MOVIMENTO

Primeira paralisação do ensino privado completa 20 anos

Luis Gustavo Van Ondheusden / Publicado em 4 de setembro de 2005

No próximo dia 19 de setembro completam-se 20 anos da primeira paralisação do magistério privado gaúcho. Nesta data, em 1985, na Praça Dom Sebastião, em frente ao Colégio do Rosário, na Capital, professores se organizavam com faixas, cartazes e megafones para protestar contra a política salarial das escolas particulares, reivindicar 30% de reposição, partindo para uma caminhada histórica que culminou em um ato público na Esquina Democrática. A chuva era intensa, mesmo assim os cerca de 4 mil docentes seguiram em sua marcha que alterou totalmente a rotina do Centro de Porto Alegre naquela tarde. O movimento foi liderado pelo grupo de professores que ascenderia à direção do Sinpro/RS nas eleições do ano seguinte, mas que já havia conquistado a adesão do Sindicato graças à articulação conseguida com os professores em assembléia ocorrida dias antes. O Sinpro/RS, em comemoração a essa data, irá fazer um evento no dia 16 de setembro, às 19 horas, que contará com uma reconstituição dos fatos por meio de uma exposição fotográfica e painéis sobre o movimento, bem como o contexto histórico, político e econômico em que ocorreu. O evento acontecerá na Sede Estadual do Sindicato (Av. João Pessoa, 919).

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Foto: Arquivo Zero Hora/Valdir Friolin

Foto: Arquivo Zero Hora/Valdir Friolin

Os anos 80 foram um período de grande mobilização social no Brasil: greves, paralisações, atos públicos. Havia uma efervescência política muito grande, já que o país acabava de passar por um conturbado período em sua história. Afinal, terminara a ditadura militar. Na ocasião, primeiro ano do governo José Sarney, o Sindicato dos professores da rede privada ainda era dirigido por uma diretoria que tinha preocupação quase que exclusiva com o aspecto assistencialista. A marca do Sindicato era de uma entidade voltada para o atendimento de necessidades diversas, como por exemplo, a saúde dos associados. Isso pode ser comprovado ao se ver uma ata de reunião da diretoria no dia em que antecede a realização da paralisação que sequer fez menção ao que aconteceria no dia seguinte. Não se apostava numa mobilização da categoria. Segundo o hoje diretor do Sinpro/RS, Marcos Fuhr, um dos organizadores da paralisação, “havia dúvida entre os militantes sobre a existência de um sentimento de categoria profissional dos professores do ensino privado. Nossa facção acreditava que existia, o que acabou se comprovando a partir desta primeira paralisação”.

“Foi nesse contexto que o Sinpro/RS construiu uma nova etapa de sua própria história. Aquele dia foi um marco, o início de um novo tempo para o Sindicato”, afirma João Luiz Stein Steinbach, também participante da passeata e atual diretor do Sinpro/RS. “O Sindicato acompanhou todo aquele movimento de mudança na política: o movimento das Diretas Já, o fim da ditadura, todo o período de rede-mocratização na política do país”. Ambos, faziam parte da chamada “Oposição Sindical”. Esse grupo vinha crescendo, tendo cada vez mais importância nas assembléias sindicais e pressionando a atual diretoria do Sindicato, então presidida pelo professor Mendes Gendelmann, para que essa assumisse uma postura de enfren-tamento à situação vigente.

Em assembléia do dia 14 de setembro de 1985, realizada no Colégio Rosário, em Porto Alegre, militantes da oposição sindical propuseram paralisação de um dia em todo o Estado e a idéia foi aceita. Muitas escolas pararam suas atividades devido à mobilização dos professores. “Foi um ato de rebeldia e coragem”, segundo Marcos Fuhr. A categoria não tinha nenhuma experiência em fazer greves, embora já tivesse feito paralisações isoladas com o propósito de manifestar apoio e solidariedade ao magistério público, que já fizera greves. “Fazer uma greve no setor privado significa correr riscos. Ao longo das nossas paralisações e greves sempre houve muitas demissões por causa dos confrontos com as direções das escolas”, explica Fuhr. Além disso, essa foi a primeira vez que o magistério particular, juntamente com os funcionários, resolveu parar suas atividades por questões salariais, apesar de todas as ameaças e da falta de estabilidade. “A repressão nas escolas era muito grande, era uma época de muita tensão na sociedade, e os setores patronais, as direções, as escolas não estavam preparados para esse tipo de enfrentamento”, com-plementa João Luiz.

Cerca de 4 mil pessoas estiveram na passeata

Segundo o jornal Zero Hora do dia 20 de setembro daquele ano, cerca de 90% das escolas da Capital gaúcha e 50% das do Interior pararam suas atividades. Em relato ao jornal, Mendes Gendelmann, presidente da entidade, afirmou que estiveram presentes cerca de 4 mil professores durante a passeata e complementou: “Quando um professor particular, que não é afeito a caminhadas e atos públicos, sai para as ruas a gritar suas reivindicações, é porque a situação está grave”. A adesão do Interior não foi muito grande porque o deslocamento dos professores para Porto Alegre era complicado. “Aconteceram, sim, fatos isolados, em alguns municípios, como Passo Fundo, onde havia um pessoal mais atuante, e em locais mais próximos de Porto Alegre”, refere João Luiz.

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Foto: Arquivo Zero Hora/Valdir Friolin

Foto: Arquivo Zero Hora/Valdir Friolin

Para os ativistas da época, o dia da paralisação foi um marco decisivo na trajetória do Sindicato. Embora o resultado concreto da mobilização não tenha sido significativo (receberam apenas 5% de antecipação por conta do próximo dissídio), o que se ganhou foi um saldo político, organizativo e de consciência trabalhadora dos professores. Passou também a haver uma maior politização das assembléias da categoria, o que levou em um curto período de tempo a uma nova cons-cientização da classe e um desejo desta ser representada por um sindicato mais representativo, aberto, participativo e reivindicador. “O que se esperava da entidade era uma nova linha de atuação, a de enfren-tamento, a de lutar por seus direitos, de brigar e encarar a repressão e o autoritarismo dentro das escolas. A paralisação representou um momento de acúmulo de forças, de legitimação do grupo responsável por essa mobi-lização”, completa Fuhr. Como a mobilização ocorreu no meio do segundo semestre, totalmente fora do período da data base, e quem a coordenou foram os militantes de base da categoria, acabou-se tendo desdobramentos nas eleições sindicais do ano seguinte, onde a oposição, pela primeira vez na história do Sindicato, venceu a eleição.

Inflação crescia 230% ao ano

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Foto: Arquivo Zero Hora/Valdir Friolin

Foto: Arquivo Zero Hora/Valdir Friolin

A década de 80 registrou números altíssimos de inflação. Com o PIB de 7,85%, o país estava em crise, principalmente por causa da dívida externa, que chegava a US$ 100 bilhões (hoje o número é maior, US$ 201 bilhões, mas a economia é outra). O elevado déficit era alimentado principalmente pelos juros internacionais que o país pagava anualmente. Desta forma, a inflação crescia 230% ao ano e em média 8% ao mês. Indignados, os trabalhadores brasileiros, organizados em sindicatos e organizações que os representavam, exigiam mudanças na política brasileira. A massa trabalhadora lutava, principalmente, pela suspensão do pagamento da dívida externa e pelo rompimento com o FMI. Mas o que mais se pedia era uma nova Assembléia Constituinte, que viria a acontecer em 1988. Segundo o economista Ricardo Franzoi, “os trabalhadores queriam uma renovação na ordem econômica do país, pois quem estava no governo estava executando as mesmas práticas econômicas do período da ditadura”.

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