GERAL

Por um Brasil de Alma Grande

César Fraga / Publicado em 16 de setembro de 2004

Carlos Lessa é economista e também professor licenciado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde foi eleito reitor pouco antes de ser convidado a assumir o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). Na ocasião, optou por aceitar o convite do Presidente da República e hoje está à frente do segundo maior banco de desenvolvimento do mundo, acima no ranking, inclusive, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A estimativa é de que, em 2005, as aplicações do banco superem os 60 bilhões, o que pode colocá-lo à frente do Banco Mundial. Se isso ocorrer, o BNDS praticamente terá triplicado a sua capacidade de fomento desde o início do Governo. Lessa se diz neonacionalista e neopopulista e apresenta esses números como resposta aos que criticaram a escolha de um professor para um cargo que foi ocupado anteriormente por pessoas ligadas ao mercado financeiro. Ele atribui ao otimismo de sua equipe e à ousadia o fato de ter alcançado o maior lucro bancário do país e o maior da história do Banco. Se diz cansado de ser acusado por setores da imprensa por ineficiência. “E estamos atingindo essas marcas recuperando esqueletos das privatizações feitas em outros governos”, alfineta. Lessa esteve em Porto Alegre em agosto para participar do seminário Desenvolvimento Econômico e o Papel do Estado, promovido pela CUT, Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania (Cives), Centro de educação Popular (Camp) e Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS). Na ocasião, concedeu ao Extra Classe a entrevista que segue.

EC – Como foi assumir o BNDES, vindo de uma trajetória acadêmica?
Carlos Lessa
– Herdamos um banco cheio de problemas que vinham desde a década de 90. A gestão anterior foi tecnicamente pouco responsável e acumulou uma quantidade imensa de inadimplentes. Para não declarar a inadimplência, as dívidas foram roladas para não reconhecer a perda. Na ocasião, fui criticado por montar minha diretoria basicamente com professores. Houve quem dissesse que não saberíamos gerir bancos. O mais engraçado é que quem disse isso está sendo indiciado pelo ministério público por ter gerido bancos de forma que o MP não considera conveniente. Não vou nominar a pessoa, mas parte da imprensa comprou a idéia.

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Foto: Inês Arigoni

Foto: Inês Arigoni

EC – O senhor está satisfeito com os atuais patamares de investimento na produção?
Lessa
– Crescimento de produção leva, na sua continuidade, a uma retomada do investimento. O crescimento que houve até agora ainda não produziu as decisões de investimento de que nós gostaríamos. Por exemplo, as pequenas e médias empresas estão aumentando suas solicitações junto ao BNDS e possuem em seu conjunto um comportamento muito afirmativo. Neste ano, estamos projetando um crescimento acima de 40% nas operações do Banco, com pequenas e médias empresas.

EC – Quanto esse setor da economia representa na carteira do banco?
Lessa
– Cerca de 35% do total das nossas aplicações, o que representa mais de 15 bilhões em financiamento, que é, na verdade, investimento.

EC – E as grandes empresas?
Lessa
– Pois é. As grandes ainda estão muito retraídas, mas não em todos os setores. Os ramos de papel e celulose, construção naval (o Brasil está voltando a ser o segundo maior produtor mundial de navios), cadeia do petróleo e transporte ferroviário estão com um desempenho bom.

EC – Há motivo para essa retração?
Lessa
– Não vejo como retração, mas como uma timidez, vamos dizer assim. Quando a pequena empresa percebe que a economia está dando sinais de crescimento, ela procura se expandir. Existe um motivo prático para isso: essa empresa não é tão pressionada pelo mercado, pois, pelo seu tamanho, sempre tem condições de encontrar uma brecha. Já a grande empresa, das duas, uma: se ela se endividar para realizar um projeto, precisará ter certeza de que a economia vai crescer; caso contrário, ela já ficará com uma planta ociosa. Hoje a grande indústria no Brasil ainda está com capacidade ociosa em muitos setores. Vamos usar o exemplo do cimento, que ocupa menos de 80% de sua capacidade. Esse setor vai precisar que a construção civil se reative, que as obras de infra-estrutura sejam confirmadas e que o poder de compra das pessoas aumente para comprar “formiguinhas” (em pequenas quantidades).

EC – Quais os setores com maior capacidade ociosa?
Lessa
– Tecidos, ramo mobiliário, cimento, segmentos da indústria mecânica. Só temos esse levantamento por setor.

EC – Então o Brasil tem recursos para investir em produção e o que faltam são projetos?
Lessa
– Projetos entram no BNDES o tempo todo. O problema não é esse. O que queremos é provocar uma avalanche. Mas eu sou um otimista. No ano passado, nosso orçamento foi de 33 bilhões. Nós aumentamos, neste ano, para 48,3 bilhões. Estamos apostando que o Brasil vai crescer. Para o ano que vem, a estimativa é de 60 bilhões.

EC – Qual a capacidade ociosa do BNDES?
Lessa
– (risos) É zero. Vou explicar. O meu vice-presidente diz o seguinte: “financiamos de um alfinete a um foguete”. O BNDS não é uma unidade fiscal, ou seja, não trabalha com verba. Temos uma captação de recursos, uma geração de recursos e uma previsão do que vai ser feito. Agora, não adianta eu dizer que quero namorar a Fulana. É preciso que ela também queira me namorar. É esse o caso.

EC – O que o senhor considera uma taxa de crescimento plausível?
Lessa
– Se você quer saber de que taxa eu gosto, digo que é da de 7% ao ano. Pois essa foi a taxa de crescimento do país durante quase 50 anos. No século passado, por exemplo, o Brasil foi o país que teve a segunda melhor média de crescimento, perdendo apenas para o Japão.

EC – O senhor parece mais do que otimista.
Lessa
– Há poucas semanas, o presidente Lula lançou a campanha dos meus sonhos, que pretende estimular a auto-estima dos brasileiros. Para justificar minha posição, vou parafrasear o poeta Fernando Pessoa: “Nada vale à pena quando a alma é pequena”. O que eu quero dizer com isso? Quando você acha que não pode, você não faz. Mas o contrário também ocorre. É preciso, antes de mais nada, querer e acreditar.

EC – Mas não há um tom de populismo nesse discurso, que é o mesmo do Governo? Afinal, conjuntura internacional também influi na capacidade de crescimento?
Lessa
– (irritado, em voz alta) Ora bolas, há, sim, um pessimismo excessivo e um discurso derrotista de alguns segmentos e que reverberam isso pela imprensa há muito tempo. Precisamos entender corretamente como as coisas funcionam. Qual é a maior empresa brasileira? A Petrobras. Nos anos 50, as “Cassandras” diziam que o Brasil não podia ter uma indústria de petróleo. Os motivos alegados eram os seguintes: não tínhamos engenharia, operários qualificados, indústria com competência para satisfazer os padrões mínimos de qualidade; não havia mercado externo para consumir nosso produto nem mercado interno que absorvesse a produção. Quando a campanha “O petróleo é nosso” foi para a rua, o congresso da época, que era extremamente conservador, aprovou o monopólio nacional do petróleo. E o que temos 50 anos depois? Simplesmente a maior empresa brasileira. Qual a diferença com o início da Petrobras e sua história recente? É que Getúlio Vargas teve a coragem de empurrar pra frente a empresa, e Fernando Henrique, há pouco tempo, quis mudar o nome, além de esquartejá-la e vendê-la. O que eu tenho a dizer com isso é o seguinte: nós, que presenciamos essa história, e os que estão chegando agora não temos o direito de ter dúvida quanto à capacidade do Brasil, pois, caso contrário, as próximas gerações viverão em um país de “merda”. E é isso que o presidente Lula, de forma mais polida, está dizendo com a campanha de auto-estima.

EC – E a questão dos juros, que a equipe econômica e o Banco Central insistem em manter altos. O senhor, dentro dessa perspectiva otimista, ainda acredita, como em diversas declarações suas anteriores, que possam realmente baixar?
Lessa
– Tenho absoluta certeza de que a TJLP pode baixar. Condições para isso existem. Continuo invocando o Fernando Pessoa. Nesse ponto, eu tenho um certo voluntarismo e continuo apostando no Brasil. Até porque não tenho e não quero ter outra opção. Meus netos são brasileiros. Eu nasci aqui. Não posso trocar de país. Esse é o discurso do não pode, não dá… Não sei mais o que é que não tem mais cabimento. (muito irritado)

EC – Como o senhor vê a questão das cooperativas?
Lessa
– A legislação brasileira, para lidar com esses casos, é uma verdadeira pedreira. Está se tentando melhorar com Lei de Falências. A legislação atual é uma verdadeira tragédia, pois, entre o momento em que a empresa passa a não funcionar mais até o momento em que se resolve a falência, há um intervalo de tempo gigantesco em que a empresa se destrói completamente. Com isso, se perdem muitas unidades produtivas que poderiam passar para o controle dos funcionários, o que ocorre somente em alguns casos. Nenhum país pode sucatear unidades produtivas. Os maus empresários é que devem ser afastados, mas esse afastamento não pode significar a destruição da empresa. Uma das fórmulas é a da autogestão que pode se dar de várias formas, mas todas elas formam um aprendizado que tanto esses novos protagonistas quanto o BNDES estão começando a trilhar. Estamos muito satisfeitos de, no ano passado, termos resolvido o caso da Conforja, que deu origem a Uniforja, uma empresa metal-mecânica que estava falida e passou para o controle dos trabalhadores e que deverá faturar 150 milhões de reais já no ano que vem. Um exemplo de cooperativa aqui no estado é a Aurora, na área vinícola, que mostra a olhos vistos a viabilidade. Existem vários casos bem-sucedidos. O BNDS quer ser parceiro desses novos protagonistas.
EC – Onde o senhor considera que a auto-estima do brasileiro ficou mais prejudicada?
Lessa
– Para a minha geração, ficou o hábito de ver o Brasil ser a oitava economia industrial do mundo. Não posso admitir a idéia de que o país não tem jeito. Infelizmente a alma das novas gerações foi marcada pelos “Fernandos”. Começou com o Collor dizendo que nosso automóvel era uma carroça. Nossa indústria automobilística sempre foi motivo de orgulho. Com ele, o país acabou conhecendo a corrupção em uma escala monumental. Depois, veio o Fernando Henrique, que se elegeu duas vezes. E nessa década de FHC, a alma brasileira foi dilapidada. Prevaleceu o discurso do “não podemos ser protagonistas por causa da globalização que determina um outro caminho, e esse outro caminho é dissolvam-se no mundo. O que é isso? (muito enfático)

EC – O senhor se considera um nacionalista?
Lessa
– Sim, na verdade me considero um neonacionalista. Aliás, eu acho que, fora da nação, não tem salvação. Além do povo, não existe mais nada. Portanto, isso me faz também um neopopulista. A nação é o povo.

Extra Classe – Existe um programa de socorro às companhias aéreas, em especial à Varig? Há muita gente criticando essa possível ajuda do governo à empresa.
Carlos Lessa
– Não há programa nenhum. No entanto, não se pode misturar alhos com bugalhos. Nenhum governo pode virar as costas para a aviação, principalmente o brasileiro. Temos uma extensão territorial imensa e mais de 160 aeroportos organizados. Além disso, precisamos de dólares, e a aviação comercial brasileira gera alguma coisa em torno de 1 bilhão de dólares por ano. Então, isso torna evidente que o setor é matéria de Estado. Inclusive o setor é tão importante que as coisas ligadas à aeronáutica são tratadas e coordenadas pelo ministério da Defesa, inclusive porque o Brasil possui um regime muito inteligente, pois os aeroportos brasileiros são civis e militares, o que permite um conjunto de operações muito mais eficiente como um todo.

EC – Qual a extensão da crise neste setor?
Lessa
– As empresas aéreas brasileiras, de um modo geral, estão vivendo uma situação muito problemática. E obviamente a mais problemática de todas é a Varig, pois ao longo de anos acumulou um passivo colossal. Uma companhia de aviação não consegue voar com esse peso. Então, o problema do governo é o seguinte: o país não pode abrir mão de sua aviação civil. E dadas as condições das empresas do setor e da maior delas, inclusive com uma imagem internacional a zelar, o problema é difícil de equacionar. O Brasil não pode abrir mão de ter uma frota de aviação comercial robusta. Isso é estratégico.

EC – Quanto tempo o senhor acha que levará para ter uma definição sobre o assunto?
Lessa
– Impossível calcular. Pessoalmente, gostaria que ocorresse uma definição até o final do ano, pois muitas situações desagradáveis já começam a ocorrer nos aeroportos devido a não-equalização desta questão. Há um excesso de cancelamento de vôos e atrasos. Isso não tem sido noticiado, mas é reflexo da crise do setor. O problema é na quantidade e na idade do equipamento. A frota está velha também. Mas o BNDES não é credor dessas companhias e nem tem capacidade de decisão. Essa é uma decisão de governo. Inclusive, o potencial de risco do BNDES nesse setor é muito pequeno, diria até que representa uma “mixaria” no conjunto das carteiras do Banco. (N.E. – Posteriormente a essa entrevista, o presidente do BNDES admitiu à imprensa que até o final de outubro seria anunciada pelo governo uma posição.)

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