JUSTIÇA

Após mais de 3,5 anos, justiça realiza primeira audiência sobre Massacre de Paraisópolis

Em 1º de dezembro de 2019, uma operação com 31 policiais militares provocou a morte sob “intenso sofrimento” de nove jovens com idades entre 14 a 23 anos
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 20 de julho de 2023

Imagem: Relatório O Massacre no baile da DZ7/ Reprodução

Nove jovens foram massacrados na ação policial a Paraisópolis em dezembro de 2019

Imagem: Relatório O Massacre no baile da DZ7/ Reprodução

“Angustiada e ansiosa, porque é um momento muito esperado. Achava que seria mais rápido, mas é o começo da luta para deixar claro que os nossos filhos eram inocentes”. O desabafo é de Maria Cristina Quirino ao falar da primeira audiência do processo instaurado contra 12 policiais militares envolvidos no Massacre de Paraisópolis. No dia 1º de dezembro de 2019, uma operação policial desastrada que culminou com a morte de nove jovens de idades entre 14 e 23 anos.

O filho dela, Denys Henrique Quirino da Silva, tinha 16 anos na época, e perdeu a vida no meio de uma multidão encurralada em becos. Imagens divulgadas nos noticiários da época mostravam situações de extrema violência, com jovens sendo agredidos pelos agentes à medida que saíam dos bretes.

NESTA REPORTAGEM
A primeira audiência do caso está marcada para a próxima terça-feira, 25, na 1ª Vara do Júri do Fórum Criminal da Barra Funda, São Paulo.

Maria desmente os discursos de ódio que afirmavam na ocasião que as vítimas teriam sido escolhidas a dedo ou não deveriam estar no ambiente. Ela afirma que os jovens foram, na realidade, escolhidos porque eram pobres da periferia que tem nos bailes funk uma das poucas formas de entretenimento. “Isso não dá o direito da polícia os matar”, protesta.

Com uma década de história, os bailes de Paraisópolis, segunda maior comunidade de favelas do estado de São Paulo são nacionalmente conhecidos e atraem milhares de jovens, adolescentes e adultos que ultrapassam os limites da capital paulista.

Atos pedem justiça

Foto: Cássia Aranha/ Reprodução

Ato realizado na Praça da Sé um mês depois do massacre

Foto: Cássia Aranha/ Reprodução

A audiência do dia 25 é a primeira da fase de instrução e servirá para ouvir testemunhas de acusação na ação que apura a confusão promovida por policiais militares no baile funk da DZ7.

A luta das nove famílias vitimadas citada por Maria Cristina também incluí um manifesto que recolhe assinaturas de entidades da sociedade civil para reivindicar a reversão da absolvição de 19 policiais militares envolvidos na operação.

Assim, na opinião não só das famílias, mas também do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe) e do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensora Pública de São Paulo, ao todo 31 policiais deveriam ter suas condutas avaliadas por um Júri Popular.

Outra reivindicação é que a Secretaria da Segurança Pública do estado conclua as apurações administrativas contra todos os agentes que tiveram participação no episódio.

Para chamar a atenção da sociedade à cobrança das devidas punições aos policiais responsáveis pelo Massacre de Paraisópolis, familiares e amigos das vítimas, movimentos sociais, organizações acadêmicas e o Condepe estão organizando dois atos públicos.

O primeiro acontece no sábado, 22, na própria comunidade de Paraisópolis, nas cercanias do local onde se iniciou o tumulto após a ação policial de dispersão dos participantes do baile da DZ7. A concentração se inicia às 17 horas.

O segundo será à frente do Fórum da Barra Funda no mesmo dia da audiência. A concentração inicia às 10h.

Relatório refuta tese policial

Concluído em dezembro de 2022, relatório produzido conjuntamente pelos Centro de Antropologia e Arqueologia Forense da Universidade Federal de São Paulo, Núcleos especializados de Cidadania e Direitos Humanos e Infância e Juventude da Defensoria da Pública do Estado de São Paulo e o Movimento de Familiares das Vítimas do Massacre em Paraisópolis, define o caso como uma chacina policial que, diante das narrativas oficiais, está sendo institucionalizado.

O documento, que tem uma abordagem e análise multidisciplinar da tragédia e está sendo juntado ao processo, evidencia que não há elementos que permitam relacionar as lesões verificadas nos mortos que possam se relacionar em ocorrências de pisoteamento, o principal argumento dos policiais envolvidos.

Concretamente, somente em um dos casos, o laudo do Instituto Médico Legal apresenta a causa apontada pelas autoridades.

Com uma visão que abrange desde a medicina forense, questões sociológicas e até arquitetônicas, o relatório aponta a condução de uma massa de jovens para um beco sob forte ação de “armas não letais” como gases de pimenta e lacrimogêneo como a tese mais correta para o resultado de oito das nove necrópsias: morte por asfixia mecânica por sufocamento indireto e morte por asfixia mecânica por sufocamento indireto por agente químico-físico.

Ação sem necessidade

Imagem: Redes Sociais/ Reprodução

Flagrante: relatório aponta contradições na versão dos policiais

Imagem: Redes Sociais/ Reprodução

Outra conclusão foi de que a ação policial “não possuía elementos de urgência que a justificassem” e não contou com preparação adequada em termos de estratégia de direcionamento de multidão, formação e deslocamentos de tropas.

Segundo o relatório, a ocorrência estava inserida no contexto das Operações Pancadão que se tornaram uma política pública oficial do Governo do Estado de São Paulo na gestão do governador João Dória (PSDB).

O objetivo era dispersar aglomerações em festas de rua autônomas realizadas nas comunidades periféricas, dentre elas, os bailes funk.

A ação promovida em Paraisópolis, no entanto, segundo o relatório, “não contou com autorização de comandante em campo, no máximo a obteve remotamente” essa permissão.

Em minúcias, o relatório ainda apresenta imagens nas quais se vê PMs desembarcando de viaturas e, “sem ter sofrido qualquer agressão prévia”, fazendo uso de tiros com balas de borracha e granadas para dispersar “a multidão”.

A conclusão é que a ação de alto potencial dispersivo que somente deveria “ser usada como último recurso para conter uma situação fora de controle, deu início a ela”.

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