MOVIMENTO

Mulheres. E um pouco mais

Da Redação / Publicado em 28 de março de 1999

Elas deixaram de lado as funções tradicionais, que geralmente viram piada na boca dos homens, para acelerar a transformação da família brasileira. As mulheres já chefiam uma em cada quatro famílias no Rio Grande do Sul e acumulam casos de sucesso. Para registrar o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, o Extra Classe foi ouvir as histórias de Teresa e Enilda. Mulheres que enfrentaram o preconceito e venceram.

Teresa, mãe de Sônia e avó de Vanessa. Teresa aprendeu apenas as primeiras letras. Sônia

Teresa, com Sônia (D) e Vanessa (E): "nós duas lutamos para que ela venha a ser alguém nesta vida". não chegou a concluir a 5º série, mas Vanessa cursa o ensino médio. Desde que nasceu, Teresa Silva dos Santos, 54 anos, mora na Vila Farrapos, zona Norte de Porto Alegre. Casou aos 18, teve quatro filhos – Sônia, Marcos, Rosana e Rogério – e aos 47 estava viúva. No segundo ano de matrimônio, seu marido passou a gastar todo o dinheiro com bebida. Teresa, então, começou a trabalhar como diarista em casas de família.

Em Santa Maria, na mesma época em que Teresa já sustentava quatro filhos, as mocinhas se preparavam delicadamente para casar. Longe dos bordados e da educação doméstica das famílias tradicionais, a jovem Enilda Lopes de Souza liderou, em 1962, uma das tantas greves dos estudantes da cidade. Ela acabava de concluir o curso de Enfermagem, na Universidade Federal de Santa Maria. Suas colegas não se metiam em política porque discursos, protestos e passeatas eram coisas para homens. Ela foi muito mais além que isso.

A história dessas duas mulheres de gerações distintas mudou muito nas últimas décadas. Quando os filhos de Teresa eram pequenos, assuntos como sexo e drogas permaneciam tabus. Para se ter uma idéia, pouco antes do casamento ela nem sabia como seria a lua-de-mel. E Sônia, a única filha mulher, levou um susto quando menstruou pela primeira vez. Hoje, no entanto, a neta Vanessa já sabe o que fazer para evitar o contágio da aids, conhece os riscos de consumir drogas e não se espanta ao ver uma camisinha.

Enilda, depois das passeatas, foi mãe solteira no interior do Rio Grande do Sul. Mais: foi mãe solteira duas vezes (a segunda de um homem casado, que abandonou a família para viver com ela) num tempo em que nem o sexo era permitido antes do casamento. Sem coragem de revelar a verdade para o namorado, e tampouco para os irmãos e o pai militar, a saída para ter o primeiro filho foi se esconder na periferia da cidade. Enilda passou os últimos meses de gravidez numa casa de madeira, sem luz elétrica e água encanada. Alex nasceu num hospital retirado do Centro. Os anos seguintes seriam muito duros e revelariam a face oculta de uma sociedade que vivia uma grande transformação.

Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apurada em 1997 e divulgada em 9 de dezembro do ano passado, apontou que uma em cada quatro famílias do Rio Grande do Sul já são comandadas por uma mulher. Preocupadas com o sustento das famílias, a tarefa educativa – antes quase que uma exclusividade das mães – passou a ser atribuição também de pais e professores e uma responsabilidade de toda a sociedade.

Uma outra pesquisa, desta vez realizada por um instituto norte-americano, revelou que aEnilda, na casa atual: depois das dificuldades, um filho médico. maioria das crianças nascidas nos Estados Unidos passa a maior parte do tempo na frente da televisão ou em contato com o computador. O que minimiza o papel da escola na sua formação. A psicóloga e presidente da Fundação Estadual do Bem-estar do Menor (Febem), Carmem Oliveira, reconhece que o ensino formal está perdendo espaço. “A escola tem de aprender com a televisão, com a urbanização. Hoje é preciso ser muito convincente para o outro escutar. Nesse sentido, acho a escola entediante. Ela ainda não sintonizou com a velocidade dos novos tempos”, argumenta.

A franqueza de Carmem pode parecer exagerada, mas ela dá exemplos de sua tese. “É claro que a questão curricular é importante. Mas vamos imaginar a Internet, por exemplo, como um currículo: os navegadores têm a possibilidade de entrar e sair dos sites com uma mobilidade que não existe na escola formal”, explica. Para a psicóloga, a lógica da conexão é sempre guiada pelo desejo, ou seja, as pessoas só buscam as conexões que fazem sentido para elas. A escola, acredita Carmem, precisa discutir essas questões. “Há uma urgência neste debate”, afirma.

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Real despenca e inflação volta

Escolhas erradas do governo fazem o plano Real tomar outro rumo, ameaçando a estabilidade dos últimos anos e o emprego de milhões de brasileiros. Renda per capita caiu em 1998 e mercado já projeta inflação de 5% em março.

DA REDAÇÃO

Os dois primeiros meses do ano foram de arrepiar. Mesmo que a maioria da população nem saiba a cor da nota de um dólar, a valorização da moeda norte-americana no mercado brasileiro revelou o perigo iminente da volta da inflação. A chamada âncora monetária, que sustentou o real desde 1994, foi desfeita pelo governo no início de janeiro e, desde lá, a desvalorização da moeda já chegou a 73,5%. Essa inflação que estava escondida pela política econômica do governo? Nenhum economista arrisca dizer que sim. Nem que não.

A verdade é que a economia real, aquela que interessa aos consumidores, já deu mostras de que vai reagir mal à nova política econômica, de câmbio livre e mercado ditando as regras. Para entender melhor: desde 1994 o governo atrelou a moeda brasileira – o real – ao dólar com forma de balizar os custos e preços de uma economia estabilizada. No início do plano o dólar chegou a valer menos de R$1, mas aos poucos a gangorra foi mudando de lado. O real não sustentou uma sobrevalorização artificial e a pressão por mudanças obrigou o governo a monitorar recuos da moeda que acompanhassem de perto a inflação oficial. Em 1999, por exemplo, a desvalorização chegou a cerca de 8,5% contra uma inflação média de 2,5%.

A economia realmente se estabilizou por conta da âncora monetária, os preços se equilibraram, mas as conseqüências foram dramáticas. Para atrair capitais externos que financiassem a imensa dívida interna da União, os juros foram elevados a patamares altíssimos. Com isso, a atividade econômica se retraiu e o desemprego subiu. O Departamentos de Estudos Sócio-Econômicos (Dieese) mediu uma taxa de 17,8% no mês de janeiro na região metropolitana de São Paulo. Isso representa quase 1,54 milhão de trabalhadores sem ocupação. O desemprego atingiu não só o assalariado com pouca qualificação, mas também os profissionais com nível superior. Como todos perderam renda, a atividade econômica despencou ainda mais e criou um círculo vicioso de retração que acabou provocando deflação (que é a inflação ao contrário, ou seja, queda geral de preços) em novembro e dezembro do ano passado. Longe de ser uma boa notícia, a deflação significou que todos os ativos da sociedade (empresas, imóveis, bens duráveis etc) perderam valor devido à fraca movimentação da economia. Prova disso é que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) detectou um recuo de 1,58% na renda per capita dos brasileiros em 1998.

Para aonde vamos? Difícil saber. Sem âncora cambial, a expectativa do governo era de que o mercado ajustasse o dólar numa faixa que representasse desvalorização do real de 32% (o que indicaria que US$ 1 valeria R$ 1,60). Até agora, essa tendência não foi confirmada. Além do real Ter despencado, os juros não caíram e a estagnação econômica se acentuou em janeiro e fevereiro. Numa coisa os economistas concordam: o país vai empobrecer ainda mais este ano.

As alternativas do governo não são criativas. Cada alta dos juros aumenta ainda mais a dívida dos estados e da União. Cada aumento dos juros ajuda a puxar o desemprego mais para cima e, com a alta do dólar, a pressão interna dos preços também está falta. A Fundação Getúlio Vargas já detectou um avanço médio dos preços de 2,64% em 30 dias entre os meses de janeiro e fevereiro. O mercado já especula que a alta de preços pode bater em 5% no mês de março. Mesmo que o ministro Pedro Malan insista em dizer que a inflação não passará dos 10% em todo o ano de 1999.

CUT promove jornada de lutas contra desemprego

DA REDAÇÃO

De março a maio deste ano os trabalhadores terão intensas atividades dentro do calendário de mobilizações que a Central Única dos Trabalhadores (CUT) está organizando. A Jornada Nacional de Lutas tem como objetivo defender o emprego e combater a política econômica do governo federal. As manifestações iniciam com um grande ato no Dia Internacional da Mulher, 8 de março, e culminam no Dia do Trabalhador, 1º de maio.

Junto com o ato no Dia da Mulher, em que a expectativa dos dirigentes da CUT é unir pessoas de diferentes sexos em defesa do trabalho, iniciarão as marchas “Chama da Esperança”. Essas caminhadas, com saídas de diversas cidades do interior em direção a Santana do Livramento para a manifestação do 1 de maio, contarão com uma tocha acesa, simbolizando uma chama de esperança. Segundo Quintino Severo, secretário-geral da entidade, a maratona irá acontecer em todo o país. No Rio Grande do Sul, a marcha será encerrada com a Grande Vigília Internacional na fronteira do Brasil com o Uruguai, entre Santana do Livramento e Rivera.

Severo diz que o combate ao desemprego deve ser internacional, sensibilizando os trabalhadores do Mercosul. Por isso os dirigentes sindicais desses países escreveram a Carta Social dos Direitos dos Trabalhadores do Mercosul, que busca garantias trabalhistas iguais, de modo a unificar as legislações sem perdas de direitos para algumas nacionalidades. “Utilizar a legislação que melhor favoreça os trabalhadores nos diversos países do Mercosul é o nosso objetivo”, explica. Não há ainda estimativa de quantos trabalhadores participarão do ato na fronteira, mas só do Uruguai são esperados mais de 2 mil manifestantes.

Durante o período da Jornada, que culmina com o ato na fronteira, a CUT propõe a realização de plenárias estaduais, discussões de campanhas salariais de diversas categorias e um grande ato no dia 26 de março, nas capitais brasileiras. Em Porto Alegre, o Dia Nacional de Luta contra a Política Econômica do governo FHC está marcado para acontecer no centro da cidade. De acordo com Severo, a proposta da CUT para a política econômica é a suspensão imediata do pagamento da dívida externa, a redução dos juros e centralização do câmbio.

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Papéis misturados nas novas gerações

A presidente da Febem, acostumada ao cotidiano violento de menores sem família, sustenta que muitas mulheres foram levadas a valorizar mais as funções masculinas pelas necessidades impostas pela vida. E que, por outro lado, há um movimento em que os homens estão se voltando cada vez mais para sua sensibilidade. São mudanças de papel, de acordo com Carmem Oliveira, que colocam em questão toda a cultura de separar os papéis de homens e mulheres.

Alguns homens, por exemplo, se utilizam da culinária para descobrir a sensibilidade, já que ela exige um tempo de espera, de cozimento do alimento. “É um período de relaxamento para eles, de se desconcentrar do cotidiano turbulento e ficar com o pensamento mais esvaziado”, diz Carmem.

Estas transformações obviamente nos permitem imaginar a escola com outra tipo de lógica, já que há uma geração diferente de homens e mulheres vindo aí. “Observamos que as crianças e adolescentes lidam muito mais com a imagem do que com a escrita e têm muito mais agilidade de pensamento. Recebem muita informação. Então, é natural que estejam mais acostumados com a velocidade do clipe do que uma aula de 40 minutos”, completa. Segundo ela, esse fato deixa o professor ainda mais desconcertado. “É que não podemos mais trabalhar com coisas compartimentadas, onde o homem faz isto e a mulher aquilo”, arremata.

Para a advogada e professora de Direito da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Carmem Campos, a escola ainda tem um grande papel na formação da individualidade, na construção pessoal e social das pessoas. Ela tanto pode ser um vínculo de reprodução de valores estabelecidos, como tem a possibilidade de transformar esses valores ou, no mínimo, servir como um agente crítico. “Os professores devem questionar o material didático, que é discriminatório em relação à mulher”, critica.

Na própria língua portuguesa, segundo ela, o dicionário apresenta significações diferentes para homens e mulheres. O primeiro é descrito como um ser universal e completo. As mulheres, por outro lado, surgem como um complemento ao sujeito masculino.

A professora acha que algumas vezes seus colegas agem de forma diferente ao se dirigirem a alunos e alunas, aprovando comportamentos masculinos agressivos em relação às meninas numa sala de aula, por exemplo. Ocorrem, também, censuras às ações femininas consideradas inadequadas. “Há um estereótipo, um papel destinado aos homens e outro às mulheres, que é reproduzido na escola. É claro que isto não é uma regra absoluta, mas em muitas classes ainda é uma prática”, diz.

As lembranças sobre esses papéis ainda estão vivas na memória de Enilda. “Eu era marginalizada. Ser mãe solteira nos anos 60 era um horror”, conta. Foi quando lhe caiu nas mãos uma reportagem publicada na revista Claudia sobre um abrigo para mães soleiras no Rio de Janeiro. Ela remeteu uma carta à instituição e a resposta foi positiva. Alex estava com três meses quando eles chegaram à cidade maravilhosa. Durante um ano e meio, dividiram as acomodações com bebês e mães soleiras de outros estados que viviam o mesmo drama.

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Notas 

DESEMPREGO RECORDE
O ano de 1998 apresentou o mais alto percentual de desemprego registrado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos últimos 15 anos: 7,59% da População Economicamente Ativa (PEA). O IBGE começou a fazer pesquisa sobre emprego em 1983. Em 1997, a taxa ficou em 5,66%. O número de pessoas procurando trabalho no ano em cinco regiões metropolitanas (São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife e Salvador) foi de 1,34 milhão, o que representa um aumento de 36,43% sobre 97. Para 99, as previsões são de um índice próximo dos 10%.

POR EMPREGO
A partir do dia 8 deste mês, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) vai realizar marchas em todo o país. A intenção da central é realizar debates sobre a conjuntura nas periferias dos municípios visitados. A CUT prevê queda do Produto Interno Bruto (PIB) superior a 4% e agravamento na situação do desemprego no país, atingindo os 13% neste ano.

FUNDOS
Atentos a possibilidade do Congresso Nacional aprovar o projeto que permite sindicatos e entidades de classe a estruturar seus próprios fundos de pensão, a CUT e a Força Sindical já têm engatilhados seus projetos para a formação de fundos para os trabalhadores filiados. Em potencial, caso o Congresso aprove o projeto, são cerca de 25 milhões de pessoas a mais que poderão ter acesso a previdência privada.

BATALHA CONTRA O FUMO
O governo da Venezuela abriu uma ação em Miami contra as companhias de cigarro dos Estados Unidos. De indenização, pede dinheiro para cobrir os gastos e prejuízos causados pelo fumo. É a primeira vez que um país entra na justiça americana com um processo do gênero.

 

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