JUSTIÇA

STJ nega absolvição e mantém júri popular para matador de Marielle Franco e Anderson Gomes

Ex-policial militar ligado às milícias do Rio está preso no Mato Grosso do Sul pela autoria das execuções da vereadora do PSol e do seu motorista, em março de 2018
Por Gilson Camargo / Publicado em 15 de março de 2022

Foto: Mídia Ninja

A vereadora Marielle Franco (PSol) foi assassinada em uma emboscada na madrugada de 14 de março de 2018, na região central do Rio

Foto: Mídia Ninja

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Rogerio Schietti Cruz rejeitou na segunda-feira, 14, recurso especial interposto pelo policial militar reformado Ronnie Lessa, que buscava a sua absolvição sumária ou o afastamento da decisão que o mandou a julgamento perante o tribunal do júri pelo assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes.

O ex-PM Ronnie Lessa está preso na Penitenciária de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, desde março de 2019. Nesta terça-feira, 15, a Operação Florida Heat, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, cumpriu mandados contra ele outros dois suspeitos por tráfico internacional de armas. Além de Lessa, foram presos Ilma Lustosa, 88 anos, e o filho dela, Victor Oliveira. Na casa da mulher, em Vila Isabel, na zona Norte do Rio, foi apreendida uma impressora 3D que era usada para montar armas fornecidas para traficantes, milicianos e matadores de aluguel.

Gardênia Azul e Rio das Pedras

Imagem: Reproduções

Ronnie Lessa, sargento aposentado da Polícia Militar, autor dos disparos que mataram Marielle e Anderson, e Élcio Queiroz, ex-policial militar que atuou como motorista no atentado

Imagem: Reproduções

As execuções de Marielle Franco e Anderson Gomes foram cometidas há quatro anos, em 14 de março de 2018. Nas investigações conduzidas no Rio de Janeiro, foram presos preventivamente e indiciados pelo crime, no dia 12 de março de 2019, Ronnie Lessa, que é sargento aposentado da Polícia Militar e Élcio Queiroz, ex-policial militar que atuou como motorista no atentado.

Ambos têm ligações com o Escritório do Crime – organização criminosa que reúne matadores de aluguel nas comunidades Gardênia Azul e Rio das Pedras, na zona Oeste do Rio de Janeiro. A ordem para matar e a articulação do atentado contra a vereadora partiram do comando das milícias que controlam essas duas comunidades

Matador vai a júri popular

O ministro Rogerio Schietti Cruz, do STJ, afirmou que a sentença de pronúncia, mantida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), apresentou razões concretas tanto para negar a absolvição sumária quanto para submeter o ex-sargento ao tribunal do júri.

Lessa foi acusado formalmente pelo assassinato de Marielle, pelo crime de homicídio qualificado por motivo torpe e por uso de recuso de dificultou a defesa da vítima. Em relação a Anderson Gomes, ele foi acusado por homicídio qualificado pelo uso de recurso que dificultou a defesa da vítima e pelo objetivo de assegurar a execução ou a ocultação de outro crime.

No recurso, a defesa do ex-policial alegou que não haveria evidência de seu envolvimento no crime, o que justificaria a absolvição sumária. Entre outros argumentos, sustentou que o réu não estava no local do crime e que nunca teria pesquisado informações sobre Marielle Franco na internet.

Além do pedido de absolvição sumária ou de impronúncia, a defesa questionou as qualificadoras aplicadas à acusação.

Execução premeditada

O ministro Rogerio Schietti citou uma série de elementos considerados pelo juiz de primeiro grau – e, depois, pelo TJRJ – para negar o pedido de absolvição sumária do ex-policial e manter a realização do júri popular.

Entre essas evidências, apontou, estão registros de que Lessa estaria monitorando Marielle antes do dia do crime. Foram descobertas buscas que ele fez na internet sobre os locais em que a vereadora costumava atuar, o seu partido político (PSol) e os endereços que frequentava.

Também estão nos autos, segundo o relator, indícios de que o policial reformado tentou dissimular as buscar realizadas antes da data de execução do crime.

“Essas são algumas das provas citadas na pronúncia, mantida em segundo grau, que consubstanciam lastro mínimo, judicializado, da admissibilidade da acusação a ser desenvolvida em plenário do júri. As instâncias ordinárias justificaram a suspeita que recai sobre o agravado, acerca de crime contra a vida”, destacou o ministro.

Ainda de acordo com Schietti, as informações do processo indicam que as vítimas foram emboscadas, tendo em vista que os executores monitoravam Marielle e sabiam que ela estaria em um evento no dia do crime. Segundo lembrou o magistrado, o laudo necroscópico mostra que a vereadora e o seu motorista foram executados com vários tiros na cabeça e nas costas, o que revela que não tiveram chance de defesa.

Quem mandou matar Marielle

Foto: Redes Sociais/ Reprodução

O ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, foi executado como queima de arquivo, disse ao MP a viúva dele, Julia Lotufo. O miliciano foi contratado para matar Marielle, mas recusou

Foto: Redes Sociais/ Reprodução

Em maio de 2020, a 3ª Seção do STJ julgou improcedente um pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para transferir as investigações do Caso Marielle para a esfera federal.

A ministra Laurita Vaz, relatora, defendeu a manutenção do caso sob a competência da Justiça estadual, da Polícia Civil e do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ). Para ela, o caso não preenche os requisitos necessários para a federalização. Laurita afirmou não ser possível verificar “desídia ou desinteresse por parte das autoridades estaduais nas investigações para solucionar o crime”. A investigação, no entanto, ainda não apurou quem foi o mandante do crime.

A execução da vereadora foi articulada pelo comando da milícia nas comunidades Gardênia Azul e Rio das Pedras, na zona Oeste do Rio de Janeiro, segundo apontam as investigações da Polícia Civil e do MPRJ.

Em julho do ano passado, Julia Mello Lotufo, viúva do ex-capitão do Bope, Adriano Magalhães da Nóbrega, executado na Bahia em fevereiro de 2020, afirmou em uma delação premiada ao Ministério Público do Rio que ele foi sondado pelo comando da milícia para executar Marielle porque a vereadora estaria “atrapalhando os negócios da milícia” nas duas comunidades. Adriano atuava com grilagem de terras e exploração de máquinas caça-níqueis e teria recusado o “serviço” por achar que a morte de uma parlamentar poderia jogar os holofotes sobre as comunidades e atrapalhar os negócios.

Encontro de matadores de aluguel

Depois do crime, Adriano se reuniu com milicianos e matadores de aluguel em uma padaria de Rio das Pedras para saber se algum de seus aliados estava envolvido nas mortes. O encontro do alto comando da milícia foi relatado no inquérito pela viúva de Nóbrega, por Ronnie Lessa e por Jorge Alberto Moerth, o Beto Bomba, que comanda outra milícia na zona Oeste. O nome do mandante do crime teria sido revelado pela viúva durante a delação, o que nunca foi confirmado pelo MPRJ.

Um dos chefes da milícia da comunidade Gardênia Azul é o ex-vereador Cristiano Girão. Em setembro de 2020, o MP e a polícia do Rio fizeram buscas e apreensões em endereços do ex-vereador, que tem ligação com Ronnie Lessa, preso por participação no assassinato de Marielle e Anderson.

Após o depoimento da viúva de Adriano – em que afirma que ele foi eliminado em uma queima de arquivo e não em um confronto com a polícia como afirmou a PM da Bahia – o MPRJ comunicou que as promotoras Simone Sibílio e Letícia Emile estavam fora da força-tarefa. As investigaram o caso e tiveram participação direta na prisão do ex-PM Élcio Queiroz, que dirigia o carro usado no crime, e do sargento reformado Ronnie Lessa, que fez os disparos.

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