GERAL

Um grande negócio chamado violência

César Fraga / Publicado em 8 de novembro de 2000

Grades, muros, guardas, carros-fortes, vigilantes, câmeras, satélites. A macroeconomia da segurança é um negócio de cifras fabulosas. Já representa 6,6% do PIB brasileiro. O negócio de proteção contra a violência, no Brasil, consome recursos superiores ao PIB de alguns países do Mercosul e mobiliza cerca de 1,3 milhão de homens, o que equivale a quase cinco vezes mais do que as forças armadas.

Os dados alarmantes sobre o custo da segurança no Brasil são revelados

Alvo

Foto:René Cabrales

Foto:René Cabrales


pelo trabalho do pesquisador de segurança carioca Ib Teixeira. Apesar de fazer parte da Fundação Getúlio Vargas, Teixeira prefere assumir por si próprio as informações, pois segundo ele, muitas vezes suas posições são diferentes das manifestadas pela instituição da qual faz parte. A pesquisa tomou como base o ano de 1999, quando vários setores da economia registraram números negativos, o que não foi o caso do setor de segurança.

Conforme Teixeira, no ano passado os serviços de segurança privada em todo o país tiveram um crescimento estimado em 4% e 5% repetindo o ótimo desempenho dos anos anteriores. O motivo apontado não poderia ser outro: “O avanço da violência nas grandes cidades brasileiras”. De acordo com levantamento nacional de furtos e roubos de veículos, apurado pela Renavan, em apenas um ano, 371 mil veículos desapareceram, a grande maioria, 229 mil, em São Paulo e 54 mil no Rio de Janeiro. “Se rouba mais carros no Brasil do que alguns países da América Latina conseguem fabricar”.

Na área de segurança privada também pode ser observado o aumento da utilização da tecnologia em aparatos eletrônicos, graças a incorporação de sofisticados sistemas de proteção. Alguns incluem acompanhamento aéreo e via satélite. Este segmento obteve uma taxa de crescimento anual de 10%.

Estimativas também mostram que o setor movimenta cerca de 3,3 milhões anualmente. A maior parte destas empresas, – cerca de 120 com reconhecimento do governo federal -, estão localizadas em São Paulo. O total no País é de 313 companhias que se dedicam exclusivamente às prestação de segurança. Porém, suspeita-se que o dobro está atuando no mercado. As outras 300 não estariam obedecendo à regulação constante da Lei 7.002, de 1983, nem da portaria 992/95, que estabelecem direitos e deveres no setor.

Por isso são consideradas clandestinas pela Polícia Federal. Outra variável apontada pelo estudo mostra que a grandeza do setor de segurança privada pode ser notado pela sua participação percentual na arrecadação previdenciária total. Conforme dados da Federação Nacional de Empresas de Segurança, representando 1,3% do total arrecadado para o INSS, entre 1998 e 1999, no acumulado de março/agosto.

Um exército de soldados privados
Produtos eletrônicos lideram investimentos do setor
O efetivo da segurança privada no Brasil representa um verdadeiro exército. São mais de 800 mil guardas, destes 500 mil regularmente credenciados (números relativos ao ano passado) e 300 mil atuando clandestina mente.

Esses números equivalem a um terço da população uruguaia. Trata-se de um exército maior do que o efetivo da forças das polícias civil e militar do Rio de Janeiro juntas e 6,7 vezes o número de policiais de São Paulo. São três vezes e meia a quantidade de soldados das forças armadas brasileiras incluindo Marinha, Exército e Aeronáutica. Reunindo os três, a soma dá apenas 280 mil homens. Um outro detalhe é que enquanto a vigilância privada, enquadrada na Lei 7.002, que obriga o efetivo a estar devidamente qualificado por meio de sofisticados cursos de formação, os clandestinos, à margem da legalidade, continuam sem atender a nenhuma regulação e oferecem risco real aos contratantes e à população em geral.

Teixeira ressalta que a alta incidência de seqüestros, assaltos a residências e invasões de fábricas acabam por dinamizar outros dois ramos do mercado de proteção. Um é o gradeamento de edifícios, o outro a blindagem de veículos. Esta última teve um crescimento substancial no Rio Grande do Sul, nos últimos tempos, onde foi registrado aumento da procura por esses serviços. A pesquisa se baseou no preço médio do metro de grades a um custo que oscila entre 100 e 200 reais. Além do gradeamento, outros recursos mais sofisticados são utilizados pelos condomínios, como monitoramento interno e externo com o uso de câmaras e circuitos fechados de TV, cartões de acesso inteligentes que podem ser lidos com uso de antenas e programações especiais de horário para o trabalho dos vigilantes. Alguns pacotes completos podem custar entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão. A blindagem nos carros, recurso bastante usado por pessoas mais saudáveis financeiramente (entre os quais empresários, banqueiros e profissionais liberais) para escamotear a violência das ruas, já ultrapassa de longe a marca dos 10 mil veículos. As blindagens, normalmente de metal, já evoluíram para os modernos revestimentos de cerâmica, estes capazes de suportar descargas dos famosos fuzis AR-15, tornando o veículo mais leve, porém bem mais caro. O hábito acaba por fazer o monge. A demanda por segurança privada no Brasil é tanta que a tecnologia no setor acabou evoluindo ao nível encontrado em vários países europeus e de Israel (por motivos óbvios). O custo vai às alturas. Muitas vezes uma blindagem tem o preço de um veículo de luxo ou até mesmo o dobro de um de preço médio, ultrapassando os R$ 70 mil. Os pacotes incluem alto-falantes internos e externos, sirenes, microfones, etc. A blindagem não se restringe à lataria, mas também ao chão do automóvel, tanque de combustível, grade do radiador e compartimento do motor e vidros à prova de bala como complemento.

Eletrônica é a estrela da festa

Na área eletrônica, cerca de R$ 500 milhões estão sendo investidos pelas empresas. Como resultado, ocorre a introdução acelerada de modernas tecnologias na área de segurança. Consta no estudo de Teixeira, que uma empresa paulista, associada à norte-americana Cimarron, dispõe agora de um centro operacional que trabalha com o chamado Skymark-AVL, utilizando satélites. A empresa se chama Gocil e é detentora do certificado ISO 9002.

Mas o que é isso exatamente? Trata-se de um novo sistema que rastreia em tempo real e dá a localização exata de veículos, além de propiciar comunicação bilateral ampliando a margem de segurança do usuário. Outra novidade é um simulador capaz de colocar qualquer pessoa em situações bem próximas da realidade, por meio de computadores que monitoram armas de tiro a lazer.

A criatividade das empresas não pára por aí. Duas empresárias inventaram um recurso bem mais barato, o guarda-costas de plástico. Possui boa apresentação, olhos verdes e não recolhe INSS. E o melhor, além de não falar e não enxergar nada, é visto por todos que estiverem fora do veículo.

Possui movimento de pescoço e olhos. Outro recurso, este já bem antigo, ainda em voga é o bom e velho cão-de-guarda. Os canis tem aumentado a venda de cães que se prestam para a função. Mas segundo o estudo, a grande vedete é mesmo a eletrônica. E é ela que também apresenta mais eficácia. O faturamento deste segmento. Conforme a Associação Brasileira das Empresas de Segurança, deverá ultrapassar os R$ 2 bilhões ainda este ano, com possibilidade de crescimento de 10 a 20% para 2001, mantendo este índice anual no próximo qüinqüênio.
Um sistema chamado SPA (sistema de previsão de assaltos), tem reduzido os assaltos a bancos paulistas utilizadores do serviço. A sofisticação é tanta que todos os dias pela manhã helicópteros alçam vôo na capital paulista durante o horário comercial para observar, através de rotas pré-estabelecidas, o cliente em questão. Ao primeiro disparo de alarme, o helicóptero parte para o local indicado, acompanhando do alto a evolução dos acontecimentos e a atuação da polícia. A qualquer tentativa de fuga dos assaltantes são acionadas câmaras de vídeo super sensíveis a luz, tornando possível identificar até mesmo a placa de uma motocicleta em close up. Essas informações são repassadas para uma base em terra e para a polícia. O serviço, em comparação com outros, nem é tão caro. Um ponto de observação do SPA ligado a uma rota já estabelecida custa em torno de R$ 1.358,00.

As multinacionais também estão de olho nesse mercado. A Philips, por exemplo chegou a faturar R$ 1,5 bilhão e registra taxas de crescimento de 8% ao ano. Os produtos são câmaras de segurança, vídeos de tempo estendido, circuitos fechados de TV e outros apetrechos. A empresa lançou no mercado até mesmo uma pasta executiva que dá choques em quem tentar roubá-la com alarme acoplado.

Seguros tiram sua fatia
Há grande diferença entre investimentos dos setores públicos e privados
Quem também movimenta uma boa quantia de dinheiro são as companhias de seguro. As receitas delas evoluíram de R$ 12,1 bilhões (em 1994), para R$ 19,3 bilhões (em 1998). No segmento de seguros de não-vida, a arrecadação de prêmios alcançou R$ 9 bilhões, dos quais 30,95% vieram dos seguros de veículos. No ano em que foi realizado o estudo, 1999, foram arrecadados R$ 4,6 bilhões só nos nove primeiros meses, chegando a R$ 6 bilhões em dezembro. O seguro obrigatório dos veículos, o DPVAT, responde por cerca de R$ 1 bilhão e o de transporte com cerca de meio bilhão de reais, apresentando um crescimento de 14,79%. O setor de seguros residenciais também causa um impacto considerável nesta soma, cerca de R$ 1 bilhão.

Mas do grande paradoxo constatado pela pesquisa de Ib Teixeira é justamente entre o setor público de segurança e o privado. “Enquanto o último cresce a olhos vistos, o primeiro mergulha em um mar de burocracia”.

Ele cita o exemplo da Polícia Militar de São Paulo que para um contingente de 14 mil sargentos aposentados, dispõe de apenas 1.400 na ativa. Para 53 coronéis em atividade existem 1.000 reformados. De um total de 83 mil homens em exercício existem 35 mil pensionistas. A banda da PM paulista possui mais de 600 soldados. O dado mais curioso, número idêntico ao número de barbeiros. Só na Casa Militar estão lotados cerca de 499 PMs. Dos 81 mil efetivos, mais de 31 mil, 44% se encontram em atividades que não são a do policiamento.

Ao que tudo indica, as aposentadorias, geralmente muito precoces, acabam sugando recursos públicos no setor. Um PM pode se aposentar como coronel no mais alto posto da hierarquia, com apenas 50 anos. Já na Polícia Civil, uma grande quantidade de leis corporativas impedem uma justa avaliação. “Tanto faz trabalhar como não trabalhar”. No Rio de Janeiro , por exemplo, se você liga para um delegado e lhe comunica a ocorrência de um assassinato ele responde que não é com ele e manda ligar para uma radiopatrulha. “Pelo menos os regulamentos militares permitem punições drásticas e rápidas na PM. Apresentar-se mal vestido, sem barbear-se, pode significar até 30 dias de detenção. Na Civil existe apenas a suspensão. Nela, inquéritos sobre corrupção levam anos e quase sempre dão em nada”, garante Ib. No Rio, a despesa orçamentária caiu de 8,7% para 7,2%. Em 1998 cerca de R$ 1 bilhão foi destinado às polícias estaduais. Em São Paulo se gasta praticamente o dobro, quase R$ 2 bilhões destinados aos 38 mil efetivos da Polícia Civil e 80 mil da PM. No Rio, o número de policiais é menor, 28.878 militares e 10.200 civis. A estimativa de gastos nos demais estados é de R$ 6 bilhões. Acrescentando a essas despesas o R$ 1 bilhão dos gastos de Brasília e algo em torno de R$ 1,5 bilhão dos policiais da União (Federal, Rodoviária, Ferroviária e outras) a soma dá R$ 14,5 bilhões.

Mas como se trata de recursos não muito bem dimensionados, o estudo se prende apenas nas despesas dos estados, que representam R$ 12 bilhões. “Em Nova Iorque, existem apenas 39 mil guardas no policiamento das ruas.

O mesmo número do total das polícias cariocas, por exemplo. Lá os resultados são completamente diferentes. Mas isso já é outra história”, afirma o pesquisador.

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