MOVIMENTO

Solidariedade contra desemprego

Márcia Camarano / Publicado em 30 de agosto de 1998

Era uma vez uma metalúrgica chamada Queóps. Fazia panelas e chaleiras, funcionava em Erechim e estava no ramo há doze anos. A Queóps já enfrentava problemas há algum tempo. Em agosto de 97 tinha 50 empregados. Em setembro teve que demitir 30. Depois, passou a atrasar salários e pagar os trabalhadores que ficaram com panelas.

A situação durou até dezembro de 97, quando a empresa demitiu os poucos empregados que sobraram, sem pagar salários atrasados, 13? salário, férias e outros direitos trabalhistas. A fábrica fechou as portas e o desespero tomou conta dos funcionários, que ficaram sem ter como ganhar a vida e passaram a fazer parte de uma legião que hoje soma perto de 800 mil pessoas. Esta é a estatística do IBGE e da FEE/RS sobre o número de desempregados gaúchos.

Sem vagas à disposição na região, os recém-desempregados procuraram ajuda no sindicato dos metalúrgicos da cidade. Foi lá que, pela primeira vez, ouviram falar em cooperativa autogestionária. No dia 28 de janeiro deste ano ocuparam a fábrica. Queriam recuperar seu direito ao trabalho e produzir, garantindo o sustento de suas famílias. “Nesta data, os empresários já tinham levado as matrizes, que é o coração da fábrica”, conta Marino Vani, membro da executiva da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, que acompanhou todo o processo.

Quando começaram a buscar apoio e solidariedade para a sua causa, os trabalhadores sentiram-se mais fortes. Tomaram iniciativa e decidiram fundar a Cooperativa Auto-gestionária Alumifer. Agora faz seis meses que eles estão trabalhando. As máquinas foram penhoradas para pagamento dos direitos trabalhistas, mas o grupo está lutando para que elas sejam mantidas na fábrica.

Para impedir a saída do equipamento, os metalúrgicos se revezam e montam guarda, inclusive dormem no local. E entraram na justiça cobrando os direitos trabalhistas, negociando de forma inusitada. Querem o maquinário em troca dos créditos. “O total do crédito é R$ 70 mil, enquanto que os equipamentos valem R$ 33 mil”, explica Vani.

Hoje, os 15 metalúrgicos que fundaram a cooperativa sentem melhorias nos seus ganhos mensais. Se antes conviviam com salários entre R$ 200,00 e 300,00, hoje alcançam de R$ 350,00 a R$ 650,00. “A partir da ocupação e com a discussão da cooperativa, em fevereiro, a preocupação foi com a garantia de renda e trabalho para todos”, lembra o dirigente metalúrgico.

O apoio financeiro para comprar a matéria-prima e construir as matrizes novamente foi conseguido junto à categoria em Erechim e nas cidades em torno. Ao todo, foram levantados R$ 1.800,00. Além disso, foram doadas sacolas econômicas, que ajudaram a manter os trabalhadores no local. Atualmente, conseguem manter a produção, comercializam o produto – quatro mil peças – e pagam os rendimentos.

Para ampliar tudo isso, o grupo está buscando financiamento de R$ 3 mil junto a uma ONG de São Leopoldo; há outro projeto de R$ 15 mil junto a Caritas do Brasil e mais outro junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). “Esse dinheiro é para comprar matéria-prima (alumínio), equipamentos novos, porque se tiverem de sair do local, terão equipamentos próprios, podendo montar uma empresa menor, mas com garantias”, explica Vani.

SOLIDARIEDADE – Na nova fase de trabalho, a matéria-prima é adquirida em associações e galpões de reciclagem em Porto Alegre. Aí começa um outro capítulo da história: os metalúrgicos da fábrica de Erechim estabeleceram parcerias com trabalhadores de outros municípios para criar uma rede de produção cooperativada. “Poderíamos comprar o material de uma grande empresa, mas isso não gera muito emprego, o que já ocorre nos galpões que fazem reciclagem de lixo”.

Para comercializar a produção, estão sendo formadas outras redes de venda, que também serão cooperativas de trabalhadores desempregados. Uma delas é a Rede Sol (Rede Solidariedade), formada por 20 desempregados de Porto Alegre, São Leopoldo, Sapiranga e Canoas. Também há uma em Novo Hamburgo e outra está sendo organizada no ABC paulista. A intenção da turma é construir 100 cooperativas de venda. “Quando isso acontecer, vão ter que aumentar a produção e, conseqüentemente, o número de cooperativados”, avisa Ademir da Rosa, responsável pela comercialização.

Não foi à toa que os trabalhadores que ficaram mudaram o nome da fábrica. Queóps não inspirava confiança. Era sinônimo de mau pagador, calote, as dívidas se acumulavam nos bancos, com os fornecedores. Quando assumiram, os metalúrgicos quiseram realmente começar tudo de novo. Alumifer (Alumínio e Ferro) pareceu-lhes um nome mais confiável. Agora, além das panelas, podem produzir peças para indústrias – ônibus e carro. A idéia deles é, cada vez mais, diversificar.

Para comemorar toda essa luta, no dia 2 de agosto, os cooperativados da Alumifer reuniram 400 pessoas em um almoço festivo, precedido por uma missa campal. A data serviu para que os trabalhadores mostrassem à comunidade que conseguiram manter seus postos de trabalho e renda, alcançaram importantes conquistas e que, para assegurar isso, precisam do apoio de todos.

Não basta somente fazer discursos contra o desemprego. É preciso fazer coisas para combater esse mal. E uma forma de manutenção de postos de trabalho são as cooperativas autogestionárias. Jairo Carneiro, secretário licenciado da Federação dos Metalúrgicos, pensa assim há muito tempo. Amadureceu esse pensamento na época em que foi presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Agora em agosto, ele participou de um seminário internacional sobre cultura e economia solidária, em Porto Alegre.

Estiveram presentes 80 pessoas, representantes de diversos cantos do mundo, que debateram experiências de cooperativas de autogestão quando, de fato, os trabalhadores dirigem as empresas. “Começamos a discutir sobre como impulsionar uma rede em nível internacional de busca de trabalho e renda”, comenta Jairo. Conforme ele, essa é a saída: “ao invés de reclamar que uma empresa fecha, é preciso preparar os funcionários para tomarem conta dela”.

Segundo Jairo, há várias experiências assim no Estado, mas a mais significativa é a de Erechim. “As cooperativas autogestionárias são uma saída para o desemprego. Mas também serve para combater o falso cooperativismo. Na nossa versão, os trabalhadores são os gestores da empresa. Mostramos que o capitalismo é supérfluo, não o capital”.

Notas 

Desemprego 1
Quase 4 anos depois da eleição de FHC, o desemprego continua sendo a maior preocupação dos eleitores. Pesquisa divulgada no dia 27 de julho pelo Ibope e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que 37% dos brasileiros ainda têm muito medo de perder o emprego. Em maio último, o índice era de 49%. Em dezembro de 94, antes da posse do presidente, pesquisa do Ibope revelou o aumento do desemprego preocupava 43% dos eleitores.

Desemprego 2
Dos 2 mil entrevistados pelo Ibope/CNI, entre os dias 11 e 15 de julho, apenas 29% não têm medo de perder o emprego. Os eleitores com muito ou pouco medo do desemprego somam 61%. O desemprego ocupou o primeiro lugar entre os principais problemas na opinião de 72% dos eleitores pesquisados.

Desemprego 3
Pesquisa da Datafolha, feita entre os dias 8 e 9 de julho, também revela que o desemprego causa medo em 54 de cada 100 entrevistados. As estatísticas justificam o temor. Somente na Grande São Paulo, há 1,6 milhão de pessoas sem emprego. Na região Metropolitana de Porto Alegre tem mais de 250 mil desempregados, segundo a Fundação de Economia e Estatística do RS (FEE/RS). Em maio, o desemprego atingiu 8,2% da força de trabalho do país, maior índice desde maio de 84. Em média, um desempregado demora 5 meses para conseguir nova vaga.

Relatório Azul
A 4ª edição do Relatório Azul – Garantias e Violações dos Direitos Humanos no Rio Grande do Sul/1997, da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) da Assembléia Legislativa traz más notícias. Lançado em 22 de julho, o documento aponta o aumento de 21% no número de notificações de Aids no estado, com 1.528 novos casos até dezembro de 97 – ao todo já são 7.126 portadores do HIV no Rio Grande do Sul. O número de homicídios também aumentou em todo o estado, passando de 1.117 casos em 96 para 1.458 em 97. Na capital, aumentou de 29 para 43 por 100 mil habitantes no mesmo período. O número de policiais mortos em serviço cresceu de oito em 96 para 20 em 97. Os assaltos a ônibus na Grande Porto Alegre passaram de 780 para 2.257 no mesmo período.

Cidadania 1
O documento, com 516 páginas, têm 17 capítulos que abordam questões vinculadas à criança e adolescente, mulheres, povos indígenas, racismo, homoerotismo, portadores de deficiência, saúde mental, Aids e cidadania, direitos dos trabalhadores, direito à terra, anos de chumbo (mortos e desaparecidos políticos), violência policial, sistema prisional, criminalidade, imprensa e direitos humanos.

Cidadania 2
A comissão atendeu a 4.240 cidadãos e recebeu 241 denúncias por correspondência. Entre os números que diminuíram de 96 para 97 está o de ocorrências registradas por mulheres, com uma queda de 29%. A comissão registrou 179 casos envolvendo violência policial em 97, e em 96 foram 108.

China demite
A China anunciou a demissão de 400 mil funcionários da indústria têxtil no primeiro semestre deste ano. As demissões resultam do programa de redução do setor estatal, que ameaça deixar sem emprego até 14 milhões de trabalhadores até o fim do ano, conforme o jornal China Daily. No final de 97, 12 milhões de funcionários já haviam sido dispensados. Oficialmente, a taxa de desemprego na China é de 3,5%, mas analistas estrangeiros calculam que possa ser até 6 vezes maior, incluindo o subemprego.

Mudanças na CLT
Comissão Permanente do Direito Social, criada no início do governo e formada por especialistas em Direito Trabalhista estuda mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que tem 922 artigos. Segundo o ministro do Trabalho, Edward Amadeo, cogita-se o fim do poder normativo da Justiça do Trabalho, da contribuição sindical e da unicidade sindical.

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