social (saúde, educação etc.). O ensino público abandonado sofre com a diminuição de recursos, não há política agrícola e agrária, arrocho ao funcionalismo, juros altos, aumento das tarifas, pedágios, saúde às traças. Enfim, um verdadeiro desmonte da nação.

Nem mais as imensas concessões fisiológicas colam a base governista, que em nome da sobrevivência política aparecem com discursos de oposição. Até a mídia, especialmente os grandes grupos de comunicação, tenta disfarçar a crise, quer sustentar o mandato de FH sem o entusiasmo com que o fizeram em 1994.

Acontece que no Brasil há uma sociedade civil forte, consciente e organizada, e isto está a definir novos rumos para o Brasil. A Marcha do Cem Mil é a demonstração cabal desta realidade. A indignação é grande e será maior ainda se as coisas não mudarem, o que é pouco provável. A marcha foi o protesto daqueles que querem um projeto nacional soberano. Fundou uma escola que propõe matricular todo o cidadão que quer mudanças, terra, trabalho e um futuro melhor para seu país. Esta marcha foi apenas o início, outras acontecerão; vem aí o Grito dos Excluídos, o Ato em Defesa da Saúde Pública, Greve Nacional dos Metalúrgicos, a Marcha dos Sem Terra, atos que mostram o grau de desgaste deste governo.

O que surpreende é que o ato, contundente e ordeiro, foi interpretado como um movimento golpista, uma ofensa à democracia. É importante observar que em momentos de tão baixa popularidade os oportunistas começam a desembarcar do projeto neoliberal para disputar espaço ou propor velhas fórmulas já conhecidas. Está em curso um período de turbulência em que as lutas sociais deverão estar acompanhadas de muita serenidade.

O grande desafio é barrar este processo de desconstrução nacional promovido por FHC e pela estratégia neoliberal e acumular forças no sentido de buscar alternativas que resgatem a dignidade humana a ética e a justiça social e se construa um Brasil para todos os brasileiros.

*Amarildo Pedro Cenci é diretor do Sinpro/RS

Comentários