MOVIMENTO

Onde está o dinheiro da saúde?

Márcia Camarano / Publicado em 1 de julho de 1998

A pergunta da deputada Jussara Cony suscitou uma queixa-crime contra o governo do estado, que deixou de aplicar 37,6% da verba orçada para o setor da saúde no orçamento de 1997.

Onde foram parar R$ 163 milhões que deveriam ser empregados na área da saúde pelo governo estadual? Essa pergunta foi feita pela deputada Jussara Cony (PC do B) primeiro, para ela mesma, depois para os colegas que integram com ela a Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembléia Legislativa. Em seguida, ao então secretário estadual de Saúde, Germano Bonow, e aos chefes de outras áreas do governo, como Fazenda, Orçamento e Planejamento e Casa Civil.

Não encontrando resposta, a deputada botou a boca no mundo. Ingressou com queixa-crime junto ao Ministério Público Estadual, responsabilizando a Junta Orçamentária do Estado – formada pelas Secretarias de Orçamento de Planejamento, Fazenda e Casa Civil – por crime de responsabilidade pela não liberação de mais precisamente R$ 162.952.562,78, relativos à execução orçamentária de 1997. Esse número significa 37,6% de um total de R$ 454 milhões.

“Em setembro do ano passado, desconfiei que o dinheiro não estava vindo e puxei os dados da Cage (Contadoria Geral do Estado). Descobri que 70% do orçado não estava liberado por essa Junta”, revela Jussara. Conforme ela, o dinheiro não aplicado são recursos que faltaram para hospitais, programas de prevenção, medicamentos e implantação do Programa de Ação Integral à Saúde da Mulher, entre outros.

Desde o final do ano passado, ela busca resposta para sua pergunta. “Naquela época, o secreário ainda era o Bonow. Pedi que ele me informasse o que estava contecendo e ele me confirmou que o dinheiro não estava liberado porque a Junta não tinha autorizado. O secretário da Saúde confirmou, e isso é importante”, ressalta.

Jussara Cony considera o fato um desrespeito para com a população gaúcha que utiliza os serviços de saúde do estado e também para com os parlamentares, que votaram um orçamento que não foi aplicado. “Nós votamos, o governo não liberou, o secretário não recebeu e fica tudo por isso mesmo”, reclama. Ela considera uma ironia que, diante de um fato desses, o governo do estado ainda promova uma consulta popular para saber onde os recursos devem ser aplicados.

A parlamentar considera incrível que, enquanto falta esse dinheiro para a saúde, o Estado gaste metade disso – R$ 69.700 milhões – em publicidade. Jussara Cony só obteve uma resposta do Ministério Público no final de junho. O parecer informa que “pode ter ocorrido, pelo menos em tese, descumprimento das previsões orçamentárias”, mas o órgão se considera incompetente para fazer algum julgamento, remetendo a bronca para a Assembléia Legislativa.

“Então eles devolveram isso”, conta ela. Jussara está encaminhando pedido de providências junto à Procuradoria da Assembléia. “Não vou abrir mão e, como deputada, quero tomar todas as providências em relação a esse abuso. O governo Britto terá de prestar contas à sociedade de onde está esse dinheiro”.

De acordo com ela, o que aconteceu serve de motivo para fazer cumprir a Constituição Estadual que, no seu artigo 150, determina que o poder executivo publicará, até o 30º dia após o encerramento de cada mês, o relatório resumido da execução orçamentária, bem como apresentará ao poder legislativo, trimestralmente, o comportamento das finanças públicas e da evolução da dívida pública. “Estou fazendo um estudo para verificar se o artigo 150 está regulamentado. Se não está, temos que regulamentar. Quero evitar que se chegue novamente ao final do ano e se tenha a surpresa de ver que 40% do dinheiro não foi aplicado”.

Embora a denúncia de Jussara Cony tenha sido encaminhada em abril, o chefe de Divisão de Programação Orçamentária da Secretaria da Fazenda, Ario Zimmermann, afirma não ter tido conhecimento. Mas sustenta: “não tem qualquer irresponsabilidade do estado”. Conforme ele, “não atingir um índice é diferente de dizer que R$ 163 milhões foram desperdiçados”.

Zimmermann explica que, no orçamento, a receita é prevista em nível de ganho. Como o Estado não tem dinheiro em caixa, são feitas liberações orçamentárias. ‘É como se desbloqueasse a dotação”, diz. Ao longo dos anos, são feitos desbloqueios. No caso da Secretaria da Saúde, Zimmermann considera que a liberação de orçamento foi superior ao empenhado, “o que significa dizer que a Secretaria não conseguiu gastar o que foi liberado”.

Jussara Cony não quer que sua denúncia caia no esquecimento e vem alertando os legislativos dos municípios sobre o que está acontecendo. Agora em julho, ela esteve na Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Câmara de Porto Alegre (Cosmam), onde relatou os fatos e os procedimentos tomados. O vereador Renato Guimarães (PT), presidente da Cosmam, argumenta que de nada adianta o executivo estadual encaminhar orçamento ao legislativo se depois as determinações dos deputados são desrespeitadas. “Não é só na saúde que ocorre esse tipo de desvio e manobra, mas em todas as áres do governo”, assinala.

Notas 

JOCB: meio século
Este ano a Juventude Operária Católica Brasileira (JOCB) está completando 50 anos. O movimento se dedica à organização e formação de jovens trabalhadores, para que atuem na perspectiva de construção de uma sociedade justa e igualitária. O evento comemorativo da Grande Porto Alegre acontecerá no dia 23 de agosto, a partir das 10 horas, no Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Porto Alegre (Rua Francisco Trein, 116). Informações e convites com Bartolo Peres, fone 222.6192; Mônica Dambros, fone 364.2741 e com Roseli, fone 472.6380. O encontro nacional será em São Paulo, de 27 a 29 de novembro.

Sindicatos unidos
Os sindicalistas latino-americanos estão elaborando um plano de ação que terá entre suas pautas o acompanhamento dos acordos do Mercosul e da Comunidade Andina (CAN) que pretende estabelecer uma zona de livre comércio. A decisão consta da declaração conjunta do Consejo Consultivo Laboral Andino (CCLA) e da Coordinadora de Centrales Sindicales del Cono Sur (CCSCS), anunciada no início de julho, em Montevidéu.

Compromisso sindical
Os signatários da declaração se comprometeram a trocar informações sobre outros processos integracionistas, como a Área de Livre Comércio (Alca), a União Européia (UE) e o Caricom. Entre os objetivos está a avaliação dos avanços em torno das negociações da Alca, processo questionado pelos sindicalistas. Segundo o presidente da CCLA, o colombiano Victor Pardo, existe a intenção de reivindicar aos governos o conselho de assessoria do trabalho, criado pela resolução 171 da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi). O próximo encontro dos sindicalistas deverá ocorrer no primeiro semestre do ano que vem em local a ser definido.

Combate às drogas
A Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), criada em junho, quer sobretaxar os derivados do fumo e de bebidas alcóolicas como forma de reduzir os custos sociais e de saúde causados pelo uso de drogas. Esta é uma das propostas apresentadas para a Política Nacional Antidrogas que pretende reduzir à metade, nos próximos dez anos, o consumo e a oferta de drogas ilegais no país. O governo também quer disciplinar “de forma mais severa” a legislação e a propaganda do fumo e de bebidas. Críticas e sugestões podem ser enviadas por e-mail (senad@planalto.gov.br).

O voto 1
A tese de que o brasileiro não sabe votar foi derrubada pela pesquisa Tipologia do Voto Brasileiro, feita ao longo de dez anos sob a coordenação do professor de Ciências Políticas José Augusto Guilhon Albuquerque, da Universidade de São Paulo (USP), e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). O estudo revelou que o eleitor sabe votar, é estratégico na hora de escolher seu candidato, identifica-o ideologicamente e é fiel à suas convicções políticas. As entrevistas foram feitas com 7,4 mil eleitores após os três últimos pleitos.

O voto 2
Segundo o levantamento, 40% dos eleitores se autodefinem como de centro, 35% como de direita e 25% como de esquerda. De acordo com a pesquisa, o raciocínio do eleitorado segue três orientações: o eleitor vota por identificação com o partido ou com o candidato, por oposição à situação ou a outro candidato ou por expectativa de benefício que possa alcançar com a vitória do escolhido.

Morre líder do CPERS
A primeira representante dos professores aposentados no Conselho Geral do CPERS/Sindicato, Zilla Maria Daros Sander, faleceu aos 76 anos, no último dia 8 de julho. Natural de Caxias do Sul, ela foi eleita com 20 mil votos durante a gestão de Zilah Totta, entre 1981 e 1983, e reeleita par mais um mandato. Foi professora de escolas em Caxias, Canela, São Leopoldo e Porto Alegre, ocupou o cargo de diretora em várias ocasiões e foi presidente da Associação dos Funcionários da Secretaria Estadual da Educação (SEC). Após deixar o CPERS, Zilla presidiu o Conselho Estadual do Idoso e, por último, integrava o Conselho do Solar do Professor Gaúcho.

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