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Enquanto a unha não cresce

Publicado em 27 de agosto de 2001

Mário Prata

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Mário Alberto Campos de Morais Prata nasceu em Uberaba (MG), no dia 11 de fevereiro de 1946, cronista, dramaturgo, escritor. É autor da novela Estúpido Cúpido e da peça de teatro Besame Mucho entre ouras; frequenta as listas dos mais vendidos sempre que tem seus livros lançados. Os mais recentes, Os Anjos de BadaróMinhas mulheres, meus homens e Minhas Tudo, não foram exceções. No final de agosto estará no Rio Grande do Sul, mais precisamente em Passo Fundo, como painelista da 9ª Jornada de Literatura, onde falará sobre sua experiência como escritor.

Mário cresceu em Lins, interior de São Paulo, onde começou a escrever aos 10 anos de idade na Remington do pai. Eram crônicas, as quais ele próprio se refere como horríveis. Nesse período de sua vida era o redator do jornalzinho de sua classe na escola. Logo começou a escrever a coluna social da Gazeta de Lins. Adolescente, devorava o que lhe caia nas mãos, em especial as principais revistas da época O Cruzeiro e Manchete, que tinham um time de cronistas invejáveis como Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Henrique Pongetti, Rubem Braga, Millôr Fernandes e Stanislaw Ponte Preta, dos quais herdou estilo e influência.

Aos 16 anos recebeu um convite de Roberto Filipelli, que foi depois diretor da Globo em Londres, para fazer com ele o Jornal do Lar. Samuel Wainer, logo recrutou Mário para escrever no jornal Última Hora. Desde que assumiu a careira de escritor conheceu o sucesso com diversos livros, novelas, peças, roteiros, etc., tendo sido agraciado com vários prêmios nacionais e internacionais. Atualmente mora em São Paulo e diz que gosta de escrever de manhã e “careta”, uma herança adquirida nos tempos em que trabalhou no Banco do Brasil. Escreve, semanalmente, na revista IstoÉ e no jornal O Estado de São Paulo e prefere as entrevistas por e-mail por considerar mais divertido.

Extra Classe – No seu livro 100 Crônicas, em um de seus textos você criou uma etapa da vida chamada envelhescência. Poderia nos explicar melhor do que se trata. Você é um envelhescente? Como percebeu isso?
Mário Prata – Eu acho que a própria crônica se explica. Ou não? Na verdade, a gente fica é adiando a velhice. Agora, por exemplo, que sou um cinquentão, tudo bem. Mas daqui a poucos anos serei um sexagenário. Esta palavra é horrível. Tem alguma coisa com sexo, com incapacidade sexual. Estou pensando em inventar uma palavra nova para quando chegar lá. Alguma coisa como sessentão, sessentinha, por aí. Quando eu era garoto um sujeito da minha idade era um velhinho. Já era avô. Bem, eu só não sou avô ainda porque os filhos não quiseram. Mas falando sério, acho mesmo que existe uma etapa entre a maturidade e a velhice. Dei o nome de envelhescência. E, nesta etapa da vida, a gente fica mesmo parecendo adolescente. Até espinha na bunda, pinta.

EC – Teus últimos livros partem de uma insólita viagem ao redor do próprio umbigo para falar de coisas comuns a quase todo mundo. Como sugiram as ideias destes livros?
Mário – Em primeiro lugar o umbigo é comum a todos nós. Nunca conheci alguém que não tivesse pelo menos um umbigo. Estes últimos livros, quase todos eles de textos curtos, são sobre as bobagens, as banalidades que estão diante da gente e a gente nem percebe. Quando eu escrevo algo assim, todo mundo diz: mas é claro. Acho que todo escritor, enquanto artista, tem a capacidade de enxergar primeiro. Enxergar o óbvio. E quando eu mostro um negócio que está na cara dele, ele acho que eu sou um gênio. Mas o gênio é ele, o leitor. Só ofereço o espelho.

EC – Teu trabalho tem boa aceitação no mirrado mercado editorial brasileiro. Você atribui essa aceitação às sacadas espertas e o domínio do texto ágil, ou à identificação das pessoas com um escritor que não tem vergonha de expor a si e a intimidade do próprio leitor por tabela?
Mário – Acho que a sua pergunta é a minha resposta. Sacar, agilizar, identificar e ter intimidade. No caso o mais difícil é o texto que você chama de ágil. Não é um trabalho fácil. Levei quarenta anos para chegar a ele. É cheio de técnicas. E o leitor fica com a impressão que eu estou falando com ele, no ouvido dele. Mas isso dá um trabalho desgraçado. Um trabalho muito gostoso, tenho que acrescentar.

EC – Os Anjos de Badaró, escrito aos olhos do público via internet, te proporcionou um contato direto com os leitores. Poderia explicar para nossos leitores o que foi esta experiência. No que resultou. Houve interferência do público no teu processo criativo?
Mário – O que aconteceu de mais interessante na escrita do Badaró foi os leitores (média de 2.500 por dia) perceberem que o escritor é um ser normal, igual a eles. Acho que quebrei – para eles – aquele mito da inspiração, das musas, de raios saindo pela cabeça. Eles ficavam impressionados porque todo dia eu me sentava aqui e trabalhava. É incrível, porque ninguém pergunta para um médico se ele trabalha todo dia. Acham normal. Não existe inspiração. Existe ideia. Às vezes uma ideia dá uma crônica. Ou um livro, uma peça de teatro. É a melhor parte do trabalho: quando se tem a ideia. E ela nunca aparece quando eu estou no micro. Aparece sem avisar, me cutucando, dizendo: olha eu aqui. Dependendo da ideia até agradeço a ela, pois sei quantos reais ela vai me dar, quantos leitores ela vai cativar. Escritor também gosta de viver bem… Quanto à interferência, houve sim. O livro era para ser muito mais policial do que romântico. Mas as meninas que acompanhavam foram forçando a barra e o livro acabou virando uma história de amor.

EC – Você pretende repetir este tipo de experiência até certo ponto interativa com os leitores?
Mário – Não. Dá um trabalho desgraçado.

EC – Como as novas tecnologias podem mudar a nossa cultura de texto?
Mário – Nunca, em tempo algum, os jovens brasileiros escreveram e leram tanto como hoje, pela internet. Quando uma mãe diz que o filho fica o dia inteiro no computador, ele está lendo ou escrevendo, depois de ver umas mulheres peladas por dez minutos. Ou seja, os jovens estão exercitando a nossa língua. Outro dia, num sábado, tinham 200 mil jovens em chats. Você pode ter certeza que um por cento disto (2.000), se quiserem, serão escritores. E estão lendo e escrevendo sem ser uma ordem dos pais ou uma obrigação da escola. Estão descobrindo o texto, a leitura e a escrita. Vários escritores sairão da internet. E não o contrário, nós entrarmos lá.

"Daqui a poucos anos serei um sexagenário. Esta palavra é horrível. Tem alguma coisa com sexo, com incapacidade sexual..."

“Daqui a poucos anos serei um sexagenário. Esta palavra é horrível. Tem alguma coisa com sexo, com incapacidade sexual…”

EC – Em que segmento da literatura brasileira você enquadraria o teu trabalho em livro? Você considera o texto bem humorado uma boa porta de entrada para novos leitores?
Mário – Não sei em que segmento. Humor, talvez. É uma boa maneira de se chegar ao leitor. Principalmente os novos leitores, que possam ter a falsa ideia que ler é chato.

EC – O que te motiva a escrever? O compromisso com a editora ou a consciência de que está diante de uma boa ideia.
Mário – Bem, é a minha profissão. Larguei tudo há trinta anos, achando que poderia viver disto. E tem dado para quebrar o galho. Escrever para mim é um prazer muito grande. Jamais pensei, como outros profissionais, em aposentadoria. Acho que quanto mais maduros ficamos, nos tornamos mais próximos dos leitores. E quando vem a famosa boa ideia, paro tudo, fico tendo quase que um orgasmo com ela. Até ficar bem íntimo dela, saber tudo dela. Dominar a danada.

EC – Você já esteve alguma vez na Jornada de Literatura de Passo Fundo? Que tipo de importância você atribui a esse tipo de evento, ou melhor, a este evento em si?
Mário – Nunca estive em Passo Fundo, mas é como se já estivesse. Tenho muitos amigos que já foram várias vezes. Este foi o terceiro convite. Não pude ir nos outros. Tenho certeza que é o maior (e melhor) encontro de escritores do Brasil. Estou curioso.

EC – Sobre o que você vai falar? Dá para antecipar alguma coisa do que as pessoas vão ouvir em Passo Fundo?
Mário – Vou falar justamente sobre o ofício do escritor. Derrubar a ideia antiga que se tem dos escritores. Quero dizer que somos absolutamente normais, apesar que não ser qualificados no imposto de renda. Lá, somos assemelhados. Pode? Talvez eu fale também de um projeto de uma faculdade de escritor. Uma ideia que venho alimentando com carinho. E antes que alguém diga que é muita pretensão minha querer ensinar os outros, já vou avisando que quero fazer esta faculdade para estudar nela.

EC – Quem foram os autores que mais te influenciaram? De que forma isso ocorreu?
Mário – Passei toda a minha infância e adolescência numa pequena cidade do interior paulista, Lins. Não tinha livros lá. Em compensação chegavam as revistas Cruzeiro, Manchete e o jornal Ultima Hora. E, para sorte minha, os maiores cronistas brasileiros chegavam com estas revistas. Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Fernando Sabino, Henrique Pongetti, Nelson Rodrigues, Millôr Fernandes, Stanislaw Ponte Preta. Foram eles que me fizeram cronistas. Além do Campos de Carvalho é claro. Que, por sinal, era meu primo.

EC – Tanto em novelas como Estúpido Cúpido, como em tua literatura, sempre ficamos com a sensação de uma carga autobiográfica forte. Essa impressão é verdadeira? Se é, você faz isso de forma consciente desde o início? Como funciona teu processo de filtragem destas verdades tuas em um trabalho de ficção?
Mário –Tem muito de autobiográfico, sim. Mas acho que não é uma autobiografia minha, pessoal, e sim de toda a minha geração. O pessoal que nasceu nos anos 40 e entrou na década de sessenta (a que mudou tudo) com 14 e saiu com 24. Tudo que aconteceu de importante no século XX, foi nesta década. Em termos artísticos, científicos e políticos. Religiosos, também. Isto marcou muito a minha geração.

EC – Tuas entrevistas e teus textos passam uma ideia de pessoa descontraída e de bem com vida. De alguém que vê as coisas sem muita complicação. É assim mesmo, ou essa é a imagem que você gosta de mostrar? Por outro lado, também deixa transparecer uma certa “aura” de operário do texto, de seriedade no trabalho. De alguém disciplinado e que gosta muito do que faz. É isso mesmo, ou é tudo bobagem e especulação de entrevistador babaca?
Mário – Concordo com tudo isso. Sou um cara simples e sério, quando se trata de trabalho. Tua pergunta é um resumo de mim mesmo. Nada de babaquice, cara.

EC – Quais são teus projetos em andamento? Dá para falar?
Mário – Estou participando de um projeto da Editora Objetiva, chamado Cinco Dedos de Prosa. Com mais Verissimo, Cony, Fernanda Young e Manoel Carlos. Cada um escreve sobre um dedo. O meu é o mindinho. Estou sabendo tudo sobre o mindinho. Você sabe, por exemplo, porque tem uns caras que deixam a unha da mindinho crescer? Eu sei… E posso te garantir que não é para limpar nem o nariz nem a orelha. Me aguarde.

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