JUSTIÇA

STJ nega recursos a policiais condenados pela morte do pedreiro Amarildo

Amarildo Dias de Souza desapareceu em 2013 após ser levado por 25 PMs para a UPP da comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro e nunca mais foi encontrado
Por César Fraga / Publicado em 24 de abril de 2024

STJ nega recursos de policiais condenados pela morte do pedreiro Amarildo

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou seguimento aos recursos extraordinários de cinco policiais condenados por tortura e morte do ajudante de pedreiro Amarildo Dias de Souza. A decisão foi do vice-presidente da Corte, o ministro Og Fernandes, no começo desta semana. O processo corre em segredo de Justiça e não tem seu número divulgado.

Aos 47 anos, Amarildo desapareceu em 2013, após ser levado por policiais militares para a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro. De acordo com a denúncia, o episódio teria contado com a participação de 25 policiais – alguns deles foram expulsos da corporação, e 17 foram absolvidos. Até hoje o corpo não foi encontrado.

Com os recursos extraordinários, os advogados pretendiam que o Supremo Tribunal Federal (STF) anulasse o acórdão da Sexta Turma do STJ que, em agosto do ano passado, não conheceu dos recursos especiais da defesa e deu provimento ao recurso do Ministério Público para aumentar a pena de oito policiais condenados pelos crimes de tortura seguida de morte e ocultação de cadáver.

Entre outros argumentos, sustentaram que teria havido violação da Súmula 7 do STJ, uma vez que, ao examinar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal para aumentar a pena-base, o colegiado teria rediscutido provas do processo. Apontaram também contrariedade a dispositivos constitucionais e questionaram os critérios adotados pela Sexta Turma na dosimetria das penas.

Quem foi Amarildo dias de Souza

STJ nega recursos de policiais condenados pela morte do pedreiro Amarildo

Foto: Fala Roça/Acervo/Reprodução

Amarildo exibe o Jornal Fala Roça, da comunidade da Rocinha, dias antes de desaparecer

Foto: Fala Roça/Acervo/Reprodução

Amarildo Dias de Souza foi um ajudante de pedreiro, que ficou conhecido nacionalmente por conta de seu desaparecimento, desde o dia 14 de julho de 2013, após ter sido detido por policiais militares e conduzido da porta de sua casa, na Favela da Rocinha, em direção a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do bairro. Seu desaparecimento tornou-se símbolo de casos de abuso de autoridade e violência policial. Os principais suspeitos no desaparecimento de Amarildo eram da própria polícia.

Morador desde que nasceu na favela da Rocinha, na Zona Sul do Rio de Janeiro, Amarildo era o sétimo de 12 irmãos e filho de uma empregada doméstica e de um pescador.  Analfabeto, só escrevia o próprio nome e começou a trabalhar aos 12 anos vendendo limão. Casado com a dona de casa Elizabeth Gomes da Silva, Amarildo era pai de Romeu, e dividia um barraco de um único cômodo com toda a família. Conhecido como “Boi”, trabalhava como pedreiro e fazia bicos na comunidade.

Relembre o caso

Os PMs, de acordo a versão da polícia, teriam confundido Amarildo com um traficante  com mandado de prisão expedido pela Justiça do Rio. A própria polícia da comunidade se tornou a principal suspeita do desaparecimento do pedreiro, à época.

Na noite em que Amarildo foi detido, casualmente duas câmeras em frente à UPP tiveram problemas e o GPS dos carros de polícia estavam desligados. Responsável pelas duas câmeras da UPP, a Emive constatou que elas estavam queimadas e alegou que falhas são frequentes em redes elétricas instáveis. No entanto, das 84 câmeras na Rocinha, apenas as da UPP apresentaram problemas naquela noite.

A polícia civil foi informada de que um corpo tinha sido encontrado na comunidade da Rocinha e os agentes foram procurá-lo, mas constataram que não era de Amarildo.

A Auditoria Militar que investigou o caso, apurou que o ex-comandante da UPP da Rocinha, o major Edson Santos, subornou uma moradora da comunidade, Lucia Helena da Silva Batista, para que a mesma mentisse em testemunho sobre o Caso Amarildo.

Lucia, em sua primeira versão, incriminava o traficante Thiago da Silva Neris como autor do assassinato de Amarildo. Depois de voltar atrás em seu depoimento, Lucia disse ter sido orientada pelo major a dar falsas informações por temer represálias de policiais militares contra seu filho além de ter recebido um pagamento.

Em 2016, 12 dos 25 policiais militares denunciados pelo desaparecimento e morte de Amarildo foram condenados em primeiro grau. Em 2019, a 8ª Câmara Criminal da Justiça do Rio de Janeiro absolveu quatro dos 12 policiais acusados, enquanto a condenação dos oito restantes foi mantida.

Em 22 de agosto de 2023, a Sexta Turma do STJ decidiu aumentar as penas de policiais militares condenados pelo desaparecimento e morte de Amarildo.

Discussão sobre conhecimento do recurso anterior não tem repercussão geral

Em sua decisão, o ministro Og Fernandes afirmou que os recursos especiais da defesa não foram conhecidos porque não preencheram todos os pressupostos de admissibilidade. Dessa forma, de acordo com o vice-presidente, qualquer alegação sobre isso no recurso extraordinário demandaria, inicialmente, a reapreciação dos fundamentos do não conhecimento de recurso que não é da competência do STF.

Entretanto, segundo o ministro, a Corte Suprema, ao julgar o Tema 181, definiu que a discussão presente em recurso extraordinário que envolva o conhecimento do recurso anterior não possui repercussão geral.

“Essa conclusão, adotada sob o regime da repercussão geral e de obrigatória aplicação, nos termos do disposto no artigo 1.030, I, “a”, do Código de Processo Civil, impõe a negativa de seguimento ao recurso extraordinário. Assim, se as razões do recurso extraordinário se direcionam contra o não conhecimento do recurso anterior, é inviável a remessa do extraordinário ao STF”, anotou o ministro.

Por fim, Og Fernandes ponderou que, ao caso dos autos, ainda poderia ser aplicado o Tema 182 do STF, o qual reconheceu não ter repercussão geral o recurso extraordinário que verse sobre dosimetria da pena, uma vez que a questão da valoração das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal é matéria infraconstitucional.

*Com informações do STJ e imagens da Agência Brasil e do acervo do Jornal Fala Roça

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