MOVIMENTO

Lar, doce lar

Sandra Han / Publicado em 19 de setembro de 1999

O sistema prisional brasileiro tem trágicas passagens para recordar. Uma delas completa sete anos em outubro, quando 111 presos foram mortos na Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, no dia 2. A justificativa da polícia: conter um motim. Mas mesmo se episódios como este nunca tivessem acontecido, as penitenciárias não teriam, de modo geral, muito o que comemorar. O mais recente relatório da Human Rights Watch, entidade que investiga os direitos humanos em mais de 70 países, classificou de “assustadoras” as condições carcerárias encontradas no país. Esse relatório foi um dos documentos usados pelo deputado federal Marcos Rolim (PT-RS) para escrever as “Garantias e regras mínimas para a vida prisional”, que pretende ser uma salvaguarda dos direitos dos presos e fixar normas para a vida na cadeia. O trabalho foi entregue em junho passado ao governo estadual e está sendo debatido entre os administradores das prisões. A Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) fará um encontro em setembro para ouvir dos delegados regionais as críticas ao projeto original. Todos os estabelecimentos penais receberam uma cópia do texto em agosto, para que ele fosse debatido exaustivamente. “O deputado sistematizou um conjunto de propostas que o governo já tinha”, observou o superintendente de serviços penitenciários, Airton Michels.

O parlamentar redigiu 93 artigos para normatizar a vida na cadeia. Algumas regras, como admite Rolim, vão gerar resistências. Uma delas deverá ser a retirada das armas dos presídios. De acordo com a proposta, as armas não poderão ser portadas nem armazenadas no interior da penitenciária. Seu uso está condicionado à autorização da Vara de Execuções Criminais. “É um excesso de repressão e além disso aumenta a insegurança, pois num motim os presos podem tirar as armas dos agentes”, avalia a diretora-executiva da Anistia Internacional no Brasil, Regina Vargas. Dispensável dizer que ela é favorável à idéia. Regina acrescenta que em países europeus esta medida já está em vigor. A Anistia considera o projeto “um grande avanço” na reforma do sistema prisional brasileiro.

Além dessa, outras sugestões também prometem gerar polêmica. Uma delas é a escolha de representantes dos presos, numa espécie de eleição interna. Os eleitos terão mandato de um ano e ficarão encarregados de falar em nome dos internos com autoridades, negociar a manutenção das garantias e acompanhar as revistas nas celas. O sistema tinha sido implantado durante o governo Alceu Collares (1991/ 1994), mas foi cancelado na administração Antônio Britto (1995/1998). “Aidéia é boa, mas temos que discutir os critérios dessa escolha”, comenta Michels, que vê na proposta o risco de produzir uma “falsa democracia”.

Muitas propostas descritas por Rolim já são realidade. Uma delas é o sigilo da correspondência, que foi garantido pelo governo estadual em junho deste ano. Desde então, se uma encomenda é considerada suspeita ela é aberta na presença do destinatário. Outras “garantias”, contudo, seguem sendo desrespeitadas, embora sejam consensuais. A revista íntima, que obriga os visitantes a tirar a roupa e exibir seus órgãos genitais, continua existinCena de um presídio no estado: discussão do. A Susepe promete para breve uma solução. Em sua proposta, Rolim determina que os presídios devem submeter todos os visitantes a detetores de metal e, em casos excepcionais, admite a revista íntima feita por profissional da saúde. O visitante pode se negar a passar por ela, mas não poderá entrar na prisão nesse dia.

Especialistas em direitos humanos afirmam que não são necessários investimentos pesados para dar condições dignas aos presos. A Human Rights Watch fez várias sugestões em seu relatório “O Brasil atrás das grades”, que foi divulgado no primeiro semestre. A entidade propõe o controle da brutalidade dos agentes penitenciários e policiais, combate à superlotação e melhora nas condições gerais dos presídios, entre outros itens. A organização lembra que o Brasil não tem um único, mas vários sistemas prisionais com características bem distintas. Asoma deles forma um dos dez maiores complexos penais do mundo, com 170 mil detentos para uma capacidade instalada (em 1997) de 96.010 vagas.

Em outro trabalho que analisa as prisões brasileiras, a Anistia Internacional recolheu impressões parecidas com as da Human Rights Watch. Divulgado em 23 de junho, o estudo intitulado “Brasil: Aqui ninguém dorme sossegado” afirma que a tortura e os maus-tratos são práticas generalizadas nas delegacias de polícia e prisões.

Na maioria dos estados as delegacias abrigam presos condenados – quando deveriam servir para reclusão temporária. Esta é uma característica que coloca o Rio Grande do Sul em vantagem em relação a outros estados, pois não há detentos nas delegacias. Mas como observa o “Relatório Azul”, feito pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia em 1997, esta qualidade não pode mascarar os problemas locais. O próprio relatório cita diversos casos de desrespeito aos direitos humanos no sistema carcerário estadual, onde há 13 mil presos e uma capacidade para 10.060 vagas, conforme a Susepe.

Os dados do sistema prisional gaúcho não são comparáveis aos brasileiros por causa de diferença metodológica. O censo penitenciário nacional traz itens que não são utilizados aqui e vice-versa. O perfil dos presos gaúchos, atualizado periodicamente, está sendo armazenado em um computador da assessoria de planejamento da Susepe (veja quadro), que consegue monitorar as mudanças da população carcerária ao longo do tempo.

Entre 1990 e 1998, por exemplo, este contingente cresceu em média 64,93%, na comparação dos meses de novembro emdezembro, sempre cai um pouco devido aos indultos. Há 87 estabelecimentos penais no Estado, sendo que o Presídio Central de Porto Alegre vive a pior situação. No relatório da Human Rights Watch ele é um dos três que devem ser renovados ou demolidos, segundo recomenda a organização.

As novas penitenciárias não têm a dimensão das casas construídas há algumas décadas. A Anistia menciona em seu documento que o governo federal reconheceu a dificuldade de controlar cadeias de grandes proporções. As novas estão sendo erguidas de acordo com padrões sugeridos pela ONU (Organização das Nações Unidas), com tamanho adequado para cerca de 600 presos. O número está bem distante de estabelecimentos como o complexo penitenciário do Carandiru, onde há 7 mil detentos. Pelo menos nesse aspecto, o país já demonstrou sensibilidade às recomendações da ONU. O próximo passo talvez seja garantir os direitos humanos dos presos.

Propostas para uma vida mais digna

– Eleger reprseentantes
– Ter televisão, rádio, ventilação e instrumento musical em sua cela
– Receber, consumir e guardar alimentos em sua cela
– Ter contatos íntimos com parceira (o) estável (termo definido no projeto, sem especificar sexo)
– Receber por escrito informações precisas sobre sua situação jurídica
– Tomar banho uma vez por dia

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