MOVIMENTO

Reforma Sindical entra na pauta do Congresso

Gilson Camargo / Publicado em 15 de novembro de 2004

A redação final do projeto de reforma sindical encaminhado pelo governo à Casa Civil deverá entrar na pauta de votação do Congresso no final do mês, após a análise da Proposta de Emenda Constitucional (PEC). A reforma sindical foi elaborada pelo Fórum Nacional do Trabalho (FNT), instância composta por representantes de empresários, trabalhadores e governo, e organizada pelos grupos temáticos Organização Sindical, Negociação Coletiva, Sistema de Composição de Conflitos, Legislação do Trabalho, Normas Administrativas sobre Condições de Trabalho, Organização Administrativa e Judiciária do Trabalho, Qualificação e Certificação Profissional e Micro e Pequenas Empresas, Autogestão e Informalidade. Um acordo firmado entre os agentes do Fórum no início dos debates estabeleceu a negociação coletiva e a resolução de conflitos como bases para o projeto de reforma sindical, premissas que devem orientar também a reforma trabalhista.

Promessa de campanha do Partido dos Trabalhadores, as duas reformas estão coladas devido à necessidade de mudança na Constituição, mas a aprovação da mudança na estrutura sindical vem sendo negociada como condição para se chegar à trabalhista. Segundo o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, a reforma sindical está pronta para ser votada pelos parlamentares e que o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, vai enviar ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e um projeto de lei com a proposta da reforma. Em uma palestra para empresários em São Paulo, Dirceu advertiu que a reforma trabalhista só será encaminhada ao Congresso depois da aprovação das mudanças na estrutura sindical. “Não se pode pedir para o movimento sindical jogar partida de futebol sem chuteira. O resultado seria previsível. Discutir reforma trabalhista, só depois da sindical”, avisou.

SAIA- JUSTA – Apontada como artifício para desmontar a estrutura sindical ao extinguir a contribuição obrigatória, e de retirar direitos com o fim da data-base, a reforma enfrenta a resistência de setores mais conservadores do sindicalismo. Às vésperas de encaminhar o texto final da reforma à Casa Civil, o governo se viu numa saia-justa com a debandada de sindicalistas das negociações. Alegando risco de colapso financeiro dos sindicatos, três centrais sindicais anunciaram em nota conjunta, no dia 28 de outubro, a suspensão de suas participações no Fórum Nacional do Trabalho. O rompimento da Força Sindical, da Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT) e da Social Democracia Sindical (SDS) com o governo foi motivado pela Portaria 160 do Ministério do Trabalho, que dificulta a cobrança pelos sindicatos de contribuições confederativa e assistencial de trabalhadores não-sindicalizados. “O governo quer quebrar os sindicatos, no meio de uma negociação de reforma e isso não podemos aceitar”, afirmou o presidente da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna. Publicada em abril, a portaria chegou a ser suspensa mediante negociação com as centrais, mas no final de setembro o Ministério Público Federal obteve uma liminar restabelecendo a aplicação da medida. Estabelece que, para cobrar contribuições confederativas e assistencial dos não sindicalizados, os sindicatos precisam ter autorização por escrito desses trabalhadores. “Enquanto esse desrespeito permanecer, não negociaremos nenhuma reforma, sindical ou trabalhista”, protestou Gonçalves.

Mesmo na vanguarda do sindicalismo, a reforma sindical é encarada com reservas especialmente pelo temor de que os consensos do Fórum sejam atropelados no Congresso, retirando direitos. “Vamos lutar para que a proposta de reforma constitucional não seja um retrocesso em relação ao que foi aprovado pelo FNT. É essencial que a reforma trabalhista não venha a anular a reforma sindical”, adverte Juçara Dutra Vieira, presidente do Cpers. O secretário-geral da Central Única de Trabalhadores (CUT) afirma que a Central defende os consensos do Fórum, mas jamais vai concordar com a flexibilização de direitos. “Primeiro vamos debater a reforma sindical, uma outra forma de organização da sociedade, para depois debater a CLT. Nesse debate sobre legislação trabalhista, a CUT não vai abrir mão de direitos”, diz João Felício.

O coordenador da secretaria de Assuntos Jurídicos do Sinpro-RS, Amarildo Cenci, avalia que a reforma sindical foi amplamente costurada com a sociedade e deverá avançar rumo a autonomia, a liberdade de organização dos sindicatos e defesa dos direitos dos trabalhadores. “Para nós, herdeiros do movimento mais combativo do sindicalismo, que lutamos desde a década de 80 pela mudança da estrutura sindical, a reforma representa uma conquista histórica. De temor em temor, corremos o risco de deixar tudo como está e não avançar”, analisa Cenci, para quem a transigência vai contribuir para a superação das diferenças.

Mudança ataca sindicatos de gaveta

Dentro do novo modelo, todos os sindicatos estabelecidos poderão sobreviver. É um modelo que favorece a negociação e o entendimento e foi elaborado em conjunto pela sociedade, com a participação de atores do movimento sindical”, define o coordenador do FNT e secretário nacional das Relações de Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Osvaldo Martinês Bargas. Ex-metalúrgico do ABC, Bargas, que já trabalhou nas montadoras da Volkswagen, Ford e General Motors, enfatiza que a proposta de reforma não é do governo e que as arestas do projeto deverão ser aparadas no Congresso. “O debate vai ser acalorado. Na proposta, quem mais abriu mão de suas posições foi o governo”, argumenta. “O resultado do trabalho que fizemos não é perfeito para o governo. Não é perfeito para os empresários e não é perfeito para os trabalhadores. Mas é o passo necessário para que possamos rumar para um cenário de liberdade e de autonomia sindical”, define o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini.

Segundo o coordenador do Fórum, só não houve consenso em dois temas da reforma: a representação sindical nos locais de trabalho e o número de sindicalizados com estabilidade nas empresas. No caso da repre-sentatividade, os trabalhadores querem um sistema ligado aos sindicatos dentro das empresas com mais de 20 trabalhadores, o que é rejeitado pela bancada dos empregadores. A proposta do governo é alternativa: estabelece direito autônomo aos sindicatos. Quanto à estabilidade, Bargas considera que trabalhadores e empresários estão de acordo com o sistema, mas divergem em relação ao número. A bancada do governo no Fórum propôs limite de 81 trabalhadores com estabilidade por empresa, sendo um representante sindical para cada 200 funcionários. São essas questões que o governo empurrou para o Congresso resolver antes de aprovar o projeto. A reforma sindical traz uma dinâmica muito diferente para as relações de trabalho, atualmente definidas pelo tripé sustentação financeira obrigatória, unicidade sindical e poder normativo da Justiça do Trabalho. Pelo novo modelo, os sindicatos terão que comprovar repre-sentatividade para estabelecer direitos e o poder normativo da Justiça do Trabalho cede espaço para a negociação. O imposto sindical passa a ser substituído pela taxa negocial decidida em assembléia.

Para Bargas, além de mudar radicalmente as relações de trabalho, a reforma vai combater os “sindicatos de gaveta”. O coordenador do FNT recorre à sua experiência de metalúrgico para defender a reforma no sistema. Ele cita o caso da montadora da Volks em São Paulo, que aglutinou nada menos que 34 sindicatos, um para cada categoria, das secretárias aos metalúrgicos. “Não existe lugar mais fácil para ser dirigente sindical do que o Brasil. É só lembrar que os sindicatos arrecadam por ano 20% do salário médio de cada trabalhador e fazer as contas. É uma fábula. Quem está resistindo à reforma são setores conservadores do sindicalismo. Aqueles que estão encastelados há mais de 30 anos e usam o sindicato como correia de transmissão de suas correntes políticas, não exercem a atividade sindical e não querem mudar nada. A reforma estabelece um papel novo para as confederações e federações, combate os sindicatos com baixa sindicalização e vincula a contribuição à negociação. Aqueles sindicatos que não cumprirem o mínimo de 20% de sócios perdem a prerrogativa sindical. É um modelo próximo aos sindicatos mais dinâmicos da nossa realidade. Uma revolução positiva”, define.

CUT quer reconhecimento legal

Durante sua passagem por Porto Alegre, o secretário geral da CUT, João Felício, falou com exclusividade ao Extra Classe sobre a Reforma e o que defende a maior central sindical do país. Respondeu a temas indigestos como a debandada de sindicatos que divergem da atual política e sobre flexibilização da legislação trabalhista estar ou não vinculada à Reforma Sindical.

César Fraga

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Foto: Divulgação / CUT

Foto: Divulgação / CUT

Extra Classe – Qual a posição da CUT diante da proposta de Reforma Sindical apresentada pelo Fórum Nacional do Trabalho, já encaminhada à Casa Civil e apresentada ao Congresso?
João Felício – Nós estamos defendendo os consensos obtidos no Fórum Nacional do Trabalho porque eles significam o início de uma mudança que nós queremos fazer na estrutura sindical do país há muito tempo. Não são todos os princípios que a CUT sempre defendeu, mas constituem um avanço significativo diante da estrutura atual. Mas o que para nós é importante nesse processo todo? Primeiro: reconhecimento legal das centrais sindicais. Até hoje as centrais não são reconhecidas. Se as centrais são reconhecidas, se reconhece também as estruturas verticais (as federações e confederações) e horizontais (CUTs estaduais). Estamos também avançando no reconhecimento das organizações por local de trabalho, que sempre foi um sonho da CUT, que é ter tudo aquilo de bom que a central construiu ao longo dos anos reconhecido pelo poder público, até porque o reconhecimento da sociedade já existe. Segundo: avançamos no sentido de substituir o imposto sindical (compulsório) por uma sustentação financeira dos sindicatos reconhecida pela base e decidida por ela.

EC – Como será a sustentação financeira dos sindicatos conforme a proposta FNT e como é hoje?
Felício – O imposto sindical, hoje, é uma imposição do Estado. Pela proposta defendida por nós, o imposto passa ser substituído pela taxa negocial decidida em assembléia. Isso representa o início da mudança quanto à sustentação financeira do sindicato. A CUT sempre divergiu da cobrança do imposto sindical, pois ele desestimula a busca de novos sócios. Se o dinheiro entra de qualquer jeito, para que ampliar o quadro de sócios e a representatividade do sindicato? Para o dirigente que pensa assim, quanto menos sócios melhor, pois ele presta serviço para uma quantidade menor de trabalhadores. A partir do momento que o dinheiro passa a ser resolvido em assembléia, esse dirigente passa a querer trazer o associado para dentro do sindicato, participando do processo de decisão. Se os consensos do Fórum não significam a totalidade do que a CUT acredita, com certeza estão muito mais próximos daquilo que queremos do que é a atual estrutura sindical.

EC – E sindicatos que estão saindo da CUT por conta desse posicio-namento?
Felício – Apenas alguns setores ultraminoritários estão saindo da central, numa atitude autoritária, impositiva, de uma corrente, no caso o PSTU, que impõe essa posição aos seus sindicatos. O processo de discussão é profundamente autoritário, pois não está envolvendo a base no processo de tomada de decisão. Isso coloca essa corrente numa postura antidemocrática. Ao invés de se fazer uma discussão profunda sobre os consensos do Fórum para saber se estão em sintonia com os princípios defendidos pela CUT, simplesmente impõem uma vontade de comitê central de partido sobre a base, que é uma postura extremamente autoritária no campo da esquerda.

EC – Como o senhor descreve a atual estrutura sindical?
Felício – Temos uma estrutura arcaica, ultrapassada, fechada, pelega e distanciada da base. O que queremos é sair dessa estrutura para chegar um dia com uma situação de plena liberdade e autonomia sindical. Para que ser contra? Se há divergências, vamos fazer emendas, divergir.

EC – Mas nem todos concordam com o que está consensuado no Fórum. Existem muitos combatentes ao projeto?
Felício – O combate global à totalidade dos consensos do Fórum significa manter a atual estrutura sindical. O que será debatido no Congresso são duas propostas, a mudança ou a manutenção de tudo como está. Para um sindicato ser único em determinada categoria ele terá de ser representativo, caso contrário não será possível. Se não representa nada, vamos dar chance a outro para fazer a representação. A CUT é a única central sindical do país no campo da esquerda. Então, todos que concordam e os que discordam deveriam estar dentro da CUT e não do lado de fora. Sair é uma postura divisionista que não condiz com a necessidade de unidade que precisamos ter no Brasil.

EC – Mas a CUT concorda com tudo que está lá?
Felício – A CUT vai analisar o projeto enviado ao congresso e vai propor emendas nos pontos de divergência. Há um discurso de que o Fórum do Trabalho estaria abrindo mão de direitos. Isso é mentira. A CUT jamais vai concordar com flexibilização de direitos. A coisa tem de ficar clara: primeiro vamos debater na reforma sindical uma outra forma de organização da sociedade e tudo mais, para só depois debater a legislação trabalhista. Agora, nesse debate sobre legislação trabalhista a CUT não vai abrir mão de direitos. Assim como nós batemos no governo anterior quando queria valorizar a negociação em detrimento da legislação, continuaremos coerentes e não mudaremos de posição com o atual governo. Até porque não existe nenhuma posição do atual governo que sinalize em direção à flexibilização de direitos. Esse debate não existe, nem no próprio governo. O que posso dizer que o papel da CUT no Fórum Nacional do Trabalho é o de defender a manutenção dos atuais direitos do trabalhador previstos na CLT.

EC – Alguns setores vinculam a reforma sindical à flexibilização de direitos, principalmente a imprensa?
Felício – Bom, eu não sei de onde tiraram essa idéia, mas essa possibilidade não existe, e se existe a CUT não vai concordar. Uma parte da imprensa deturpou um pouco as coisas. Além disso, o direitismo e o esquerdismo quando são contra alguma coisa se aliam para poder fulminar uma proposta e os jornais têm dado amplo espaço para debates vazios.

EC – Mas uma parte da base da CUT está saindo da central por divergir de suas posições, em especial os sindicatos ligados ao PSTU, como o senhor mesmo disse?
Felício – Eu acho que a possibilidade que temos de mudar a estrutura sindical é agora. Não no próximo governo. E o que estamos defendendo é tudo aquilo que a CUT sempre sonhou. O problema é que algumas correntes do movimento sindical estão voltando ao passado e que talvez nunca tenham dito publicamente suas reais intenções. A pelegada nunca quis mudar de fato a estrutura. Querem tudo como está. O que me deixa perplexo é saber que correntes da esquerda, que sempre reivindicaram a mudança e a democratização da estrutura sindical, hoje se aliam à direita para mudar absolutamente nada. Isso é incompreensível.

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