JUSTIÇA

“A casa caiu”. PF mira gente graúda na trama por um golpe de estado no Brasil

Documento encontrado em buscas da Operação Tempus Veritatis revela uma espécie de roteiro de discurso para justificar Estado de Sítio e Operação de Garantia de Lei e da Ordem
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 8 de fevereiro de 2024
O ex-assessor especial de Bolsonaro, Filipe Martins, o coronel da reserva do Exército, Marcelo Câmara, e o major das Forças Especiais da mesma força, Rafael Martins, foram detidos.

Foto: Polícia Federal/Divulgação

Foram realizados 33 mandados de busca e apreensão nesta quinta-feira, 8. Também, expedidos quatro mandados de prisão preventiva e 48 medidas cautelares

Foto: Polícia Federal/Divulgação

A Operação Tempus Veritatis (hora da verdade, em latim) deflagrada pela Polícia Federal (PF) nesta quinta-feira, 8, está sendo considerada o primeiro grande passo contra mentores intelectuais de uma conspiração para invalidar a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas em 2022.

Ao todo foram realizados 33 mandados de busca e apreensão. Também, expedidos quatro mandados de prisão preventiva e 48 medidas cautelares, que incluem a proibição de manter contato com os demais investigados, proibição de se ausentarem do país, com entrega dos passaportes no prazo de 24 horas e suspensão do exercício de funções públicas.

NESTA REPORTAGEM
Segundo o inquérito que apresenta provas robustas, se trataria da promoção de um Golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro (PL) na presidência da República.

Fontes próximas da PF relatam que a extensão da Operação e os envolvidos fizeram com que até agentes da corporação comentassem internamente que o nome mais adequado para ação seria “a casa caiu”.

Detenções e passaportes apreendidos

Foram detidos nesta quinta o ex-assessor especial de Bolsonaro, Filipe Martins, o coronel da reserva do Exército, Marcelo Câmara, e o major das Forças Especiais da mesma força, Rafael Martins.

Alvo do quarto mandato, o coronel do Exército Bernardo Romão Corrêa Netto não foi preso porque se encontra nos Estados Unidos. A PF enviou o mandado de prisão ao Exército para que o militar seja notificado.

Bolsonaro, os generais Braga Netto, Heleno, Paulo Sergio Nogueira e o ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, tiveram seus passaportes apreendidos e estão proibidos de deixar o país.

Roteiro de discurso do golpe de estado

Segundo apuração da Globonews, durante as buscas realizadas, a PF encontrou, nas proximidades da sala de Bolsonaro na sede do PL, em Brasília, texto apócrifo que defende e anuncia a decretação de um Estado de Sítio e da Garantia da Lei e da Ordem no país.

Para as jornalistas de política Natuza Nery e Daniela Lima as características do texto encontrado remete ao rascunho de um discurso onde se fala em “princípio do Iluminismo” e até o filósofo grego Aristóteles é citado para justificar resistência a “leis injustas”.

Com uma expressão muito usada pelo ex-presidente, “dentro das quatro linhas da Constituição”, é sustentado uma ruptura do Estado Democrático no Brasil.

Núcleos de atuação golpista

A operação solicitada pela PF foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com total concordância da Procuradoria Geral da República (PGR).

No embasamento da PF é dito que o grupo investigado “se dividiu em núcleos de atuação para disseminar a ocorrência de fraude nas eleições presidenciais de 2022, antes mesmo da realização do pleito, de modo a viabilizar e legitimar uma intervenção militar, em dinâmica de milícia digital”.

Seriam, ainda de acordo com a PF, dois “eixos” para tentar minar o resultado das eleições 2022.

O primeiro, objetivava construir e divulgar fake news sobre uma suposta fraude nas urnas. Nele era apontado uma “falaciosa vulnerabilidade do sistema eletrônico de votação”.

No segundo, projetava atos para dar embasamento abolição do Estado Democrático de Direito.

De acordo com a PF, esta etapa tinha apoio de militares ligados a táticas e forças especiais.

Do Bullyng ao monitoramento de “adversários”

A prática adotada no plano que tinha o objetivo a anulação das eleições presidenciais de 2022, uma série de ações foram descritas pela PF.

Elas variavam de Cyberbullying contra oficiais de alta patente das forças armadas que resistiam a ideia de uma intervenção militar, até o monitoramento de pessoas consideradas entraves à ideia.

Foi o caso do ministro Alexandre de Moraes que teve uma série de seus deslocamentos sob espionagem.

Segundo os agentes da PF, com a confirmação das investigações, os enquadramentos serão organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e Golpe de Estado.

Alvos de busca e apreensão pela PF

• Valdemar Costa Neto, presidente do PL. Ele acabou preso porque a PF nas buscas em sua residência encontrou uma arma irregular;
• Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e candidato a vice de Bolsonaro em 2022;
• Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
• Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e Segurança Pública;
• General Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército;
• Almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante-geral da Marinha;
• General Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
• Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor de Bolsonaro e considerado um dos responsáveis pelo “gabinete do ódio”;
• Filipe Martins, ex-assessor especial de Bolsonaro;
• Marcelo Câmara, coronel do Exército. Ele é citado em investigações como a dos presentes oficiais vendidos pela gestão Bolsonaro e a das supostas fraudes nos cartões de vacina da família Bolsonaro;
• Rafael Martins, major das Forças Especiais do Exército;
• Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel do Exército;
• Ailton Gonçalves Moraes Barros, capitão reformado do Exército expulso após punições disciplinares;
• Amauri Feres Saad, advogado que é citado na CPI dos Atos Golpistas como “mentor intelectual” da minuta do golpe encontrada com Anderson Torres;
• Angelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército. Ele ocupou cargo de direção no Ministério da Saúde na gestão Eduardo Pazuello;
• Cleverson Ney Magalhães, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres;
• Eder Lindsay Magalhães Balbino, empresário que é suspeito de ajudar na montagem de um falso dossiê sobre fraude nas urnas eletrônicas;
• Guilherme Marques Almeida, coronel do Exército e ex-oficial do Comando de Operações Terrestres;
• Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel do Exército identificado em trocas de mensagens com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Barbosa Cid;
• José Eduardo de Oliveira e Silva, padre da diocese de Osasco. Ele integra grupos conservadores da Igreja Católica;
• Laércio Virgílio, general-de-brigada da reserva;
• Mario Fernandes, comandante que ocupou cargos na Secretaria-Geral e era tido como homem de confiança de Bolsonaro;
• Ronald Ferreira de Araújo Júnior, oficial do Exército;
• Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, major do Exército.

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