JUSTIÇA

Promotora do caso Marielle é apoiadora de Bolsonaro

Responsável pela investigação do crime junto ao MPRJ fez campanha para o candidato Bolsonaro e comemorou a eleição do presidente, agora citado no depoimento do porteiro que a própria promotora arquivou
Por Gilson Camargo / Publicado em 31 de outubro de 2019
A promotora Carmen Carvalho integra a equipe do MPRJ que descartou depoimento da testemunha que coloca Bolsonaro no centro das investigações

Foto: Instagran/ Reprodução

A promotora Carmen Carvalho integra a equipe do MPRJ que descartou depoimento da testemunha que coloca Bolsonaro no centro das investigações

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Imagem: Reprodução

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A investigação pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSol) e de seu motorista Anderson Gomes, ocorrido na noite de 14 de março de 2018, no Largo do Estácio, região central do Rio de Janeiro, está sob suspeita. Uma das promotoras que desmentiu as declarações envolvendo o presidente tem um histórico de postagens nas redes sociais de apoio a Bolsonaro, para quem fez campanha em 2018.

Em menos de 24 horas, o MPRJ reuniu provas para refutar as declarações do porteiro do condomínio Vivendas da Barra que relaciona Bolsonaro com o miliciano Elcio Vieira de Queiroz, envolvido no atentado, e que está preso desde março.

A promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho, membro da equipe do MPRJ encarregada de investigar o atentado, participou de uma coletiva na quarta-feira, 30, para desmentir as declarações da testemunha. Por seu histórico e comprometimento ideológico, não poderia participar das investigações. Nas redes sociais, a promotora aparece em fotos vestindo uma camiseta com a estampa da foto de Bolsonaro, postagens de apoio ao então candidato à Presidência e comemorações após a eleição. Carmen também posa ao lado do deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL-RJ), apoiador de Bolsonaro. Conhecido por posar para fotos fazendo apologia à violência e um dos candidatos que, durante a campanha, quebrou a placa com o nome da vereadora Marielle Franco afixada praça Marechal Floriano, em frente à Câmara Municipal do Rio. Amorim emoldurou um fragmento da placa em seu gabinete, na Assembleia Legislativa do Rio.

A promotora Carmen Carvalho também ostenta no currículo o arquivamento da ação contra policiais acusados de assassinar e sumir com o corpo do pedreiro Amarildo Dias de Souza, desaparecido da favela da Rocinha em julho de 2013.

Nas redes sociais, a promotora aparece ao lado do deputado estadual Rodrigo Amorim, aquele que quebrou a placa com o nome de Marielle

Foto: Reprodução

Nas redes sociais, a promotora exalta Bolsonaro (no alto) e aparece ao lado do deputado estadual Rodrigo Amorim (acima), aquele que quebrou a placa com o nome de Marielle

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Em janeiro, no dia da posse do presidente, Carmen escreveu em sua conta no Twitter: “Há anos que não me sinto tão emocionada”. Numa postagem que comemora a eleição de Bolsonaro ela afirma que o país se livrava do “cativeiro esquerdopata”, com exaltações ao “patriotismo” e outras expressões do nacionalismo de araque que caracterizam Bolsonaro e seus seguidores: “Assim que se constrói uma nação! União em prol do Brasil! Família, moral, honestidade, vitória do bem!”.

No mês de setembro, a promotora foi condecorada com a maior honraria do Legislativo do Rio, a Medalha Tiradentes, por iniciativa do deputado Delegado Carlos Augusto (PSD), a quem ela agradeceu com um discurso heroico: “Sempre tive certeza de que a minha árdua tarefa de vida seria o combate aos criminosos, que acabam com a paz no Rio de Janeiro”.

COMPROMETIMENTO – “Como será a atuação dessa promotora no caso do assassinato de uma pessoa que ela define como esquerdopata? Como será sua atuação em um caso que envolve Bolsonaro, aquele que está estampado em sua camisa?”, questiona o jornalista Leandro Demori, do site The Intercept, que ‘furou’ toda a imprensa ao denunciar o comprometimento da promotora. “Eu dei esse furo no Twitter hoje e já está circulando no noticiário do Brasil. Escrevi enquanto aguardava uma conexão de Dallas para Austin e agora escrevo durante o voo. Vou participar de uma conferência e falar sobre o trabalho investigativo do Intercept. Corro para dizer o óbvio: essa promotora precisa ser afastada imediatamente do caso. A Corregedoria-Geral do MPRJ tem que tomar providências”, alerta o jornalista, lembrando que o site foi o primeiro a dar a relação das milícias com o assassinato e também o envolvimento de policiais do Bope.

PRATO PRONTO – Já o jornalista Luis Nassif, do GGN, ironizou a falta de tino de jornalistas em relação à apuração das denúncias contidas no depoimento do porteiro, que foram reveladas pela Rede Globo e descartadas pela promotoria em menos de 24 horas. “Se fizer jornalismo, a Globo conseguirá ressuscitar a denúncia”, alfinetou. “É o vício do jornalismo prato pronto, herdado da Lava Jato, que transformou a imprensa em mera publicadora de releases. Agora, é tratar de ressuscitar o morto, o jornalismo”. Nassif afirma que o caminho correto da reportagem deveria ter sido a de ouvir não apenas o porteiro, mas outros porteiros e moradores do prédio. “Aí, saberiam dos seguintes fatos, que me foram passados por fonte fidedigna, com acesso ao condomínio”:

  1. O condomínio abriu mão de interfones, por ser caro e por problemas de instalação. Optou-se por telefonar ou para o celular ou para o telefone fixo de cada proprietário.
  2. No caso de Bolsonaro, as ligações são para o próprio celular de Bolsonaro. E é ele quem atende. O que significa que a versão do porteiro não era descabida. Ou seja, o fato de estar em Brasília não o impedia de atender o telefone.
  3. Carlos Bolsonaro, o Carluxo, também recebe os recados pelo celular. Em geral, fica pouco no condomínio, pois prefere permanece em seu apartamento na zona sul. Mas porteiros ouvidos por moradores sustentam que, naquele dia, ele estava no condomínio.
  4. O porteiro do depoimento está de férias. Mas moradores do condomínio foram, por conta própria, conversar com os demais porteiros. E eles garantiram que a ligação foi feita para Bolsonaro mesmo.
  5. O sistema eletrônico diz que a ligação foi para Ronnie Lessa. Tem que se buscar as razões para esse desencontro. O porteiro pode ter ligado para Bolsonaro, que lhe disse para ligar diretamente para Ronnie Lessa, por exemplo. O próprio Elcio Queiroz pode ter corrigido o porteiro.
  6. Agora, uma reportagem mal feita colocou porteiro e porteiros à mercê de Sérgio Moro e Augusto Aras, que se transformaram no grande braço de Jair Bolsonaro.

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