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O governo tem obrigação de apostar no diálogo

Para os agricultores familiares, a intervenção militar não é a saída. É necessário a negociação, rever a política de preços do governo federal, que também tem afetado duramente a agricultura familiar
Por Flávio Ilha / Publicado em 25 de maio de 2018

Foto: Fetraf

“A proposta de negociação não foi aceita pelos caminhoneiros, mesmo que algumas lideranças tenham concordado? Bem, então que o diálogo prossiga. Não é com intervenção militar, com violência, que vai ser solucionada essa questão”, destaca Rui.

Foto: Fetraf

A Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf) anunciou apoio à greve dos caminhoneiros em nota pública na última quarta-feira, 23, a exemplo das Centrais Sindicais e outros movimentos sociais. O jornal Extra Classe entrevistou o coordenador da Fetraf do Rio Grande do Sul (Fetraf/RS), Rui Alberto Valença, sobre o que motivou o apoio, uma vez que “produtores estão tendo sérios prejuízos com a mobilização”.

Extra Classe – A greve dos caminhoneiros tem afetado a produção da agricultura familiar, mas mesmo assim a Fetraf emitiu nota de apoio ao movimento. Não é um paradoxo apoiar uma greve que traz prejuízos diretos aos produtores?
Rui Alberto Valença – É verdade, temos registrado efeitos colaterais bem severos na nossa produção, principalmente entre produtores de leite e de aves. No leite, calculamos que metade do que é produzido diariamente no Rio Grande do Sul, cerca de cinco milhões de litros, portanto, está sendo descartado, vai fora, por conta da greve. A indústria deixou de comprar, não há garantia de entrega. Então, a solução é jogar fora. Muitos aviários também estão sem ração, sem remédios. Em uma propriedade aqui de Erechim, 1.500 frangos esperam pelo abate porque não há lugar de armazenagem nos frigoríficos, já que as entregas foram suspensas. Daqui a poucos dias não servirão mais para o mercado. Mesmo assim, apoiamos a greve.

Extra Classe – Por quê?
Valença – Nos parece uma boa oportunidade para discutir a política de reajustes dos combustíveis adotada por este governo neoliberal, uma política que prejudica toda a sociedade.

Extra Classe – Como lidar com esse paradoxo?
Valença – Com bom-senso. É uma situação muito delicada, mas consideramos importante apoiar a greve e negociar com os piquetes que não bloqueiem as cargas perecíveis, aves, frutas, verduras, leite. Em muitos locais temos conseguido sensibilizar os fretistas, que sabem como é importante receber apoio político em uma greve.

Extra Classe – Como tem se dado esse apoio?
Valença – Estamos mobilizando a nossa base em vários estados desde a última quarta-feira, 23, quando houve uma deliberação em nível nacional de apoio à greve dos caminhoneiros. Estamos nos integrando aos piquetes dos motoristas, participando das mobilizações nas estradas com máquinas e pessoal. Claro, diferentemente dos motoristas, não podemos passar a noite nos piquetes, temos propriedades para cuidar, animais, então engrossamos as manifestações por uma, duas horas e depois nos retiramos. Temos notícias de que há boas mobilizações em Minas Gerais, na Bahia, em Pernambuco, além do Rio Grande do Sul.

Extra Classe – O senhor falou na política de reajustes da Petrobras. Como isso tem afetado a agricultura familiar?
Valença – De forma muito severa porque o preço do diesel nos impacta três vezes. A primeira vez, quando ligamos nossas máquinas para produzir, todas movidas a diesel. A segunda vez, quando compramos insumos, impactados nos preços pelo alto custo do combustível pago pelos fabricantes. E, por último, na hora de escoar a produção, já que usamos o serviço de freteiros para isso. É um impacto que tem dificultado, quando não inviabilizado, a produção. Essa política de reajustes de preços, por outro lado, serve apenas aos interesses dos acionistas da Petrobras, das multinacionais que estão tomando conta do Pré-Sal. Portanto, é uma decisão política do governo que precisa ser revista. A greve é uma boa oportunidade para isso.

Extra Classe – Ao invés de resolver o problema, o governo ameaça com intervenção militar. O que pode dizer sobre isso?
Valença – É claro que não apoiamos nenhuma solução desse tipo. Somos uma federação de trabalhadores e, como tal, já sofremos muito com a violência do Estado diante de nossas mobilizações. Não nos parece que vá solucionar qualquer coisa. Achamos que o governo tem obrigação de apostar no diálogo. A proposta de negociação não foi aceita pelos caminhoneiros, mesmo que algumas lideranças tenham concordado? Bem, então que o diálogo prossiga. Não é com intervenção militar, com violência, que vai ser solucionada essa questão.

Extra Classe – Em muitos piquetes de motoristas se leem faixas pedindo intervenção militar.
Valença – É verdade, há muitos movimentos oportunistas tentando se aproveitar da situação. É claro que não nos integramos a esses piquetes. Aliás, mantemos distância desse tipo de palavra de ordem.

Extra Classe – Vocês temem uma radicalização a partir da possibilidade do uso de força militar para solucionar a questão?
Valença –
Temos que seguir apostando no bom-senso. Quem tem a responsabilidade de resolver a questão, e rapidamente, é o governo, que tem controle sobre a política de preços da Petrobras. Qualquer outra solução, principalmente envolvendo forças militares, é inoportuna e indevida.

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