JUSTIÇA

PM que matou sem terra vai a novo julgamento

Crime ocorreu durante a operação de desocupação da fazenda Southal, em 2009. TJ decide se mantém a condenação do policial a 12 anos de prisão
Da Redação / Publicado em 25 de setembro de 2018
O PM Alexandre Curto dos Santos foi a júri popular em 2017

Foto: Catiana de Medeiros/MST

O PM Alexandre Curto dos Santos foi a júri popular em 2017

Foto: Catiana de Medeiros/MST

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) julga na próxima quarta-feira, 26, a partir das 14h, o recurso de apelação do policial militar Alexandre Curto dos Santos, condenado pelo assassinato do sem terra Elton Brum da Silva com um tiro pelas costas. O crime ocorreu em 21 agosto de 2009, durante uma operação de reintegração de posse da Brigada Militar na Fazenda Southall, localizada em São Gabriel, na Fronteira Oeste do estado.

O julgamento será feito pela 1ª Câmara Criminal em Porto Alegre, que definirá se mantém a condenação de Santos e se ele volta ou não a cumprir sua pena de 12 anos de prisão. No julgamento, devem ocorrer as manifestações do procurador do Ministério Público Estadual, dos advogados de defesa do policial e dos advogados da família da vítima (assistência da acusação).

Conforme Emiliano Maldonado, um dos advogados da assistência da acusação, Santos foi solto no final de março deste ano por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que entendeu que o policial tem direito a recorrer em liberdade até confirmação da condenação em segundo grau. “Esse julgamento é muito importante, pois se trata de um caso paradigmático de violência policial contra membros de movimento social, que resultou em inúmeros feridos e na morte do trabalhador rural Elton Brum. Se confirmada a sentença de primeiro grau, o TJRS poderá enviá-lo novamente à prisão e após nove anos de processo a família poderá voltar acreditar na justiça gaúcha”, argumenta.

Liberdade e aposentadoria com privilégios

Santos, que era 3º sargento da Brigada Militar foi condenado por homicídio qualificado em júri popular, em 21 de setembro de 2017, oito anos depois de ter assassinado Elton Brum da Silva com um tiro de espingarda calibre 12 pelas costas. Sua pena foi de 12 anos de reclusão em regime fechado, perda de cargo e prisão imediata.

Desde então, o policial estava preso no Batalhão de Polícia e Guarda (BPG) em Porto Alegre. “Ele possuía esse privilégio por ser policial militar até o trânsito em julgado da sentença e para garantir a sua segurança, visto que é arriscado para um policial ficar num presídio com outros presos”, explica Maldonado.

Ainda em setembro do ano passado, uma nova liminar do TJRS garantiu a liberdade de Santos, mas ela foi cassada poucos dias depois, em outubro, no julgamento do mérito do seu Habeas Corpus e ele teve que retornar à prisão. No entanto, em março deste ano, o STJ determinou a sua soltura, que ocorreu de forma silenciosa e sem qualquer comunicação ao TJRS. Logo em seguida o PM conseguiu se aposentar, burlando a condenação de perda do cargo prevista na sentença do Tribunal do Júri.

“Ele se aposentou com uma série de privilégios e hoje recebe mais de R$ 10 mil dos cofres públicos do Estado. Enquanto isso, o valor da pensão mensal que a família de Elton recebe do Estado equivale a dois terços do salário mínimo da época do crime, ou seja, em torno de R$ 600,00”, compara. Ele acrescenta que a família do Sem Terra ainda aguarda sua inscrição nos precatórios para receber do Estado indenização pelos danos sofridos.

A polícia que mata

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que a polícia militar do Brasil está matando mais a cada ano, tornando-se a mais violenta do planeta. Em 2014 foram registradas 3.146 mortes decorrentes de intervenções policiais (em serviço ou/e fora de serviço). Em 2015, foram 3.330 assassinatos. Já em 2017 foram registradas 5.159 vítimas – 919 a mais em relação a 2016, quando ocorreram 4.240 mortes. No Rio Grande do Sul, 111 pessoas foram mortas por policiais em 2015. Em 2016, o número de vítimas chegou a 168. Este ano já foram contabilizadas 237 mortes, ou seja, um aumento vertiginoso na letalidade policial gaúcha que cresceu mais de 100% em dois anos.

Vigilia do MST durante júri popular que condenou policial a 12 anos de prisão

Foto: Letícia Stasiak/ Divulgação

Vigilia do MST durante júri popular que condenou policial a 12 anos de prisão

Foto: Letícia Stasiak/ Divulgação

CRONOLOGIA

21 de agosto de 2009
O CRIME – Elton Brum da Silva, 44 anos, foi assassinado com um disparo de espingarda calibre 12 pelas costas, durante a reintegração de posse da Fazenda Southall, um latifúndio improdutivo de cerca de 10 mil hectares localizado em São Gabriel, na Fronteira Oeste. Cerca de 300 soldados participaram da operação, marcada pela violência e arbitrariedades, que reprimiu cerca de 500 famílias que lutavam por Reforma Agrária. Dezenas de Sem Terra foram torturados e ficaram feridos. Silva deixou a esposa e uma filha menor de idade.

CONFISSÃO O tiro que matou Elton foi efetuado pelo policial militar Alexandre Curto dos Santos, que à época atuava no Pelotão de Operações Especiais do 6° Regimento de Polícia Montada (RPMon) de Bagé. A ação, que se notabilizou pelas ilegalidades, ocorreu durante o governo de Yeda Crusius (PSDB). Os tratados internacionais proíbem o uso de munição letal durante despejos forçados e se recomenda aos policiais prudência e uso progressivo de munição não letal durante ações de reintegração de posse. O disparo fatal, no entanto, foi efetuado com munição real, a curta distância e pelas costas, tornando impossível a defesa da vítima. No dia do crime, o policial militar Santos teria assumido a autoria do disparo letal ao seu superior, que inicialmente encobriu a ocorrência e viabilizou a sua fuga. Somente algumas semanas depois, diante das provas irrefutáveis apresentadas pelo Ministério Público sobre a autoria do disparo, gravado em vídeos, o policial assumiu que havia atirado, mas alegou que teria trocado a sua arma por engano com outro colega.

Fevereiro de 2016
CONDENAÇÃO DO ESTADO – A 9ª Câmara Cível do TJRS condenou o Estado do RS a indenizar a companheira, a filha e o pai de Elton por danos morais e a pagar pensão de um salário mínimo regional para a filha. Porém, diante de uma série de entraves burocráticos criados pela Procuradoria Geral do Estado, até hoje eles não foram inscritos na lista de precatórios e não receberam a indenização.

21 de setembro de 2017
JÚRI POPULAR – Oito anos após o crime, o policial foi a júri popular no Foro Central I da Comarca de Porto Alegre. Após 15 horas de sessão, ele foi condenado por homicídio qualificado à pena de 12 anos de reclusão em regime fechado, perda de cargo e prisão imediata.

29 de setembro de 2017
LIBERDADE – Oito dias depois de ter sido condenado em júri popular, o TJRS concedeu Habeas Corpus para que Santos respondesse em liberdade.

11 de outubro de 2017
CASSADO – O TJRS julgou o mérito de Habeas Corpus e cassou liminar que deu liberdade ao policial militar.

21 de março de 2018
MANOBRA DO STJ – Os ministros do STJ decidem que o policial tem direito a recorrer em liberdade até a confirmação da condenação em segundo grau. A soltura ocorreu de forma silenciosa e sem qualquer comunicação ao órgão competente (TJRS). Com uma agilidade sem precedente, a Brigada Militar agiliza a aposentadoria do policial homicida com todos os direitos, burlando a perda do cargo determinada pelo juízo na sentença de primeiro grau.

26 de setembro de 2018
NOVO JULGAMENTO – O caso Elton Brum da Silva retorna ao TJRS. A 1ª Comarca julgará se Santos voltará a cumprir sua pena em regime fechado ou se permanecerá em liberdade até confirmação da condenação em segundo grau.

Comentários