GERAL

Sínodo da Amazônia começa sob ataque do clero conservador e do governo Bolsonaro

Religiosos reúnem-se no Vaticano durante três semanas para debater evangelização dos povos indígenas e presença da Igreja Católica na Região Pan-Amazônica
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 4 de outubro de 2019
Jorge Bertoglio enfrenta a ira de bispos conservadores que o qualificam de "herege" e ataques do governo Bolsonaro: queimadas na Amazônia são um problema mundial, disse o Papa

Foto: Vatican News/ Divulgação

Jorge Bertoglio enfrenta a ira de bispos conservadores que o qualificam de “herege” e ataques do governo Bolsonaro: queimadas na Amazônia são um problema mundial, disse o Papa

Foto: Vatican News/ Divulgação

O antigo ditado todos os caminhos levam a Roma inaugura no próximo domingo, 6, uma etapa de esperança para todos aqueles que defendem a Amazônia, sua biodiversidade e os indígenas da região. Sob convocação do Papa Francisco, 250 bispos, teólogos, especialistas em meio ambiente e representantes de várias etnias autóctones rumam para o Vaticano para dar início ao Sínodo dos Bispos especial para a Amazônia, que acontece até 27 de outubro.

O encontro ocorre sob ataque de alas conservadoras do clero e de governos, ambos incomodados com as declarações do Papa Francisco sobre o clima e em defesa dos povos indígenas. Além de despertar a ira de ministros e do próprio presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, Francisco enfrenta o ataque de opositores dentro da própria Igreja. O cardeal americano Raymond Burke e o bispo cazaque Athanasius Schneider, convocaram 40 dias de jejum contra as supostas “heresias” cometidas pelo Papa no documento preparatório do Sínodo.

POBRES – Estratégico para a Igreja Católica Romana, o Sínodo dos Bispos é presidido diretamente pelo Papa e coordenado por secretários especiais indicados pelo pontífice. Considerado por Francisco “um amigo muito especial”, o cardeal arcebispo emérito de São Paulo, Dom Cláudio Hummes, foi designado pelo Papa relator geral do encontro.

Hummes, que é presidente da Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), segundo o próprio Francisco, foi o inspirador do seu nome pontifício. O Papa lembrou em sua primeira audiência pública que o cardeal, natural de Montenegro, Rio Grande do Sul, lhe disse ao ouvido “não se esqueça dos pobres”, quando o então cardeal Bergoglio alcançou os dois terços dos votos necessários para sua eleição no Conclave. “Aquelas palavras entraram imediatamente na minha cabeça: os pobres, os pobres. Depois, imediatamente pensei: São Francisco de Assis”, falou o Papa na ocasião.

Em coletiva no Vaticano na última quinta-feira, 3, Hummes defendeu a demarcação de terras indígenas para preservar a floresta. “Nós sabemos que, para os indígenas, isso é fundamental. Também as reservas geograficamente delimitadas são importantíssimas para a preservação da Amazônia”, declarou.

Um Sínodo incomoda muita gente

integrantes do Conselho Sinodal com o papa cimi

Foto: Cimi/ Divulgação

Integrantes do Conselho Sinodal com o papa

Foto: Cimi/ Divulgação

Se no ambiente eclesial, devido às propostas de ordem do sacerdócio para homens casados, a inculturação dos ritos católicos e a possibilidade de se disponibilizar às mulheres o diaconato para os locais não assistidos religiosamente na Amazônia, o Sínodo especial coleciona reclamações e protestos de uma minoria ultraconservadora; no governo do Brasil a situação não seria diferente. Tanto o presidente Jair Bolsonaro quanto seus ministros das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e de Meio Ambiente, Ricardo Salles, negam o aquecimento global e implementam políticas para favorecer o agronegócio e a exploração de minérios nas áreas indígenas e de proteção ambiental.

Queda de braço diplomática

Francisco e Dom Cláudio Hummes: “não se esqueça dos pobres”

Foto: Reprodução

Francisco e Dom Cláudio Hummes: “não se esqueça dos pobres”

Foto: Reprodução

O que Francisco chama de Ecologia Integral é um dos principais motes do seu pontificado. As posições firmes do Papa em defesa do meio ambiente e dos habitantes do planeta se contrapõem às ideias de Trump e Bolsonaro.

Isso fez com que, em março desse ano, o principal assessor oriundo da área militar de Bolsonaro, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, tenha ensaiado um confronto. Informando, com total desconhecimento de causa, que o governo iria trabalhar para neutralizar a ação da Igreja, Heleno disse que “(o sínodo) quer falar de terra indígena, quer falar de exploração, de plantação, quer falar de distribuição de terra. Isso são assuntos do Brasil. O Brasil não dá palpite no deserto do Saara, na floresta das Ardenas, no Alasca”, falou o general.

Prontamente respondido pelo Vaticano através do cardeal Lorenzo Baldisseri, que indicou que “atenção prioritária” será dada aos povos indígenas da região amazônica em seus nove países (Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru, Equador, Venezuela, Suriname, Guiana e Guiana Francesa), Heleno recolheu suas armas.

Não foi por menos. Baldisseri, que na ocasião ainda informou que “as reflexões do sínodo vão muito além da Amazônia, porque se relacionam com a toda a Igreja e o futuro do planeta”, atuou no serviço diplomático da Santa Sé no Brasil e é o atual encarregado pelo setor responsável pela organização dos Sínodos dos Bispos da pequena cidade-estado que sedia a religião que congrega 17,8% da população mundial.

O certo é que o Executivo brasileiro continuou preocupado e chegou a realizar um pedido de participação nos debates do sínodo, o que não foi aceito. Dom Cláudio Hummes foi direto quando procurado: “Sugeri que o governo acionasse a Embaixada do Brasil na Santa Sé, pois se trata de uma questão diplomática”.

Freio às seitas

O padre Suess, assessor do Cimi: preocupação com as lacunas cupadas pelos neopentecostais

Foto: Cimi/ Divulgação

O padre Suess, assessor do Cimi: preocupação com as lacunas cupadas pelos neopentecostais

Foto: Cimi/ Divulgação

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, o padre Paulo Suess, assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) afirmou que os protestos dos conservadores católicos que não querem ver homens casados ordenados sacerdotes é um mau entendimento que analisa vir de “gente jubilada, já fora do cargo” e que “se fixou em coisas de um século atrás”.

Para Suess, a possibilidade do sacerdócio para homens casados é cogitado há mais de 50 anos dentro da Igreja. No caso da Amazônia, reflete, existe o problema da distância das comunidades, que gera um problema pastoral. “A Igreja chega a esses lugares, às vezes, uma vez por ano e faz uma missa”.

O padre entende que o que deve ser discutido no Vaticano não é o fim do celibato sacerdotal, mas a sua flexibilização para regiões distantes. “Onde há essas lacunas, as seitas que não têm cuidado com a cultura indígena se fazem presentes”, diz, mencionando uma das preocupações da Igreja Católica.

De fato, dados estatísticos demonstram um forte crescimento das ditas denominações neopentecostais na região amazônica, não só no Brasil, mas também nos demais países que sediam a maior floresta tropical do mundo. “São elementos estranhos e colonizadores em muitos casos”, aponta Suess, que foi, entre uma série de outros missionários, um dos responsáveis pela inflexão da Igreja Católica em seu trato com a cultura indígena.

O padre Suess ajudou a elaborar o documento de trabalho do Sínodo para a Amazônia e estará presente no Vaticano. O sacerdote é alemão e está no Brasil há mais de 50 anos. No momento, está cedido à Arquidiocese de São Paulo pela Diocese alemã de Augsburgo.

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