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Mulheres são as principais atingidas pela reforma da Previdência

Para a economista do Dieese, Anelise Magnanelli, a reforma da Previdência apresentada pelo governo Bolsonaro ao Congresso rompe com o Estado de Bem-Estar Social
Por César Fraga / Publicado em 21 de fevereiro de 2019

Anelise Magnanelli fala sobre previdência

Foto: Dieese/Divulgação

Foto: Dieese/Divulgação

Para a economista do Dieese, Anelise Magnanelli, a reforma da Previdência apresentada pelo governo Bolsonaro ao Congresso rompe um pacto histórico com a maioria da sociedade e rompe de vez com o Estado de Bem-Estar Social.

Segundo ela, atacar problemas dentro do sistema previdenciário para tentar resolver questões macroeconômicas inverte totalmente a lógica. Na opinião da economista, é a economia que traz problemas à Previdência e não a Previdência que causa problemas à economia.

Portanto, reformar a Previdência como está proposto é como agir na consequência do problema sem atingir a causa. Só é vantagem para os bancos que compõem o sistema financeiro e administram ou administrarão planos de previdência privada, visando suprir a lacuna deixada pela política pública caso seja aprovada a PEC, afirma nesta entrevista.

Extra Classe – Qual o impacto dessa proposta de reforma da Previdência para os professores?
Anelise Manganelli – De acordo com a nossa avaliação – e é importante destacar que a avaliação do Dieese ainda está em processo de construção, porque todas as alterações são bem densas, pois trata-se de uma proposta aprofundada em relação à PEC 287, enviada ao Congresso pelo governo anterior – é de que trata-se de uma mudança estrutural, pois altera inúmeros fatores dentro de todo o sistema de seguridade. Portanto, é o pacto social que está em jogo. No que se refere especificamente aos professores. É uma medida que exerce um impacto muito grande na classe e também nas mulheres, que representam boa parte dos trabalhadores na educação.

EC – Por que as mulheres?
Magnanelli – Porque o regramento busca igualar as idades, o que é, do ponto de vista do pacto social, absurdo, porque desconsidera a tripla jornada das mulheres na sociedade. Hoje, se formos observar especificamente os professores da iniciativa privada, não existe uma idade mínima, mas um tempo de contribuição, que no caso são 25 anos para as mulheres e 30 para os homens. Na proposta do governo se impõe no mínimo 60 anos de idade e no mínimo 30 anos de contribuição. O que obrigará a ficar em sala de aula até completar esses 60 anos. Os trabalhadores de escola, no regime geral, terão que ir até os 65 para homens e 62 para mulheres.

EC – E as regras de transição?
Magnanelli – Se fala muito que existe uma regra de transição e conforme a gente vai se apropriando, calculando e construindo exemplos, se dá conta de que pega quase nada dos trabalhadores que estão na ativa no mercado de trabalho. E os que abrangem significaria uma remuneração com muitas perdas. Só para dar um exemplo, se essa reforma for aprovada, o trabalhador parte, já cumprindo alguns requisitos que a reforma impõe de 65% do teu salário de contribuição e a cada ano soma os 2% até chegar aos 100%. De fato, não é só a questão de não ter uma transição adequada, que prejudique menos os trabalhadores que estão na ativa

EC – E quem já está aposentado?
Magnanelli – Existe também um conjunto de ações que atinge quem já está aposentado, visto que eles estão mexendo em outros fatores como mecanismos para que os aposentados que seguem trabalhando não recebam mais os 40% do FGTS em caso de rescisão. Isso nunca constou em nenhuma minuta de proposta que tenha sido sequer comentada até então. Trata-se de um conteúdo denso, que possui 66 páginas. A que foi vazada em janeiro tinha 28 páginas. Ainda estamos nos apropriando, pois é bastante prejudicial para a classe trabalhadora.

EC – Sempre existe uma alegação, principalmente por parte das empresas de Comunicação comprometidas em fazer passar a reforma, quase uma espécie de chantagem social que coloca a reforma como necessária para que existam impactos no crescimento econômico e na empregabilidade do país. Até que ponto isso é verdade ou falácia para ganhar apoio popular para algo que prejudica as pessoas em geral?
Magnanelli – Na nossa avaliação é uma falácia porque o sistema de seguridade social é uma política pública que possui mais de cem anos. Os problemas macroeconômicos que existem hoje estão ocasionando crise. Não é da Previdência para a economia, mas o caminho inverso, é a economia que prejudica a Previdência. O problema, portanto, é de fora para dentro.  E não há uma iniciativa, ao menos a gente não identifica claramente, para sanar isso. O governo tem extrema dificuldade em ter propostas consolidadas. Existe muita desconfiança em relação às próprias políticas econômicas, porque não existe nada consolidado e isso faz com que não haja qualquer expectativa de melhora nas contas públicas e que seria uma solução para aliviar a questão da Previdência. Então se busca muito resolver o que está dentro do sistema, quando o problema está fora. É como se a gente atuasse na consequência e não na causa.

EC – Quem sai ganhando com essa reforma? Existem setores econômicos que possuem interesse direto na reforma e financiam um lobby poderoso junto aos políticos do Executivo e do Legislativo e também nos meios de comunicação. Quais seriam esses segmentos?
Magnanelli – O principal propositor e incentivador desse projeto é o sistema financeiro, os bancos, a partir dos planos de previdência privada que eles próprios administram. No momento em que a proposta traz uma questão relativa à capitalização, o governo dizendo que vai regular isso em lei complementar e não permite que a população se aproprie do que será esse mecanismo, nem da íntegra do que se pensa a respeito para poder participar do debate, demonstra que não há transparência sobre esse tópico. Um dos objetivos disso é abrir um mercado para esse sistema bancário que opera com planos de previdência privada que é um negócio altamente lucrativo e que dá ao mercado liquidez, pois se trata de investimentos cujo resgate se dá a longo prazo. Além disso, os bancos têm interesse porque eles participariam, a partir das suas aplicações, da divisão do orçamento da União com a remuneração dos juros.

EC – Mas também não existe um interesse de altos setores empresariais por conta de algum tipo de desoneração das empresas no recolhimento da parte delas em algumas modalidades previstas na reforma?
Magnanelli – Certamente. Hoje, todo os sistema de seguridade, principalmente o regime geral possui um financiamento tripartite que são 20% sobre a folha de pagamento recolhidos pelo empregador, o percentual do trabalhador que varia de 8% a 11%, mais a parte de arrecadação de impostos que vai complementar todo o sistema de financiamento das aposentadorias e outras questões referentes à seguridade social. Quando transforma tudo isso para um sistema capitalizado, principalmente porque na proposta fala em contas individuais, o governo, na proposta que vai discutir em lei complementar, já abandona qualquer questão que pudesse vir como fundos de pensões coletivos, de administração com participação social, que os trabalhadores pudessem gerir os fundos. Quando o governo fala em conta individual é isso, está destinando essa administração ao sistema bancário. O máximo que pode acontecer, hipoteticamente, é que tenha de ter um patrocinador, no caso o empresário, ele vai entrar, se entrar, por exemplo, pagando a mesma proporção que o trabalhador ou nem isso. Aí estaríamos falando em um por um. Hoje, o trabalhador paga 8% e o empregador 20% e o trabalhador está limitado a um teto (que é R$ 6 mil e o recolhimento sobre a folha não tem teto). Então, o empregador recolhe um pouco mais, pois os maiores salários estão ali e ele ajuda a financiar. Dentro desse processo de capitalização, tudo isso é abandonado, inclusive o sistema de financiamento tripartite.

EC – E a proposta ataca privilégios?
Magnanelli – Durante toda a campanha eleitoral e até mesmo depois o governo fez todo um discurso de que atacaria privilégios na sua proposta de reforma da Previdência e na verdade os trabalhadores continuam sendo o alvo para pagar a conta. A proposta aprofunda tanto os privilégios quanto as desigualdades sociais.

EC – E as mudanças para o setor público e militares?
Magnanelli – Essa é outra questão. Já existe uma série de mudanças anteriores a essa proposta que aumenta as exigências para obter aposentadorias. No regime geral já existe uma mudança em vigor que aumenta as exigências para obter a aposentadoria, que é a 86/96. Isso está na proposta e já vigente e quem quiser se aposentar vai ter de optar entre o fator previdenciário ou sistema de pontos. No caso do setor público, todo trabalhador que ingressa depois de 2003 ele não tem rendimentos de aposentadoria pelo salário integral e está limitado pelo teto da Previdência. Aí fica uma série de questionamentos. Existe viabilidade legal pra mexer antes disso? O mesmo vale para outras corporações. E o setor público já tem uma regra de transição? No caso dos militares não tem nada. Dizem apenas que farão uma lei complementar e citam que vão mexer em quem ainda vai ingressar.

EC – Isso foi uma maneria de fugir do debate com as corporações?
Magnanelli – Da forma como está posto, o governo não discute com categoria nenhuma, porque quem ainda vai entrar não está organizado para debater se é justo ou não e quem já está não será afetado. Então é uma situação muito confortável para o governo.

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