JUSTIÇA

MPF analisa denúncia de homofobia em áudio de psicóloga

Gravação atribuída à psicóloga concursada do GHC fala em complô LGBT envolvendo práticas médicas para mudar sexo de crianças e pede voto para Bolsonaro
Por César Fraga / Publicado em 19 de outubro de 2022
MPF analisa denúncia de homofobia em áudio de psicóloga

Foto: Reprodução/viviannejacquessapiro.com.br

Áudio atribuído à psicóloga Viviane Jacques Sapiro, que atende no Hospital da Criança Conceição, do Grupo GHC, contendo ataques homofóbicos, transfóbicos, racistas e coação eleitoral está sendo averiguado pelo Ministério Público Federal (MPF)

Foto: Reprodução/viviannejacquessapiro.com.br

O Ministério Público Federal (MPF) – Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão está apurando denúncia sobre prática de homofobia e transfobia apresentada pelo Grupo Nuances Livre Expressão Sexual na última sexta-feira, 14, contra a psicóloga Viviane Jacques Sapiro, que atende no Hospital da Criança Conceição, do Grupo Hospitalar Conceição (GHC).

No áudio atribuído à psicóloga que atende 500 crianças/mês via SUS também é pedido voto em Jair Bolsonaro sob alegação de que caso o ex-presidente Lula vença as eleições “ocorreria o fim da civilização ocidental”, pois haveria um complô para incutir “ideologias de gênero nas crianças”.

Leia a transcrição do áudio que consta no documento enviado ao MPF:

[…] essas coisas aí eu vejo direto porque eu trabalho num hospital pediátrico com um ambulatório aberto pra comunidade. Então o número de crianças que eu atendo mensalmente é uma média de 400, 500, dependendo do mês, tá? Ahm, eu já recebi, em função da minha condição de supervisora acadêmica, aliás, supervisora local das faculdades de psicologia, eu já recebi pressão inclusive da coordenadora da faculdade de psicologia da Unisinos, pra estimular essa coisa de gênero, tá? Então é bem real e é bem grave e isso tem a ver com uma lei, que o Lula assinou em 2009, chamada PNDH-3, dos Direitos Humanos, que coloca, bem claramente, a desconstrução da heteronormatividade como uma das metas dos Direitos Humanos, ligada à questão da ONU.

 Uma das mentoras disso aí chama-se Judith Bitler (sic), é uma norte-americana, filósofa norte-americana de origem judaica homossexual, que ela quer fazer, na verdade, assim, uma nova espécie, ahm, de humanos, ahm, sem gênero, né, a ideia é essa, é muito grave e é fato, é real, ahm, essa é uma das razões pelas quais a gente tem que convencer as famílias, não só votar no Bolsonaro, como convencer as famílias a não, a não votar no Lula porque é o fim da civilização ocidental. E se a gente pensar que homossexuais não se reproduzem, isso significa que pode ser também, sem exagero, o fim da humanidade. Tá?

 O tipo de estrutura psíquica que vem dando esses experimentos da Bitler (sic) aí, com os LGBTQ+QIA+ (sic) são um tipo chamado em psicanálise de perversos polimorfos, os perversos polimorfos ficam com uma falha cognitiva como se fossem eternas crianças, eles não crescem cognitivamente, eles ficam frágeis e infantilizados, ahm, não sei, observa, presta atenção como já se vê adultos que se vestem como criancinhas, tá? Isso não é, tá sendo cada vez mais comum, isso são os perversos polimorfismos e tem essa causa aí nas políticas públicas, né, ahm, colocadas, estimuladas pelo PT. Ahm, o perverso polimorfismo não permite, né, dentro da estruturação psíquica que o, que se desenvolvam como adultos, tá?

 Outra coisa que tá acontecendo muito, é isso de colocar criança como trans, as crianças, elas têm um tempo de estruturação, então não existe criança trans, mas, dentro dessa ideologia de gênero aí, eles estão já dando hormônio pra crianças pequenas, tá, antes de começar a puberdade, né, pra alterar o que seria o desenvolvimento endócrino normal e, quando nascem os seios, eles já tão começando a retirar os seios.

Isso é muito parecido com o que o Mengele,o Dr. Mengele e seu grupo de médicos fizeram com os judeus, com as crianças e adultos, mas muito com as crianças, durante a segunda guerra mundial, né. Se o Hitler tinha uma ideia de raça pura, ahm, hoje a ideia é de gênero puro

homossexual, né. Se antes se abolia os não judeus, aliás, os judeus, e se tinha a ideia do purismo ariano, hoje se tem a ideia do purismo homossexual, ou seja, tu não pode ser heterossexual porque tu és impuro dentro da ideia, né, digamos, da nova normatividade aí. Então, então assim, tirando o seio de criança, de menina, ahm, dando hormônio e, enfim, mutilando crianças e adolescentes.

 Esses hormônios eles ahm, causam, entre outras patologias, causam câncer, né, fora as patologias emocionais que tão aí aos montes. Então, ahm, conversa com a família, com todo mundo que tu puder, tá? Para não votar no Lula, porque votar no Lula significa o fim dos tempos e não é exagero.

Conforme a assessoria de comunicação do MPF/PRDC a única coisa que o procurador Enrico Rodrigues de Freitas pode afirmar no momento é que os fatos estão sendo apurados. Ainda não há prazo para manifestação do procurador.

Conforme áudio, LGBTQIA+ teriam falha cognitiva

No áudio, a comunidade LGBTQIA+ é diagnosticada com tendo uma “falha cognitiva”, além de equiparar a política nazista de purismo racial a uma suposta política de “gênero puro”, atribuída falsamente à filósofa norte-americana Judith Butler, apresentada como “de origem judaica e homossexual”.

O nome da voz não aparece identificada, mas é  feminina e se apresenta como psicanalista para legitimar teorias da conspiração acerca de práticas médicas que incluem mudança de sexo e prescrição de hormônios para crianças.

A gravação é difundida por grupos de WhatsApp e ataca o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), aprovado em 2009 durante o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): “a gente tem que convencer as famílias a não só votar no Bolsonaro, como a não votar no Lula”, apela a locutora, que fala em nome de uma sexualidade exclusivamente reprodutiva: “se a gente pensar que homossexuais não se reproduzem, isso significa que pode ser também, sem exagero, o fim da humanidade”.

Direitos humanos atacados

O trecho do Programa Nacional de Direitos Humanos atacado é o que orienta “reconhecer e incluir nos sistemas de informação do serviço público todas as configurações familiares constituídas por lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, com base na desconstrução da heteronormatividade”.

GHC se isenta

Em resposta ao Extra Classe, a Assessoria de Comunicação do Grupo Hospitalar Conceição limitou-se a dizer que “O GHC não vai se manifestar sobre a pauta. É um assunto particular e de responsabilidade técnica e política da profissional. É uma situação para ser resolvida com as partes envolvidas e órgãos competentes, conforme a legislação vigente”.

Além disso, o assessor indicou como fonte para nossa apuração a psicanalista francesa Élisabeth Roudinesco, que participa nesta quarta-feira, 19, do Fronteiras do Pensamento em videoconferência, que teria ideias semelhantes às expressadas no áudio que viralizou nas redes bolsonaristas.

Nota do Conselho de Psicologia

Em nota emitida no dia 17 de outubro, o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRPRS) tornou pública sua posição de defesa intransigente dos direitos humanos e de reconhecimento do direito à autodeterminação como parte da autonomia das pessoas e de sua identidade de gênero.
“Reafirma que a atuação profissional da categoria deve ser pautada pela eliminação da transfobia e do preconceito em relação às pessoas transexuais e travestis, bem como, pelo combate às violências de gênero, aos obstáculos e à autonomia de pessoas cisgênero, transexuais ou travestis, pessoas com expressões não-binárias de gênero, dentre outras. Devem ser considerados, ainda, os aspectos de raça, etnia, orientação sexual, idade e deficiência”, diz a nota.

No documento, diz ainda, utilizando linguagem neutra: “de acordo com o Código de Ética de Psicólogos, Psicólogas e Psicólogues, a atuação profissional deve promover a liberdade, a dignidade, a igualdade e a integridade do ser humano, ser pautada nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, analisar – crítica e historicamente – a realidade política, econômica, social e cultural e considerar as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais. O CRPRS acredita que a Psicologia pode e deve atuar na construção de uma sociedade inclusiva e que combata todas as formas de violência, em caráter irrestrito.”

A denúncia

Na denúncia, o Grupo Nuances defende que o áudio viola o Código de Ética Profissional do Psicólogo, desrespeita garantias constitucionais e fomenta o pânico social contra a população LGBTQIA+.

Além disso, o Nuances pede ao Ministério Público que notifique a psicóloga Viviane Jacques Sapiro para que preste esclarecimentos acerca do teor da sua fala; notifique o Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul acerca dos posicionamentos da referida psicóloga sobre homossexualidade e transexualidade, que violam frontalmente o Código de Ética da/o Profissional Psicóloga/o, promovem discriminação e incitam preconceito, em desrespeito flagrante à Constituição Federal e à Lei 7.716/1989; e avalie a possibilidade de denúncia da profissional pelo crime de racismo, nos termos do art. 20 da Lei 7.716/1989 e do recente entendimento do STF, e de coação.

O Extra Classe tentou contato com a psicóloga Viviane Jacques Sapiro via e-mail, pelo telefone de seu consultório particular, SMS e recados, porém até o fechamento desta matéria (em 19 de out de 2022 às 18:47) ela não se manifestou nem deu retorno aos recados.

Contraponto

Após alguns contatos com a Dra. Viviane Jacques Sapiro e com seu representante legal nos dias posteriores à publicação desta reportagem, na segunda-feira, 24 de outubro, o Extra Classe recebeu nota oficial de esclarecimento a partir do advogado Pedro Logomarcino. Segue a íntegra da documento:

NOTA DE ESCLARECIMENTO – A pedido da Dra. Viviane Jacques Sapiro, como seu procurador constituído, venho esclarecer que, até o presente momento, não existe acusação em denúncia formalizada pelo Ministério Público em relação a suposta prática de atos homofóbicos, transfóbicos, racistas e coação eleitoral.

Impõe-se destacar que, recentemente, referida profissional vem sendo alvo de mensagens de discurso de ódio em redes sociais (a exemplo do Facebook, Instagram, grupos de Whatsapp e Telegram, dentre outras) após um suposto áudio de conteúdo privado atribuído a referida profissional ter vazado e estar sendo compartilhado de forma descontextualizada, sem qualquer consentimento e autorização.

Na hipótese de serem identificadas violações em relação a vida privada da referida profissional, bem como a sua honra, imagem, reputação ou perseguições de toda a ordem, inclusive as realizadas por meio de redes sociais, oportunamente, os autores das ofensas serão devidamente identificados e responsabilizados através das vias legais cabíveis.

Dr. Pedro Lagomarcino
OAB/RS 63.784
www.pedrolagomarcino.adv.br

 

 

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