JUSTIÇA

MPT recebeu mais de 300 denúncias somente no Rio Grande do Sul

Por César Fraga / Publicado em 31 de março de 2020

Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Desde o início da pandemia e sob o tema específico dos impactos causados pelo novo coronavírus, o Ministério Público do Trabalho (MPT) recebeu de todo o país mais de 2.400 denúncias de práticas irregulares. Empregados impedidos ao trabalho a distância quando existe essa possibilidade sem prejuízo à empresa, trabalhador obrigado a tirar férias, empregador incentivando o empregado a utilizar o transporte público em horário de pico, o descumprimento do empregador da manutenção da distância mínima de um metro entre um trabalhador e outro, o não fornecimento de informações adequadas, nem itens de higiene como álcool gel aos funcionários.
O número de denúncias apenas sobre Covid-19 já corresponde a quase 30% do total recebido sobre todos os temas em março de 2019, que chegou a registrar 8.161 denúncias. Como resultado, o MPT pediu a abertura de 220 inquéritos civis, espalhados pelas 24 unidades regionais do órgão. Somente no  Rio Grande do Sul passam de 300 denúncias, sem contar os números represados.
Nesta entrevista, o procurador do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPR/RS), Rogério Uzun Fleischmann, fala a respeito da atuação da Justiça do Trabalho e dos mecanismos de proteção ao trabalhador no contexto da pandemia do novo coronavírus (Covid-19) e das implicações trabalhistas e de saúde no trabalho.

Extra Classe – Os trabalhadores que continuam trabalhando durante a quarentena estão preocupados com o avanço do virus/doença. Quais as ações do Ministério Público do Trabalho no sentido de preservar a saúde destes trabalhadores?
Rogério Uzun Fleischmann – O Ministério Público do Trabalho tem feito recomendações a vários setores da economia, principalmente os que são essenciais e que não podem cessar o trabalho durante a quarentena. Já se mandou recomendações para supermercados, transporte coletivo, farmácia, funerárias. Enfim, um rol imenso de atividades econômicas em que se aponta quais medidas devem ser adotadas para preservar a saúde dos trabalhadores. Essa é uma primeira forma de abordagem, que é preventiva e genérica. Como não sabemos o que está se passando na realidade a gente recomenda os procedimentos a uma categoria inteira. Há também uma outra forma de atuação que é o recebimento de denúncias. São milhares. Isso demonstra a importância dos órgãos de proteção ao trabalhador. Algo que se tentou menosprezar com a reforma trabalhista, com o discurso de que a Justiça do Trabalho atrapalharia o país. Mas se por um lado mostra a importância, por outro nos dá a dimensão do problema.

Extra Classe –  E qual o outro campo de atuação?
Rogério Uzun Fleischmann – É junto ao governo do estado e aos governos municipais na construção das normas. Temos tentado incidir junto à Procuradoria Geral do Estado (PGE), junto à Famurs (Federação dos Municípios) por conta da dinâmica diária das proposições. A partir disso, o MPT vai acompanhando e sugerindo. A nossa grande preocupação e principal ordem do dia nesta semana (do dia 29/3) foi justamente a mudança no decreto do Governo do Estado que permite aos municípios arbitrar sobre suas atividades não essenciais a partir das suas necessidades locais. Uruguaiana é diferente de Porto Alegre, por exemplo. A concentração de pessoas é menor. Então, em tese, a gente entende e aceita essa medida. Mas também causa um problema. No decreto o texto diz que o município vai cobrar do comércio a adoção de medidas. Entre elas o distanciamento de dois metros. Mas basta entrar em qualquer supermercado para a gente perceber que esse distanciamento não é colocado em prática. Entre o que está no decreto, que é bonito, que faz sentido, e o que a gente vê na prática tem uma distância muito grande. Isso, no dia a dia, vai minando a proposta de isolamento. Existe uma discussão muito forte para haver alguma medida que possa resolver esse problema. [Nota do redator: na noite do dia 31 de março o governador Eduardo Leite voltou atrás de sua decisão anterior e anunciou publicação de novo decreto nesta quarta-feira, 1º de abril, fechando o comércio em todo o Estado, exceto farmácias e supermercados, até dia 14 do mesmo mês.]

Extra Classe –  Já teve alguma situação de denúncia aqui no Estado que exigiu a interferência do MP?
Rogério Uzun Fleischmann – As denúncias são centenas. O que temos de mais comum é o não afastamento das pessoas do grupo de risco, a não adoção do distanciamento de dois metros entre as pessoas, a falta de treinamento dos trabalhadores (os trabalhadores não sabem o que devem ou não devem fazer), a não concessão de equipamentos de proteção individuais de EPIs, principalmente álcool-gel, e coação para trabalhar durante a quarentena. A coisa é tão dinâmica e é tanta coisa que a gente, em princípio, não está indo a campo. Salvo algo muito gritante. Estamos todos atuando em home office e não tenho notícia de colega que tenha conseguido fazer a fiscalização in loco. A verdade é que essa fiscalização é impossível.

Extra Classe – Os profissionais da saúde estão expostos diretamente. Há ações específicas? Existe falta de EPI?
Rogério Uzun Fleichmann – A primeira recomendação que o MPT mandou foi para os hospitais e unidades de saúde. E, sim, há inúmeras denúncias dos profissionais da saúde por falta de equipamento, de máscaras, de álcool gel e o não afastamento do pessoal do grupo de risco. Essa última, uma reclamação constante das unidades de saúde. Quanto aos EPIs a grande discussão é a falta de abastecimento no mercado.

Extra Classe –  Por outro lado, os trabalhadores que estão em quarentena estão preocupados com o emprego e salário.  Qual o entendimento do MPT em relação a isto? E quais as ações?
Rogério Uzun Fleischmann – Acompanhando esse debate entre a economia e a saúde percebemos que o equilíbrio é muito difícil. Não podemos fechar os olhos para a situação complicada das empresas. Muitas empresas chegaram à conclusão que, nesse período de parada, em que a economia vai patinar, e diante do problema de pagar os salários, é melhor optar pela demissão, o trabalhador recebe o seguro desemprego e quando tiver terminando o seguro desemprego elas podem recontratar. Parece que foi uma forma que as empresas viram de buscar uma solução diante da falta de opções plausíveis apresentadas pelo governo federal. Ou seja, agora que estão começando a se mexer nesse sentido.

Extra Classe – E os acordos?
Rogério Uzun Fleischmann – Tem uma coisa que o MPT está reiterando sempre, não dá para fazer discussão sobre redução de salário ou de jornada, que são as maiores dúvidas dos trabalhadores, sem passar por negociação com o sindicato.

O governo até tentou deixar os sindicatos de fora e diz para as empresas fazerem acordos individuais, mas é inconstitucional. Está na Constituição, a redução de salário ou jornada só mediante acordo coletivo mediado pela representação de classe.

Extra Classe – Como fica o trabalhador temporário ou que ainda não havia completado seis meses de carteira?
Rogério Uzun Fleischmann – Esse pessoal depende de alguma resolução do governo que ainda não foi anunciada. A gente sente que é necessária agilidade nesse momento. Os problemas são concretos e cada dia em que a gente deixa de tomar alguma medida o problema se avoluma. Trata-se de um problema que cresce em progressão geométrica e que impacta todo mundo. O governo precisa ter um comprometimento sério. As empresas e os trabalhadores vão precisar do governo nesse momento. Portanto, medidas precisam ser adotadas. O que não se acredita é resolver o problema que é de saúde pública, que é um problema real, com política partidária eleitoral. Isso está muito claro. Não é momento de politizar o problema do ponto de vista ideológico, mas de apresentar políticas públicas, que é outro tipo de política.

Extra Classe – Mais especificamente em relação aos professores. Estão em quarentena, com escolas fechadas, mas muitos deles em home office. Quais as orientações do MPT?
Rogério Uzun Fleischmann – Essa questão das aulas é muito vinculada ao que diz o Governo e depende totalmente das decisões de governo. Estamos na dependência de o governo definir se volta, se não volta ou em que condições volta. E, toda essa regulação a ser feita com os professores e funcionários de escola, obrigatoriamente tem de passar pelos sindicatos que os representam. Temos agora uma suspensão das aulas e um retorno ainda sem data. Questões como recuperação de dias letivos, férias e todos os processos de compensação e de jornadas de trabalho, tudo que tiver de resolver em relação a isso necessariamente passa por acordos de sindicatos profissionais e patronal. E, já são tantos os problemas que judicializar é ruim para todas as partes.

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