JUSTIÇA

Autópsia aumenta mistério sobre morte de adolescente indígena

Perícia não encontra pistas sobre arma ou causa da morte de Daiane Sales, 14 anos, que apareceu morta depois de uma festa de jovens na Terra Indígena Guarita, no Noroeste gaúcho
Por Gilson Camargo / Publicado em 9 de agosto de 2021
Jovem foi assassinada na Terra Indígena do Guarita, em Redentora

Foto: Divulgação

Jovem foi assassinada na Terra Indígena do Guarita, em Redentora

Foto: Divulgação

O laudo preliminar do Instituto de Criminalística que deveria fornecer pistas à polícia civil sobre o assassinato da adolescente indígena Daiane Griá Sales, 14 anos, acabou tornando o caso ainda mais nebuloso para os investigadores. O corpo da menina da etnia Kaingang encontrado por um agricultor na quarta-feira, 4, cinco dias depois que ela saiu de casa para ir a uma festa, estava em meio a uma lavoura e próximo de um mato, na Terra Indígena do Guarita, no município de Redentora.

A reserva tem 24 mil hectares e cobre parte dos territórios de Redentora, Tenente Portela, Erval Seco e Miraguaí. Localizado no Noroeste gaúcho, o maior Território Indígena do estado vive desde a semana passada um clima de horror, comoção e revolta que aumenta à medida em que avançam as investigações. Parcialmente devorado por urubus, o cadáver forneceu poucas pistas que possam ajudar a elucidar o crime. “É nessa linha a investigação, o dilaceramento não foi por causa humana”, confirma o delegado Vilmar Schaefer, que conduz a investigação pela delegacia de polícia local.

A polícia trabalha com hipóteses. A mais provável, tentativa de estupro seguida de feminicídio – assassinato por questões de gênero. A autópsia, no entanto, não encontrou pistas que determinem o tipo de arma usada no crime ou indícios da causa da morte ou marcas de violência física. Devido a um ferimento no pescoço, a hipótese de morte por asfixia, embora sem evidências periciais, não está descartada.

“Estamos com as investigações em curso, ininterruptamente, desde que tomamos conhecimento na quarta-feira, por volta das 16h. A autoria não está esclarecida por ora. A causa mortis é indeterminada, não foi possível, diante dos achados cadavéricos, determinar se houve crime de natureza sexual. Também a ausência de sinais de asfixia ou de lesão por arma branca ou de fogo, ou qualquer outra lesão, que tenha sido a causa do êxito letal”, explicou Schaefer, que aguarda exames complementares para tentar estabelecer o que provocou a morte da jovem.

Festa na reserva

Daiane Sales, 14 anos, foi encontrada a dois quilômetros da aldeia onde vivia com os pais

Foto: Reprodução

Daiane Sales, 14 anos, foi encontrada a dois quilômetros da aldeia onde vivia com os pais

Foto: Reprodução

Tudo ainda está sob investigação, com algumas conclusões que ainda seguem em aberto, diz o delegado. Mais de 20 pessoas já foram ouvidas na delegacia, incluindo familiares da adolescente. O inquérito já apurou que a menina estava desaparecida desde sábado, 31 de julho, quando saiu de sua aldeia, na linha Bananeiras – a reserva é dividida em setores que equivalem às 16 aldeias da etnia Kaingang e duas dos guaranis – para ir a uma festa dentro dos limites da aldeia.

O corpo da jovem foi encontrado cinco dias depois por um agricultor que estranhou o movimento de urubus no entorno da mata, no setor Estiva, a dois quilômetros da aldeia de Daiane. Schaefer diz que está aguardando outro laudo complementar que poderá indicar o dia provável da morte.

No dia do desaparecimento, por volta das 16h, a vítima participou de um encontro de jovens na vila São João, próxima ao setor da reserva onde o corpo foi encontrado pela testemunha. Videos obtidos pela polícia mostram grupos de jovens dançando ao som de carros estacionados, muitos deles supostamente de pessoas de fora da reserva. O material em poder da polícia será periciado. Lideranças da aldeia alegam que as imagens são de um encontro de jovens que teria ocorrido fora dos limites da Terra Indígena.

Depois da festa, Daiane não retornou para a sua aldeia. A ausência da jovem em casa só foi notada no dia seguinte pela família. A mãe relatou à polícia que decidiu não registrar o desaparecimento por achar que ela acabaria voltando para casa. Mas só voltou a ter notícias de Daiane quando foi reconhecer o corpo localizado pelo agricultor.

Cacique na TI Guarita há cerca de três anos, Carlinhos Alfaiate afirmou que a comunidade está em contato com a polícia e espera ver o caso solucionado. “Nós não vamos deixar impune isso. Hoje temos quase 8 mil índios na nossa comunidade, a preocupação aumenta a cada dia. O culpado vai pagar, não importa quem. Eu, como cacique, não concordo com isso, não aceito. Esse vídeo que foi gravado foi fora da reserva”, disse ao se referir às gravações sobre o encontro de jovens antes do crime.

Video

Milena Jynhpó cobra políticas públicas para proteger a vida das mulheres indígenas

Foto: Reprodução

Milena Jynhpó cobra políticas públicas para proteger a vida das mulheres indígenas

Foto: Reprodução

Milena Jynhpó, amiga de Daiane, diz em um vídeo postado nas redes sociais que assim como a adolescente que foi assassinada, ela tem sonhos e teme pela própria vida. “Diariamente vivemos um sistema machista, cruel, brutal e assassino”, afirma Milena na gravação em que cobra políticas públicas para proteger a vida das mulheres indígenas. O vídeo foi postado pela mãe de Milena, a professora Regina Goj Tej Emilio, kaingang que vive na Terra Indígena Guarita. A polícia descartou a relação entre o crime e a cultura de ódio aos indígenas que impera na região.

Direitos humanos

O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NUDDH) da Defensoria Pública do RS instaurou um expediente para acompanhar as investigações da morte da adolescente indígena.

Os defensores públicos Kedi Letícia Bagetti e Fernando Gabriel Ghiggi, que atuam nas comarcas que abrangem a reserva, estão acompanhando o caso. Na sexta-feira, 6, os defensores reuniram-se com o delegado responsável pelas investigações, com a delegada Regional da polícia civil e o cacique caingangue.

O Ministério Público em Coronel Bicaco, por meio do promotor de Justiça Miguel Germano Podanoche, está acompanhando as investigações policiais. “O caso, por envolver uma investigação complexa, está sob sigilo. Por enquanto, o MP está colaborando com a Delegacia de Polícia e aguardando que o inquérito policial seja concluído, para que então se busque a punição da pessoa ou das pessoas envolvidas no fato”, disse o promotor.

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