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Terra: mãe a gente ama e respeita

Por Gilson Camargo / Publicado em 11 de abril de 2017

Mãe a gente ama e respeita

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Assessor dos movimentos populares, doutor em teologia pela Universidade de Munique, professor de teologia sistemática e ecumênica com os Franciscanos em Petrópolis (RJ) e de ética, filosofia da religião e de ecologia filosófica na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o ex-frei Leonardo Boff é um dos iniciadores da teologia da libertação. Em 1985 foi condenado pela igreja católica a um ano de silêncio pelo ex-Santo Ofício, por suas teses no livro Igreja: carisma e poder (Record). Em 2015, colaborou com o papa Francisco na redação da ecoencíclica Laudato Si, cujo conteúdo (Ouvi os gritos dos pobres e da terra) ensaia uma aproximação com as ideias da teologia da libertação. Boff, 78 anos, foi um dos palestrantes da abertura da 14a Abertura da Colheita do Arroz Agroecológico, em Nova Santa Rita, no dia 17 de março, em que falou aos agricultores. Durante o evento, ele concedeu entrevista ao Extra Classe, quando falou, entre outros temas, sobre o seu novo livro Ética e Espiritualidade: como cuidar da casa comum (Editora Vozes), lançado neste ano

Extra Classe – Em seu livro, o senhor alerta para a urgência de uma “ética regeneradora da terra”. Qual o papel da agricultura orgânica e da sua relação com os recursos naturais nessa conscientização?
Leonardo Boff – Há uma nova consciência ecológica que se dá conta de que a terra não é terra: a terra é mãe-terra. A terra a gente pode comprar, pode vender, pode cavar, mãe a gente ama, a gente venera, respeita. Então, essas virtudes que devotamos às nossas mães devemos devotar à nossa mãe-terra, porque ela nos dá tudo o que precisamos para viver. Toda a produção hoje tem que dar-se conta dos limites da terra, porque ela está cansada, tem nutrientes escassos, a água está cada vez menos disponível, as florestas estão cada vez diminuindo, os seres humanos agressivamente exploram os recursos naturais de forma ilimitada em benefício da acumulação privada. Essa consciência nova mostra que devemos respeitar os limites da nossa mãe, porque ela está sofrendo pelo excesso de exploração.

EC – O caminho que o senhor aponta é o da sustentabilidade.
Boff – Devemos incluir sempre o conceito de sustentabilidade. Isto é, a atividade que nós fazemos permite que todos os seres, as paisagens, especialmente os seres vivos, permite que eles continuem, que eles possam se autorreproduzir, que possam continuar saudáveis para nós e para as futuras gerações. A sustentabilidade, ela vai junto com outra categoria que é o cuidado, cuidar de todas as coisas, para que elas possam vicejar, possam conviver conosco. Que possamos estabelecer com elas uma sintonia que nos faça sentir parte da natureza, ao pé dela e não em cima dela como tem ocorrido, cuidando das coisas todas para que elas possam conviver conosco, possam ser amigas da existência humana e manter essa interdependência, essa relação contínua que todos os seres têm uns com os outros, que o papa tanto incentivou na sua encíclica: formamos a grande comunidade cósmica. São os valores novos. Se nós vivermos isso, a produção será muito cuidadosa, será saudável. O ser humano se sentirá irmão e irmã de todos os demais seres, se sentirá em casa, porque a terra é a nossa casa comum. E quando estamos em casa não temos medo, convivemos com os irmãos e as irmãs. Então, esses novos conceitos formam uma nova visão, uma nova relação com a natureza, de cuidado e convivência e não de exploração e dominação.

EC – Que cuidados?
Boff – É fundamental evitar agrotóxico porque o agrotóxico ele ataca aqueles trabalhadores anônimos que são os micro-organismos que estão na terra. Se eu pego um punhado de chão de cem gramas, lá existe, segundo os grandes biólogos, 10 bilhões de bactérias, fungos, micro-organismos de mais de cem espécies diferentes. Eles que dão a vitalidade da terra. Quando jogo o agrotóxico, ele não só mata os fungos e as pragas, ele mata esses trabalhadores anônimos que garantem a fertilidade da terra. Então, se queremos que a terra seja mãe, seja fértil, seja viva, devemos absolutamente evitar os agrotóxicos. Além do mais, eles não são saudáveis para a vida. Hoje a gente sabe que os venenos deles vão se acumulando lentamente nas células e o nosso organismo na evolução não está preparado para acolher isso. Então, o agronegócio deve substituir a utilização desses agrotóxicos que foram inventados não para fazer muita alimentação para todos, mas para poder lucrar, vender com mais facilidade do que atender as demandas humanas.

EC – Ao analisar a conjuntura política, o senhor destacou o papel do capital internacional e das elites econômica no golpe. Foi uma reação aos avanços das políticas sociais?
Boff – Historicamente se constata que a cada 15 ou 20 anos, quando os movimentos sociais, os trabalhadores se organizam e começam a aparecer e cobrar direitos, participar da sociedade, aquela pequena classe da alta burguesia, que são os da casa grande, que nós sabemos o número exato, são 71 mil grandes ricos do Brasil, que controlam mais da metade do Produto Interno Bruto… esses se organizam politicamente e dão o golpe para não perder os seus privilégios. Eles não querem saber de direitos, querem só privilégios para eles. Eles saqueiam a riqueza brasileira, fruto do trabalho, em função do seu egoísmo, marginalizando o povo. Então, o que nós tivemos foi um golpe de classe feito via parlamentar, que é inaceitável, um projeto de desmonte de tudo aquilo que beneficiava o povo. Por isso, precisamos resistir: ir à rua, escolher um líder que possa refazer as conquistas populares e que o Brasil possa criar uma população que se sinta alegre e feliz, trabalhando, se alimentando, produzindo junto com os outros e fazendo nosso país realmente irmão e irmã, aberto ao mundo inteiro.

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