JUSTIÇA

Governo suspende 295 anistias e deixa em alerta entidades de direitos humanos

Em portarias, Ministra Damares Alves alega falta de provas sobre perseguição política e anula benefício de oficiais dispensados pela Aeronáutica em 1964
Por Flávio Ilha / Publicado em 8 de junho de 2020
Ministra Damares Alves alegou falta de provas sobre perseguição política para anular anistia a oficiais da Aeronáutica

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Ministra Damares Alves alegou falta de provas sobre perseguição política para anular anistia a oficiais da Aeronáutica

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, anulou, mediante portarias administrativas, 295 atos de anistia política a cabos da Aeronáutica perseguidos pela ditadura militar que comandou o país entre 1964 e 1985. As portarias foram publicadas no Diário Oficial da União desta segunda-feira, 8, com data retroativa a sexta-feira, 5.

A justificativa é de que não houve comprovação da perseguição política aos anistiados no ato da concessão do benefício. Os cabos foram desligados em 1964, logo após o golpe, sob a alegação de que estava em curso uma reforma administrativa na corporação. A decisão desobriga os atingidos de ressarcir os cofres públicos de valores recebidos a título de anistia.

O ato causou preocupação nas entidades de direitos humanos, que temem a abertura de um procedimento amplo de revisão dos processos concedidos pela Comissão de Anistia. Segundo a ex-ministra dos Direitos Humanos no governo Dilma, deputada federal Maria do Rosário (PT), trata-se de uma decisão “temerária”.

“Uma revisão dessa magnitude não pode ser adotada sem um parecer claro, porque desfaz o reconhecimento de que houve responsabilidade do Estado na perseguição de pessoas e famílias”, disse a ex-ministra. Mesmo que se refira apenas a um grupo de anistiados da Aeronáutica, a decisão “abre espaço para qualquer outra revisão”, acrescenta a parlamentar.

O PT anunciou que ingressará com uma ação no Ministério Público Federal (MPF) para que o órgão se pronuncie sobre a validade da medida. Além disso, estuda a elaboração de um projeto de decreto legislativo (PDL) que anule as decisões. O PSol também aventou a possibilidade de ingressar com um PDL para tentar anular a medida.

“Esse assunto vinha sendo discutido desde o ano passado, durante uma audiência pública promovida pela ministra. Nós consideramos uma decisão absurda, pois coloca sob risco todos os processos da Comissão de Anistia”, sustenta a líder da bancada do PSol na Câmara, Fernanda Melchiona. O partido vai ingressar com requerimento de convocação para que a ministra Damares Alves dê explicações sobre o caso.

O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Roque Reckziegel, considerou “deplorável” a anulação

Foto: OAB/ Divulgação

O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Roque Reckziegel, considerou “deplorável” a anulação

Foto: OAB/ Divulgação

O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke, também criticou duramente a decisão – embora considere que as anistias da Aeronáutica são polêmicas. “Olho para o futuro e acho muito ruim, porque isso pode contaminar todos os processos, já concedidos ou em andamento”, disse.

As entidades de direitos humanos estimam que há cerca de 16 mil processos de anistia ainda em tramitação. “A decisão abre caminho para qualquer anulação”, reforça Krischke.

O coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Roque Reckziegel, considerou “deplorável” a suspensão e disse que a decisão causa revolta. “Neste ano, quase duas centenas de pedidos de anistia já foram negados. É lamentável que o governo assuma esse papel, desconstruindo um trabalho que levou décadas para se consolidar até aplacar a dor causada pelas perseguições, mortes e desaparecimentos”, ressalta.

Em nota, o ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos informou que a suspensão das anistias foi baseada em aval do Supremo Tribunal Federal (STF), que autorizou a revisão de 2,5 mil anistias no âmbito da Aeronáutica. No comunicado, a pasta argumenta que sempre conduziu o trabalho de forma transparente e que “repudia” os processos feitos no passado, em que “muitos advogados ficaram ricos”.

O presidente da Comissão de Anistia defendeu a decisão. “Estamos encarregados de proteger o erário público e evitar sua dilapidação por meio de requerimentos que não contenham os requisitos legais. O governo está resgatando a moralidade que o Brasil merece, com segurança jurídica e muita responsabilidade. Anistiar não é endinheirar, mas perdoar e seguir em frente”, disse João Henrique Nascimento de Freitas.

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