MOVIMENTO

Sem bandeiras

Paulo César Teixeira / Publicado em 17 de junho de 2002

“Imaginem um jovem que sobe num pára-lama e, com um gesto, e antes da palavra, faz a unanimidade.” A frase descreve o líder estudantil Vladimir Palmeira, que subia em caixotes para falar à multidão de 100 mil estudantes, no centro do Rio de Janeiro, em junho de 1968. O autor é Nelson Rodrigues, cronista e dramaturgo que apoiava os governos militares, mas se rendia ao encanto da figura do rapaz que desafiava de peito aberto os generais. Palmeira (ex-presidente da União Nacional dos Estudantes) não era um herói de capa e espada – ele representava um movimento de massa que, durante as duas décadas de regime militar, era um dos raros canais de expressão de lutas e reivindicações da sociedade civil.

Hoje, aos 57 anos, economista aposentado, Palmeira se declara “marxista independente” e se mantém afastado de disputas eleitorais, após ter sua candidatura ao governo estadual do Rio de Janeiro vetada pela direção nacional do PT, em 1998, em nome da aliança feita com o PDT na época. O Movimento Estudantil, que liderou há 35 anos, parece tão deslocado quanto o velho líder. Tanto nas universidades públicas quanto nas particulares, não encontra bandeiras que possam mobilizar a juventude. Nas instituições federais, não tem voz para exigir democracia e participação da comunidade acadêmica na elaboração e no manejo do orçamento. Nas escolas privadas, não acha forças para reagir ao aumento abusivo das mensalidades. Pior: grande parte das entidades está em poder de lideranças coniventes com as reitorias, das quais recebem afagos e apoio para se perpetuarem no poder.

As razões para o esvaziamento do ME estão relacionadas, paradoxalmente, ao retorno da democracia política, pela qual tanto lutou nas décadas de 60 e 70. Com o fim do regime militar, em 1985, a sociedade civil recuperou seus canais de expressão apropriados – partidos, sindicatos, entidades comunitárias etc. – e os estudantes perderam o inimigo comum que os mantinha coesos e mobilizados. “É preciso entender que o ME é um movimento social sem dinâmica interna, que age sempre em resposta a uma situação externa”, afirma Renato de Oliveira, ex-presidente do DCE da UFRGS, atual secretário estadual de Ciência e Tecnologia. Em 1977, Oliveira comandou a primeira passeata realizada no país após 1969, em meio a bombas de gás lacrimogêneo detonadas pelo pelotão de choque da Brigada Militar.

caras

Sérgio Amaral/AE

Sérgio Amaral/AE

“Caras pintadas” foi o canto do cisne

Um dos atuais coordenadores do DCE da Unisinos – comandado por petistas e anarquistas –, Erick da Silva, admite que, após as manifestações dos “caras-pintadas”, no início dos anos 90, exigindo o impeachment do presidente Fernando Collor, o movimento entrou numa longa fase de acomodação. “A maior parte das entidades está em poder de pessoas mal-intencionadas, que não têm interesse em realizar eleições transparentes. Muita gente vê o movimento como um trampolim para a carreira política.” Em alguns casos, a atividade partidária e a militância no ME se misturam sem constrangimento. Estudante de Direito da Urcamp de Bagé, Bob Machado acumulou até o mês passado os cargos de presidente do DCE e vereador pelo PTB. Embora tenha feito até greve de fome durante cinco dias, em 1999, para reivindicar a ampliação do crédito educativo, ele mostra-se conformado com o marasmo dentro das universidades. “A tendência hoje é de um movimento não politizado. Está difícil mobilizar o pessoal”, diz Machado, que passou a presidência do DCE para Carlos Augusto de Souza, também do PTB.

Na realidade, não foi apenas a realidade política do país que mudou. A perspectiva profissional dos jovens também se transformou radicalmente, o que não foi devidamente assimilado pelas lideranças estudantis. “O ME é formado por jovens que combinam duas características – disponibilidade política e ideológica associada a uma grande expectativa em relação à sua inserção no mercado de trabalho”, diz Renato Oliveira. Atualmente, a preocupação com a formação e o aperfeiçoamento profissional é muito mais intensa e precoce, o que diminui a disponibilidade para a militância. “A esquerda não incorporou esta nova realidade. Fala para um público que, a rigor, não existe mais. Os movimentos progressistas ainda não entenderam o que está acontecendo dentro das universidades”, observa ele.

Uma das características do ME atual é abrigar coligações que não primam pela coerência ideológica. A própria diretoria da UNE, que completa 65 anos em agosto, consegue conciliar correntes de siglas antagônicas, como PC do B, PTB e até PFL. O presidente do DCE da Ulbra, Sílvio Luciano Ribeiro – que acaba de ser reeleito, com 5080 votos contra 953 – não se mostra surpreso. Para ele, o ME é tão contraditório quanto o próprio espectro partidário do país. “Quem poderia imaginar que o PT estaria cogitando coligar-se com o PL na eleição presidencial? Ou que PPS e PFL concorreriam juntos no Estado? Ou ainda que PDT e PTB partissem para uma fusão?”

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