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Coautor da Lei de Meios argentina participou de debate promovido pelo Extra Classe

Evento reuniu profissionais de comunicação, estudantes e professores na Assembleia Legislativa para discutir monopólio de comunicação versus democracia
Por Gilson Camargo / Publicado em 10 de abril de 2014
Co-autor da Lei de meios argentina participou de debate promovido pelo extra Classe

Foto: Igor Sperotto

O debate Democracia e democratização da comunicação teve participação de Celso Schröder, Damián Miguel Loreti, Marcos Fuhr (mediador), Christa Berger e Adão Villaverde

Foto: Igor Sperotto

O debate Democracia e Democratização da Comunicação Social, realizado na noite de 12 de março, no Teatro Dante Barone, da Assembleia Legislativa contou com painéis do advogado e ativista argentino Damián Miguel Loreti, doutor em Ciências da Informação, assessor de organizações sindicais de trabalhadores da imprensa e dos meios de comunicação e coautor  da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, a Lei de Meios; da jornalista e professora da Unisinos, Christa Berger, doutora em Ciências da Comunicação e pós-doutora em Teorias do Jornalismo; do jornalista e militante da luta pela Democratização da Comunicação Social no Brasil, professor Celso Schröder; e do deputado estadual Adão Villaverde (PT), engenheiro, professor e autor da Lei de combate ao enriquecimento ilícito do gestor público. O evento assinalou os 18 anos do jornal Extra Classe e o lançamento do www.extraclasse.org.br. O evento foi promovido pelo Jornal Extra Classe e Sinpro/RS, com apoio da Assembleia Legislativa, TVE e FeteeSul.

“A democratização da mídia é uma reivindicação histórica da sociedade brasileira, inserida na esfera pública a partir dos anos 1980 com a constituição do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)”, lembrou Marcos Fuhr, da direção do Sindicato dos Professores e mediador do debate. Para o deputado Adão Villaverde “o tema que estrutura a concentração da comunicação no país é que os veículos estão nas mãos das poucas famílias ou grupos que os controlam. Isso serve pra influir na linha editorial, compromete o pluralismo, restringe opinião e compromete a essência da própria democracia. Uma visão de comunicação permeada por esse grau de concentração tem a credibilidade abalada e os profissionais que atuam dentro dela também são questionados, assim com os donos dos veículos. O parlamentar citou a interferência feita pelo jornalista francês Bernard Cassen durante o Encontro Internacional pela Paz e Contra a Guerra, realizado em 2004 em Porto Alegre, em que apontara um “descolamento” do debate sobre globalização em relação ao debate acerca do papel da mídia. “Não haverá democracia substantiva se não tivermos democratização do sistema de comunicação, Reforma Política com uma Constituinte Exclusiva, Reforma Agrária e uma Reforma Urbana, que enfrente o tema do uso social do solo urbano e a especulação imobiliária”, concluiu.

Damian Miguel Loreti: falta de pluralismo e diversidade

DIREITO UNIVERSAL – A discussão é como se universaliza a liberdade para que seja efetivamente equitativa. Não há doutrina que sustente a falta de pluralismo ou que admita os monopólios. A razão de ser da regulação da radiodifusão é a garantia ao pluralismo e à diversidade. Uma lei que não contemple isso é uma lei que não cumpre os princípios dos direitos humanos. Está na declaração de princípios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: “Os monopólios e os oligopólios na comunicação social afetam a democracia porque restringem o direito à liberdade de expressão e o direito à informação”. O problema da radiodifusão, a falta de pluralismo e de diversidade, não é meramente de administração de frequências nem de papel. É um problema de direitos humanos. Os países que não cumprem com esses paradigmas estão infringindo os princípios dos direitos humanos.

LEI DE MEIOS – Em 2004, a presidenta Kirchner revogou leis que eram rêmoras da época da ditadura, a Lei de Imigração e a Lei de Reforma Laboral, uma contrarreforma absoluta contra os trabalhadores. Houve uma crise agropecuária na qual os meios cometeram dois grandes desacertos.

Um foi a revelação absoluta de que eram sócios das patronais agropecuárias e outro que careceram completamente de princípios de pluralidade, não falo de objetividade, mas de pluralidade. E com um grau de racismo na cobertura das notícias que na Argentina fazia muito tempo não se via. Criamos a Declaração dos 21 pontos, que defende a democratização dos meios de comunicação como um direito humano universal a ser garantido pelo Estado, o pluralismo e a diversidade, o fim da manipulação nas concessões, uma autoridade reguladora multissetorial, um defensor público, cotas de programação nacional e local, limites às cadeias. O importante deste texto não era só os 21 pontos, mas todos os fundamentos da doutrina clássica e da doutrina internacional dos direitos humanos e a quantidade de pessoas e instituições que aderiram às manifestações populares que reuniram até 40 mil pessoas.

MECANISMOS DE CONTROLE – Creio que esse é o grande ensinamento para o futuro. Não há teoria que majoritariamente permita sustentar que os meios de comunicação não tenham que ter nenhum tipo de limite. A sociedade precisa de mecanismos para prevenir os efeitos que os monopólios da comunicação causam à democracia, regras antimonopólicas que devem ser acionadas quando alguém fere a liberdade de expressão, o pluralismo e a diversidade.

Christa Berger: propriedade, condições de produção e produto

MANIPULAÇÃO – O caso da Venezuela é exemplar do quanto a cobertura jornalística assume e defende um ponto de vista como verdadeiro, único e natural e faz uma interpretação que se apresenta como consensual e ao mesmo tempo busca o consenso. Todo o período em que governou, Hugo Chavez foi ora ridicularizado, ora demonizado, chamado de caudilho, louco pelo poder, último anti-imperialista do planeta e, quando da sua morte, a cobertura da imprensa brasileira foi cruel. Assumiu que agora havia a possibilidade real dessa aventura do socialismo no século 21 ser finalmente derrotada. A Veja escreveu que “Chavez fez em seu país o que o PT originalmente queria fazer no Brasil, mas não pode, porque aqui há instituições fortes e uma imprensa vigilante”. Ou seja, a Veja se considera uma imprensa vigilante para obstaculizar os desejos do PT de avançar nas lutas pela comunicação.

INIMIGO ÍNTIMO – Sem democratização da comunicação não há democracia. Não há mídia democrática fora da democracia, ou seja, a comunicação está no centro do regime instalado ou desejado em quase todos os países do mundo. No entanto, ela é a inimiga íntima da democracia. A única instância que não é posta em debate pela comunicação é a comunicação. Todos os campos são investigados pelo jornalismo, a saúde, a educação, a política, mas nós nunca vimos uma notícia de que está na hora de se rever a concessão de uma emissora de tevê, uma investigação sobre a propriedade ilegal do dono de uma rádio, ou do não cumprimento das leis, mesmo estas que nós temos, que são frágeis, pelos veículos de comunicação. Quando a imprensa fala de si é para autorreferenciar-se elogiosamente.

Celso Schröder: uma nova elite constituída pós 1964

ENFRENTAMENTO – Sempre que acenamos com a possibilidade da democracia, algumas pessoas colocam como se fosse impossível, como se fosse um trabalho hercúleo nós fazermos isso. Se nós, o povo brasileiro, fizemos isso com o país, enfrentando a força armada, não conseguiremos enfrentar organizações comerciais, que são poderosas, é verdade, mas não são invencíveis? Há uma larga trajetória no Brasil de eventos históricos que demonstram isso: não são invencíveis. São possíveis de serem domesticadas, são passíveis da atribuição democrática que nós precisamos.

VANGUARDA – Daniel Herz foi a vanguarda, principalmente nesse período contemporâneo da luta pela democratização que se inicia com a luta da Constituinte. Na metade dos anos 1980, ele organiza um grupo de militantes e vai fazer a disputa ideológica no Congresso Nacional que gerou, inclusive com a participação da Fenaj, a luta contemporânea pela democratização dos meios de comunicação. E o surgimento do FNDC, que contempla um entendimento de que era necessário uma outra força, para além dos jornalistas, para além dos radialistas, dos atores, dos artistas que lutaram naquele momento pelo capítulo da comunicação na Constituição.

BARÕES DA MÍDIA – Quando o país emergiu da ditadura militar, nos defrontamos com uma nova organização política, uma nova elite constituída, que não era mais exclusivamente proprietários, donos do aço, do cimento, as elites clássicas no mundo e da América Latina, não era mais a elite de apoio, subsidiária, marginal e periférica, como tinha sido o Chateaubriand nos anos 1950 e 1960. Os novos donos da mídia, a Rede Globo como exemplo clássico, passavam a ser uma elite econômica. Não é à toa que hoje os dois herdeiros da Globo estão, segundo a Forbes, entre os cinco maiores milionários do mundo. Era uma elite econômica, política e tecnológica.

DIMENSÃO ESTRATÉGICA – A luta pela democratização dos meios de comunicação estrutura a luta pela democratização do país e é uma reivindicação que tem uma dimensão estratégica, com a mesma dimensão da luta pela Saúde, pela Educação etc. E nós não conseguimos fazer isso, por várias razões. A principal delas é que esse cenário antidemocrático herdado da ditadura no que diz respeito à comunicação se apresenta como natural, como se fosse um produto espontâneo das relações tecnológicas e da demanda do público generosamente concedida pelos empresários de comunicação.

A Constituição brasileira é moderna, é vanguarda em questões como Meio Ambiente, Saúde, mas para a Comunicação, é pífia. Temos cinco artigos, nenhum deles foi aplicados completamente, porque nenhum deles regulamentado. Foi o único capítulo de cinco pífios artigos que não foi votado na sua comissão. O resultado é uma Constituição que aponta para o não monopólio e o não oligopólio, mas não diz o que são. A legislação norte-americana diz que o monopólio. Quando eu tenho uma rádio, uma tevê e um jornal no mesmo espaço geográfico.

DESCONCENTRAÇÃO E PLURALIDADE – O que nós temos que fazer é outra comunicação, uma comunicação generosa, que permita a minha fala, mas também a fala do outro. Vou permitir na minha televisão, ou serei obrigado a permitir por força de uma regulação. E isso não é só para as mídias tradicionais.

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