GERAL

Pesquisa eleitoral em debate

César Fraga / Publicado em 15 de dezembro de 2004

Espera-se muito das pesquisas devido a uma mistificação da atividade pela mídia. O marketing está substituindo a política nas eleições. Os meios de comunicação divulgam mal e de forma distorcida os resultados das pesquisas eleitorais. Os pesquisadores querem criar um conselho de auto-regulamentação da atividade para que, somado à legislação, contribua para a transparência da atuação dos institutos de pesquisa durante o processo eleitoral. Essas foram algumas das conclusões do debate, nem sempre de consenso, realizado entre representantes dos principais institutos de pesquisas brasileiros em encontro promovido pela Sociedade Brasileira de Pesquisa de Mercado (SBPM) e pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (Abep), no dia 18 de novembro, em São Paulo. Durante o encontro, as discussões giraram em torno de três questões básicas: resultados (pesquisa x pleito); pesquisa eleitoral e divulgação; legislação e regulamentação.

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Para a presidente da SBPM, Adélia Franceschini, que dirigiu a mesa do debate, ao mesmo tempo em que são vilanizadas, as pesquisas são excessivamente valorizadas e mitificadas durante os processos eleitorais. Em outras palavras, “pesquisas influenciam o voto, mas não vencem nem decidem eleições, e, antes de mais nada, podem errar”. Por outro lado, quando uma pesquisa com o aval, a grife ou a chancela de um instituto de renome, como Ibope, Vox Populi ou Datafolha, chega às redações dos jornais, passa a ter um status de verdade para a imprensa; após publicada, terá o status de verdade para a opinião pública. Se houver erro em algum ponto do processo ou na interpretação editorial dos números, já será tarde demais”, pondera.

Para Gustavo Venturi (ex-Datafolha), diretor da Criterium Assessoria em Pesquisa, o eleitorado é o lado mais desprotegido. Ele ao mesmo tempo é fonte de informação e alvo do marketing político. “Ou seja, ele vai colaborar com informações para uma pesquisa que está sendo feita e não conta com o conjunto de informações de quem preparou aquilo e que será divulgado para influenciá-lo de alguma maneira.”

A forma como os veículos divulgam os resultados também é bastante criticada. Raquel Moreno, presidente do conselho da SBPM, diz o seguinte: “É preocupante o uso propagandístico que se faz da pesquisa na produção da notícia – inclusive como houve em São Paulo – , elevando ao nível de manchete uma informação que, se não é errada, pelo menos não deveria ter a importância que acaba tendo. Em muitas outras cidades o ‘despenca e dispara’ (termos usados pela imprensa nas manchetes) também apareceu bastante”.

Imprensa é acusada de distorção

De forma geral, os institutos acusam a imprensa de desinformação sobre o universo das pesquisas e de má divulgação dos resultados, principalmente quando indicam empate técnico. Mauro Paulino, diretor do Datafolha, relatou que a própria Folha de São Paulo, empresa da qual o Datafolha faz parte, optou por editorializar resultados de pesquisas apresentadas pelo Instituto contra a sua vontade. “Em alguns momentos, a posição do Datafolha foi voto vencido”, afirma citando uma situação em que foram omitidos os votos válidos, o que, segundo ele, aproximaria mais do resultado real apurado.

Paulino diz que o Jornal Nacional inovou ao mostrar o intervalo das intenções de voto junto com a taxa, embora se trate de um recurso discutível, pois dependendo do valor do percentual há uma margem de erro diferente. Mesmo assim, em seu entendimento, o recurso representa um avanço, pois mostrou de uma forma didática e para uma audiência muito grande que o número que é apresentado nas pesquisas não é um número exato, mas um intervalo. O pesquisador critica o malabarismo que Wiliam Bonner fez, por exemplo, às vésperas do pleito de São Paulo, para dizer que as pesquisas apontavam empate no intuito de dizer que cada instituto apresentava um resultado diferente. “Mas na verdade não era empate. No dia seguinte, dia da eleição, o jornal O Estado de São Paulo apresentava um malabarismo maior ainda em sua manchete: “Marta e Serra se alternam em primeiro lugar”, complementada pelo seguinte: “Marta lidera uma pesquisa, e Serra outra, mas ambas apontam empate técnico”. Nas página internas “Serra lidera no datafolha, e Marta no Ibope”. Em tese, ninguém poderia estar liderando um empate técnico e todas as manchetes estariam erradas”, observa Paulino. “Em resumo, foi uma forma de buscar uma notícia que não existia”, completa. Para o diretor da Toledo & Associados, Francisco Toledo, os jornalistas não têm ainda o conhecimento suficiente e nem se interessam em ter para resolver essa questão. “Publica-se resultados e se faz comentários absurdos sobre resultados de pesquisa.”

“ Há três eleições, o Ibope tem feito seminários dirigidos a jornalistas para explicar como ler as pesquisas. Não adianta. Não dá para dizer que, de uma pesquisa para outra, o candidato cresceu tantos por cento, se há um cálculo mais complexo que envolve margens de erro, etc. Em uma determinada pesquisa do Ibope que indicava 34% para candidato X e 30% para Y, todos os jornais de uma determinada capital, de uma forma ou de outra, diziam: ‘Candidato X lidera’ nas manchetes e quando a situação foi invertida nenhum jornal escreveu nas manchetes: ‘Candidato Y lidera’. Apenas se restringiram a divulgar: ‘Candidato Y 34%, e candidato X 30%’ . Isso mostra também quanto os jornais são tendenciosos’’, desabafa Márcia Cavallari, do Ibope. Para a diretora do instituto, uma discussão que deve ser feita é até que ponto as pesquisas divulgadas com alguma antecedência da eleição conseguem capturar a intenção dos eleitores”. A imprensa e o público em geral consideram os números divulgados com antecedência fazendo uma projeção para o final. Como não batem, fica a “instituição pesquisa” abalada em sua credibilidade.

Regulamentação para os pesquisadores

Ano após ano, as pesquisas são acusadas de imprecisão, de influenciar eleitores, de serem manipuladas. Tudo isso tem abalado a credibilidade dos institutos diante da opinião pública e motivado debates infindáveis na mídia, no meio político e entre os próprios institutos. Em 2002, por conta das discrepâncias nos resultados das pesquisas, o então senador José Eduardo Dutra (PT) chegou a apresentar à Comissão de Constituição e Justiça um projeto de Lei que cassaria os institutos que divulgassem pesquisas nos dez dias anteriores ao pleito com discrepâncias além da margem de erro. Não vingou. Para a pesquisadora Raquel Moreno, presidente do conselho da SBPM, a intenção era boa, mas tratava-se de uma Lei inaplicável na prática. Para ela, o mais importante é regulamentar a profissão de pesquisador para moralizar o setor. “Esse tipo de controle é inadequado e não daria certo”. Atualmente tramita no Congresso um projeto de Lei de autoria do deputado federal Orlando Fantazzini (PT-SP) que prevê não apenas a regulamentação da profissão como também a criação de um órgão regulador, o Conselho Federal de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (CFP-MOM), que funcionará, caso aprovado, como uma autarquia de personalidade jurídica, vinculada ao Ministério do Trabalho e terá condições de julgar os abusos cometidos e questões de ordem ética.

“Em Porto Alegre, fizemos um balanço dos resultados das pesquisas que vão de 27 de julho até o dia da eleição do primeiro turno. Nós temos aqui um caso de comparativo entre as performances de determinado candidato (Mendes Ribeiro – PMDB) medida por vários institutos. Nesse caso, a discrepância é gritante. Enquanto os demais apontavam entre 2 e 8% para o candidato, o DataBrain, que faz pesquisas para a revista Isto É, apontava 17%, colocando-o muito próximo ao segundo colocado, que era José Fogaça – PPS. Claro que não podemos afirmar que, se houve erro, foi inten-cional, mas se eu estou orientando um cliente, sou obrigado a pedir para ele desconsiderar o levantamento feito pelo DataBrain em Porto Alegre. Quando estabelecemos uma comparação entre os institutos, o problema salta aos olhos. A partir desse tipo de análise, existindo um conselho de ética, podemos chamar nossos colegas e perguntar o que está acontecendo, pois esse tipo de episódio depõe contra todos. Gustavo Venturi – Criterium

“Uma vez eu escrevi um artigo chamado A certeza do erro em pesquisa. O que quero dizer com isso é que toda vez que vamos fazer uma pesquisa sabemos que se vai errar. O bom é quando erramos dentro da margem de erro. Mas uma coisa interessante é procurarmos algumas respostas além daquelas do acertou ou errou, mas porque acertou ou errou. Fizemos uma pesquisa chamada ‘transtornos mentais’ que apontou 31% de depressivos em São Paulo, 14% de alcoólatras, 19% de esquizofrênicos. Como votam essas pessoas? Precisamos incorporar novas variáveis nas amostras.”

“ A política não é uma atividade inocente. Existe muita sujeira. Já vi candidatos contratarem pesquisas desonestas de institutos desonestos e não ganharem a eleição. O eleitor não é mais aquela figura boba, tola e manipulável que se imagina.” Francisco Toledo – Toledo & Associados

“Houve um caso de uma pesquisa registrada que foi encomendada por um candidato para o caso de ele querer divulgá-la. Ao ver o resultado, que o apontava na liderança, optou por não divulgar. A pesquisa foi depositada no cartório eleitoral. Fiz outras para o mesmo cliente e nenhuma mais foi registrada ou divulgada. Na última semana da eleição, eu escuto no rádio: ‘O Ibope confirma que fulano de tal será eleito no primeiro turno’. Se a última pesquisa que entreguei para ele não estava registrada e o adversário estava na frente, que resultado é esse? O Candidato não divulgou a pesquisa na época em que foi feita. Quando divulgou no horário eleitoral do rádio, não indicou o período de realização”. Márcia Cavallari – Ibope

“Temos consciência de que o desempenho dos institutos durante o processo eleitoral tem uma influência na sociedade, na decisão de voto, na escolha das candidaturas, na formulação das campanhas, mas também tem uma influência no mercado de pesquisas, na imagem que a sociedade faz da pesquisa – não apenas a eleitoral, mas as pesquisas de mercado feitas para as empresas que as ajudam a tomar decisões estratégicas. A gente carrega essa responsabilidade de zelar pela boa imagem da instituição pesquisa”. (…)“O resultado de pesquisa de véspera não deve ser tratado como prognóstico, mas sim como um diagnóstico daquele dia. Há muitos movimentos de última hora que influenciam a escolha do eleitor e que são muito difíceis de serem medidos”.Mauro Paulino – Datafolha

Sobre a pesquisa do Sinpro/RS

Às vésperas do pleito que decidiu a eleição municipal de Porto Alegre, o Sinpro/RS divulgou uma pesquisa de opinião contratada para estabelecer um comparativo com as demais pesquisas, pois havia uma avaliação de que os resultados apresentados pelos institutos até então sobre as eleições no país eram muito diferentes. Para surpresa do Sindicato e do Extra Classe, que preparava uma reportagem sobre o assunto, ao ser comparada com o resultado oficial do TRE, essa mesma pesquisa apresentou um resultado que, se não estava distante da probabilidade de erro aceitável em pesquisas eleitorais, ficou um ponto fora da margem de erro a que se propunha – apresentava empate técnico entre Raul Pont e José Fogaça, com uma pequena margem favorável a Pont, diferente dos demais institutos. O Ibope, por exemplo também apontava empate técnico, porém com vantagem para Fogaça.

Nas semanas que sucederam a eleição, tanto o Sindicato como a pesquisa realizada pela Studio Pesquisas, que já possui 10 anos de atividades e um bom portfólio de acertos, receberam críticas de jornalistas políticos de jornais de Porto Alegre em que foi questionada a lisura da divulgação e da realização das pesquisas. “Diante da repercussão negativa do episódio, o Instituto abriu mão dos custos da pesquisa. Quanto ao debate técnico sobre como ela foi feita, não temos como entrar neste mérito. No que se refere à exploração política, que partiu de uns poucos setores da imprensa em tentar abalar a imagem do Sinpro/RS, foi desproporcional ao fatos. Não há nada que desabone o Sindicato ou a forma como divulgamos a pesquisa. Não temos como controlar o uso político que foi dado a ela por partidos políticos. O resultado era público, mas infelizmente as críticas foram dirigidas ao Sindicato.”, declara Marcos Fuhr, membro da diretoria Sinpro/RS.

Para Roberto Garcia, professor de Pesquisa de Opinião do curso de Ciências Políticas da Ulbra e diretor da Studio Pesquisas, não se pode considerar uma pesquisa realizada dias antes do pleito e antes de um debate como prognóstico. “Ou entendemos que pesquisas não têm influência sobre os eleitores e erramos, ou entendemos que exercem influência e o quadro pode ter se modificado”, argumenta.

Pesquisa feita pela Studio nos dias posteriores à eleição, em Porto Alegre, apontaram que 20% dos eleitores de Fogaça decidiram seu candidato na última semana do segundo turno. Além disso, também indicaram que 35% dos eleitores de Fogaça em algum momento pensaram em votar em Raul Pont. A conclusão de Roberto Garcia é a seguinte: “se 20% decidiram na última semana e 35% pensaram em votar em Pont, isso nos faz concluir que 3,5% dos eleitores de Porto Alegre decidiram o voto em favor de Fogaça, mas em algum momento pensaram em Pont. E tudo isso na última semana”.

NOTA OFICIAL – A diretoria colegiada do Sinpro/RS divulgou nota oficial destacando que a que a empresa contratada cumpriu todas as exigências legais para a realização da pesquisa de intenção de votos, tendo o Sinpro/RS informado ao seu quadro social e a todos os órgãos de imprensa a sua realização e o seu resultado nos prazos estipulados em Lei. Na nota, a direção do Sindicato também repudiou qualquer acusação ou insinuação de que a iniciativa da pesquisa tivesse parceria com qualquer partido político e reafirmou o caráter plural e apartidário do Sindicato.

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