GERAL

PL regulamenta trabalho de entregadores e motoristas de aplicativos

O deputado federal gaúcho Henrique Fontana, autor da proposta, ouviu lideranças de trabalhadores e grupo de advogados para criar modelo de contrato e aposentadoria; a ideia é reduzir precarização no setor
Por César Fraga / Publicado em 17 de agosto de 2020
Greves de entregadores em julho deram visibilidade para os problemas da categoria

Foto: Djalma Vassão/FotosPublicas

Greves de entregadores em julho deram visibilidade para os problemas da categoria

Foto: Djalma Vassão/FotosPublicas

O deputado federal Henrique Fontana (PT-RS) protocolou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4172/2020 que propõe um novo tipo de contrato de trabalho que visa amenizar a superexploração a que motoristas e entregadores de aplicativos estão submetidos. A ideia é regulamentar a relação entre os trabalhadores e as plataformas como Uber, Uber Eats, Ifood, Rappi, Glovo entre outras, para que os profissionais tenham garantias mínimas de direitos, como mecanismos para gozo de férias e 13º salário.

Direitos

Conforme o autor da proposta, o PL prevê um conjunto de regulamentações para garantir proteção social e trabalhista e a inclusão previdenciária para os trabalhadores de transporte por aplicativo. Segundo pesquisa do IBGE, em 2019 havia cerca de 4 milhões de brasileiros nesta atividade.

“Os aplicativos estão gerando uma espécie de trabalho ultra precarizado e de hiper exploração. A maioria desses trabalhadores fica em atividade mais de 10 horas por dia, 7 dias por semana para ganhar menos que 1 salário mínimo. Precisamos criar uma legislação que regulamente esse tipo de trabalho, proteja os direitos básicos e garanta respeito e dignidade”, justifica Henrique Fontana.

Restrição

Pela proposta, este novo  tipo de contrato de trabalho fica vinculado restritamente ao trabalho em plataformas digitais de transporte individual privado ou entrega de mercadorias, ou seja, para os entregadores e motoristas que trabalham por aplicativos. A nova legislação, portanto, não se aplicaria a trabalho em plataformas em geral ou qualquer trabalho em ambiente digital.

Motoristas de aplicativos durante buzinaço em frente ao Congresso em Brasília

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Motoristas de aplicativos durante buzinaço em frente ao Congresso em Brasília

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Principais pontos da proposta:

– Garantia de renda mínima. O trabalhador não pode receber menos que o salário mínimo/horário, entendida a hora trabalhada como toda hora logada à empresa.

– Inclusão previdenciária, com contribuição da empresa e do trabalhador.

– Inclui, entre os benefícios, seguro-desemprego, férias remuneradas e 13º salário.

– Garante vale-alimentação, assegurando os benefícios fiscais para as empresas que concederem auxílios indenizatórios.

– Proíbe as empresas de descredenciar profissionais sem justificativa.

– Estabelece que as viagens e entregas devem ser restritas a clientes previamente cadastrados na plataforma, e que estas informações devem ser fornecidas ao trabalhador no momento da oferta do serviço.

– Garante liberdade ao trabalhador para conectar-se e desconectar-se sem sofrer qualquer tipo de penalidade ou consequência remuneratória.

– Estabelece que o valor cobrado pela plataforma, no serviço de transporte de passageiros, não poderá exceder de 20% do valor total pago pelo cliente da viagem.

– Estabelece que os serviços realizados à noite ou em domingos e feriados devem ser pagas com um adicional de 15% sobre o valor básico da tarifa.

– Cria uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE), com o valor de 5% sobre o faturamento das empresas, para auxiliar no financiamento destes benefícios.

– Cria o Conselho Nacional do Trabalho em Plataformas Digitais e Economia Colaborativa como órgão consultivo do governo federal para matérias envolvendo as plataformas digitais.

Conceito de trabalho justo

De acordo com Fontana, a regulação deste novo contrato de trabalho busca seus parâmetros jurídicos e seus princípios na Constituição Federal e no conceito de Trabalho Justo, desenvolvido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como o desdobramento do conceito de Trabalho Decente para o ambiente das plataformas. O autor do Projeto de Lei falou com exclusividade ao Extra Classe sobre a sua proposta.

EC – O que levou à elaboração desse projeto de Lei que regulamenta o trabalho dos motoristas e entregadores de aplicativos?
Henrique Fontana –
Esse processo crescente de precarização das condições de trabalho encontra nesse grupo de trabalhadores um exemplo muito forte da degradação das condições de trabalho. Essas pessoas são submetidas a condições extremamente precárias. Há estudos que muitas vezes esses entregadores trabalham mais de 12 horas por dia 7 dias por semana, muitas vezes para ganhar o equivalente um salário mínimo no acúmulo de um mês de trabalho. Os defensores desse modelo de exploração do trabalho dizem que esses trabalhadores são empreendedores de si próprios. O que não é verdadeiro. Principalmente os entregadores, mas também os motoristas estão submetidos a uma carga excessiva e a um processo de superexploração do trabalho.

Deputado Henrique Fontana

Foto: Pablo Valadares /Câmara dos Deputados

Deputado Federal Henrique Fontana

Foto: Pablo Valadares /Câmara dos Deputados

EC – E a proposta?
Fontana –
Primeiro ele cria um novo tipo de contrato de trabalho fora da CLT e da formalidade como a conhecemos. Pois do contrário, a proposta teria muita resistência no Congresso e até nas categorias envolvidas, pois alguns deles estão convencidos de que essa forma de trabalhar está bem para eles. E, de fato, nós também temos de enfrentar essa realidade dessa modalidade de trabalho.

EC – Os trabalhadores desses setores foram ouvidos na elaboração do projeto?
Fontana –
Foram meses de debate. Nós conversamos com diversas lideranças. Uma das características do trabalho ultraprecarizado e que dificulta a organização dos trabalhadores. Mas estão surgindo entidades e representações fortes que já têm inclusive organizado protestos, movimentos reivindiocatórios e greves. O que são embriões e sinais do processo de organização que está surgindo. E foi com essas lideranças que procuramos conversar. Também trabalhou conosco um grupo de advogados de Porto Alegre que estudam esse tema. E, a partir desses meses de debate, adotamos esse caminho, que é estabelecer um novo tipo de contrato de trabalho, que não é o ultraprecarizado, que mantém a ilusão de empreendedorismo, mas também não coloca nos moldes conhecidos de contratação. No momento em que o trabalhador se inscreve na plataforma se estabelece um contato que pressupõe um conjunto de direitos. Não são todos os direitos de uma CLT, mas são avanços importantes. Por exemplo, o direito a um salário mínimo/hora para cobrir eventual tempo em que o trabalhador está disponível e não há entregas.

EC – E como resolve pra mensurar quando um profissional está cadastrado em mais de uma plataforma?
Fontana –
Essa situação não está prevista ainda. Mas essa pergunta é muito importante e desafiadora. Não temos segurança plena, mas em parte, pois criamos um direito à previdência. Temos de ter consciência de que a sociedade está criando uma legião de futuros idosos sem aposentadoria. Portanto foi necessário criar esse direito específico para esse grupo, com alíquotas previdenciárias diferenciadas, que pode dar direito à aposentadoria de até dois salários mínimos. A plataforma contribui com uma parte, de 8% ou 9% e o trabalhador colabora com 3%. E aí entra a resposta parcial à pergunta. Essa parte da plataforma pode ser rateada entre todas em que o profissional está inscrito conforme a disponibilidade e proporcional à remuneração dos serviços a cada uma delas. Ou seja, cada uma paga o percentual sobre a sua parte e o somatório do ganho do trabalhador é que vai determinar quanto ele vai contribuir. Quanto ao rateio para a remuneração da hora parada ainda não temos isso muito claro.

EC – O senhor espera muita resistência para conseguir fazer passar o projeto?
Fontana –
Haverá muita resistência, sem dúvida. Será um longo debate. Mas está crescendo no parlamento a consciência de que é necessário contemplar esses milhões de trabalhadores com algum tipo de direito e seguranças mínimas. Por temos certeza de estarmos colocando o tema na pauta e de que nosso projeto chega em momento oportuno. O que não dá é para essas empresas continuarem lucrando a base de aviltamento do trabalho, em que os algoritmos ditam as regras e as remunerações e os trabalhadores ficam à mercê de um sistema que não oferece qualquer transparência, que é uma reivindicação dos motoristas e entregadores, ter maior conhecimento prévio sobre o trabalho, valores e destinos.

 

 

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