GERAL

Descaso, hostilidades e falta de transparência

Alteração nos critérios de abordagem pela Fasc subestima número de pessoas em situação de rua em Porto Alegre
Por Gilson Camargo / Publicado em 15 de julho de 2021

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

As informações sobre o grupo social em situação de rua em Porto Alegre são variáveis por diversas razões, como a falta de cadastro daqueles que não acessam os serviços devido aos critérios adotados pelos programas sociais e à rotatividade da população.

A estimativa populacional é feita com base no número de abordagens do Programa Ação Rua nas 17 regiões do Orçamento Participativo da capital, sendo que nem todos são abordados. O número é diferente dos atendimentos nos dois consultórios de rua situados no Centro e no Hospital Conceição.

“Não sabemos se aqueles que foram contemplados com aluguel social ou estão abrigados deixam de figurar nas estatísticas”, explica o pesquisador da Ufrgs e apoiador do movimento PopRuaRS, Renato Farias dos Santos.

A Fasc deve informar quais critérios adotou para chegar à estimativa populacional de 2,7 mil, quando, no final de 2020, apareciam já 3.850 pessoas em situação de rua em Porto Alegre, “o que muitas organizações que trabalham com essa população e o próprio Movimento Nacional da População em Situação de Rua/RS têm considerado subestimada”.

A ONG Centro Social de Rua, que promove o “banho solidário” e distribui cobertores e alimentos a pessoas em situação de rua, apurou, em um levantamento realizado em 2020, que aumentou o número de famílias que perderam suas casas em virtude pandemia. Porém, ressalva que a maioria já enfrentava dificuldades por falta de emprego e renda para continuar pagando aluguel antes mesmo da crise sanitária.

Dos 805 entrevistados nos dias 12 e 13 de dezembro, 26,9% relataram que tinham um local para morar até o final de 2019. Uma parcela de 6,1% era de idosos, 19,9% não tinham documentos, 40% não receberam qualquer auxílio do governo, 33,2% receberam o auxílio emergencial e 26,1% foram infectados com a covid-19. Entre as quase 4 mil pessoas que se encontravam em situação de rua no final de 2020, conforme estatísticas da Fasc, predominavam jovens de 20 a 25 anos e adultos com 45 anos ou mais.

O desmonte da rede de proteção e a redução das políticas públicas e de assistência social agravaram as condições dessa população, que, além do descaso, enfrenta hostilidades do próprio poder público. Em maio de 2019, ao ser questionada sobre qual seria a postura da prefeitura em relação a moradores de rua que queriam frequentar o Restaurante Popular sem se cadastrar nos programas assistenciais, a secretária de Desenvolvimento Social e Esporte de Porto Alegre, Comandante Nádia, afirmou que “morador de rua não tem o direito de ter cadeira, cama, mesa, banho, tudo na rua”.

O presidente do Sport Club Internacional, Alessandro Barcellos, informou em uma rede social no dia 30 de junho que o clube ofereceu, três semanas antes, o Ginásio Gigantinho à prefeitura para abrigar moradores de rua, antecipando-se à frente fria que chegaria ao estado. “A prefeitura agradeceu a oferta, mas nos relatou que não há essa necessidade neste momento”, estranhou Barcellos. Na madrugada de 1º de julho, um homem morreu de frio na região que ostenta o metro quadrado mais caro da capital gaúcha, o bairro Menino Deus.

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Vacinas I

Das 7.431 pessoas em situação de rua registradas no Cadastro Único no Rio Grande do Sul, 1.539 foram imunizadas contra a covid-19 até o dia 29 de junho, segundo o Departamento de Atenção Primária e Políticas de Saúde da Secretaria Estadual da Saúde. O cronograma de vacinação dos grupos prioritários prevê a imunização de mais de 5 milhões de pessoas no estado até o dia 9 de julho e a totalidade da população em situação de rua de acordo com a disponibilidade de doses e da estrutura dos municípios. Até agora, foram imunizados 20,7% desse grupo.

Vacinas II

O Plano Municipal de Vacinação de Porto Alegre prevê o total de 3 mil doses para imunizar a população em situação de rua. A Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) vacinou os primeiros moradores de rua no dia 2 de junho, sem assegurar que a totalidade de porto-alegrenses desse grupo será alcançada, já que não há doses suficientes. A Fasc tem evitado quantificar o grupo. O Plano menciona um total de 3 mil. Mas a própria fundação admitiu um aumento de 38% desde 2019 e seria de 3.850 pessoas no final do ano passado. A Fasc não retornou os pedidos de informação.

Estimativas

A partir de 2020, devido à pandemia, a exclusão jogou três vezes mais pessoas nessa condição na capital. De acordo com as estimativas da Fasc, havia 2.775 pessoas em situação de rua em 2019. A média de ingressos, que era de 350 pessoas por ano, atingiu 1.075, o que elevou o total estimado em 38,73% para 3.850 pessoas. As estatísticas são imprecisas devido a um grande número de volantes – aqueles que voltam para casa e depois retornam para a rua.

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